Privatização da Copel
Índice
1.
Introdução
O Brasil é um país
em desenvolvimento, sem autonomia econômica e sem exércitos que imponham
suas filosofias. O resultado é estarmos sob a tutela dos países mais ricos,
esses, por sua vez, instrumentos de grandes grupos de empresários e banqueiros,
os verdadeiros grandes comandantes .
Esses líderes
agora determinam que as fronteiras sejam abertas, que a concorrência entre
nações se estabeleça e a desestatização aconteça. A internacionalização
tornou-se simpática e a propriedade intelectual torna-se o grande capital.
(Onde estão os grandes laboratórios? Uma característica do Terceiro Mundo é a falta
de recursos para tudo, quanto mais para a tecnologia). Defendem redução de
custos, maior competitividade. Querem o livre comércio (desculpa usada para a
Guerra do Ópio no século dezenove). Não lhes preocupa o resultado social
imediato dessas lutas. Partem do princípio de que o progresso virá e com ele o
aumento da qualidade de vida, pelos menos é o que alegam quando instados a se
explicarem..
As grandes
potências, estruturadas para o desenvolvimento tecnológico, confiam em seus
centros de pesquisa, indústrias, escolas e esquadras e em leis mundiais que
garantam e cobrem pela propriedade intelectual de suas descobertas. Geram
patentes bem valorizadas, que lhes garantirão renda e poderes gigantescos. Na
competição por outros produtos entram com o capital, o dinheiro deles, impresso
e supervalorizado, comprando tudo o que lhes interessa. Dinheiro gerado e
sustentado por um magnífico esquema de poder...
Numa versão
moderna do tratamento dado pelos europeus aos povos americanos, quando aqui
chegaram, trocando espelhos por produtos de maior interesse, induzem nossos
patriotas a comprarem de tudo. Os índios agora estão apenas ao sul do equador,
no Terceiro Mundo. Os espelhos têm pneus, perfumes, mais cores...
Dizer que tal
situação é ruim também é discutível. A soberania de muitas nações tem tido por conseqüência inúmeras guerras, ódios
de toda espécie. A grande nação mundial, Deus queira, talvez esteja nascendo
nas bolsas de valores, nos guichês de bancos mundiais. Assim, quem sabe, a
Terra viva na tão desejada paz .
A interferência
desses povos, contudo, é muito maior do que poderíamos imaginar há alguns anos.
Através da mídia, filmes e música,
objetos de consumo são propostos e aceitos. Além dessas traquitanas temos as
questões ideológicas, as institucionais, as relações que se transformam num
processo de “modernização” muito bem defendido pela imprensa e políticos
ingênuos ou mercenários. É triste ver as fisionomias de nossos governantes
visitando os EUA. Seus rostos e trejeitos não escondem a pusilanimidade, o
servilismo, a submissão tácita. O grande império e seus vassalos não escondem
suas intenções.
Nós somos o país
da arbitrariedade. Muito ao contrário dos Estados Unidos da América do Norte,
uma nação que se formou com imigrantes que se revoltaram contra as agressões
das elites da pátria mãe, nós somos o produto de mil tiranias. Desde o degredo
imposto a minorias, penalizadas por suas religiões ou crimes comuns, até negros
escravizados por seus inimigos africanos e vendidos como objetos a mercadores
europeus, aqui vivendo em fazendas e vilas totalmente submetidas a oligarquias,
a coronéis e outras espécies de lideranças piores, temos uma cultura de
subserviência e autocracia. Os verdadeiros americanos desapareceram, foram
dizimados pelos imigrantes voluntários e forçados.
Encontramos muitas
dificuldades em acreditar em nós mesmos. Não nos amamos. Não nos respeitamos. O
resultado é seguirmos modelos importados.
Nos países do
Terceiro Mundo a privatização tornou-se um modismo e uma opção de apropriação
do patrimônio público. Grandes grupos econômicos nacionais também têm a
oportunidade de adquirir a preços simbólicos empresas gigantescas. Os
investidores estrangeiros, assustados com os problemas recentes em diversos
países asiáticos e latino americanos, evitam gastar seus dólares fora de seus
países. Só investem aqui na expectativa de retorno rápido. Isso abre espaço
para os grandes empresários nativos, permitindo-lhes negócios de pais para
filhos. E esses negócios, eles sabem
onde chegarão. Conhecem as engrenagens do poder brasiliense. Sabem como
aumentar tarifas, mudar parâmetros, estabelecer novos padrões, que hoje
combatem. As eletrointensivas estão sendo estimuladas a apropriar-se de grandes
centrais geradoras, a usar artifícios para garantirem seus interesses. Isso
atendido, o povo que se dane...
Tudo isso não
significa, necessariamente, um desastre. O Brasil, de modo especial, poderá
sair lucrando com esse processo capitalista e imperialista. Temos porte, espaço
e muito a ser corrigido. O terno usado poderá servir e dar uma boa figura.
Precisamos, isto sim, corrigi-lo para que caia bem. Entre os muitos países
deste Mundo temos condições privilegiadas para chegar a um nível maior.
Assim, entre as
muitas questões em discussão, temos agora o processo de privatização das
estatais e de muitos serviços até agora feitos pelo governo. Paralelamente a
revisão da Constituição de 1988 coloca-se como necessária à “modernização” do
país. Dentro dela muitos direitos e restrições criam obstáculos ao processo de privatização de empresas. Na declaração
expressa de incompetência de alguns estados e governos, entende-se que a
transferência para a iniciativa privada será a grande solução para inúmeros
problemas do Brasil. Vale ressaltar que a Constituição Federal de 1988 é um
documento, um atestado à nossa irresponsabilidade. Feita há pouco tempo e já em
um Brasil em crise profunda, colocou-se distante de nossa realidade. Os
constitucionalistas da época agiram dentro dos piores interesses eleitoreiros
ou sob fortes inspirações românticas. O resultado foi termos um documento para
um Brasil que não existia. Agora a necessidade de reformas profundas,
perdendo-se tempo precioso para uma série de questões importantes. Nesse clima
os cuidados necessários a uma privatização inteligente ou a sustentação
racional de estatais estratégicas têm sido problema distante da cabeça da
maioria dos nossos deputados, senadores, tecnocratas e governantes.
Este trabalho
pretende analisar esta questão em relação à Companhia Paranaense de Energia.
Considerações genéricas
Antes de
simplesmente defender qualquer figurino devemos estudar cuidadosamente cada
proposta. Pela sua importância, não poderemos ignorar o dilema “privatizar ou
estatizar”. Uma atitude maniqueísta, radical, não é inteligente. Há pessoas bem
intencionadas e inteligentes em todas as correntes ideológicas. Precisamos
conhecer bem suas propostas, analisá-las e defender aquelas que julgarmos
melhores sem esquecer, contudo, que “a certeza absoluta é suficiente para
impedir qualquer progresso mental naqueles que a possuem”, como o disse
Bertrand Russel. A autocrítica permanente é necessária. A humildade e a
tolerância são essenciais a qualquer ação racional.
É importante,
contudo, denunciar de início o centralismo brasileiro. A subordinação ao
governo federal significa o desprezo às questões e culturas regionais. O
argumento sempre é a necessidade de se estabelecer padrões nacionais, o
respeito à incompetência e à incapacidade dos mais atrasados e o poder dos mais
ricos. Os estados em situação intermediária servem de fonte de recursos e
discursos. Aos grandes não interessa novos competidores e os pequenos entendem
que regiões como o Sul do Brasil não precisam de nada.
Os representantes
dos estados parecem soldados da República, esquecendo sutilezas de sustentação
imperialista dos estados mais conscientes e articulados. As leis, decretos,
portarias, os editais e todos os possíveis documentos sobre as concessões onde
a União é o Poder Concedente são feitos por burocratas instalados no Rio de Janeiro
e em Brasília.
Subordinados a
poesias e malandragens, muitos perderão...
Estamos em um
movimento de transformação acelerada em direção a uma economia ainda não
claramente definida, mas com muitos indícios de subordinação total às
diretrizes estabelecidas pelos grandes países para o Terceiro Mundo.
Os grandes riscos
de todo esse processo de transformação institucional são destruir as boas
empresas, atrasar o desenvolvimento do Brasil pela falta de energia elétrica em
muitas regiões, a privatização a preços muito menores dos possíveis em um
processo mais inteligente e a perda de soberania em uma área extremamente
importante ao desenvolvimento do país.
Há, contudo,
muitos benefícios possíveis com a privatização, se bem conduzida. É um processo
que se discute há décadas no Brasil. As Grandes Guerras e crises como as
produzidas no Oriente Médio refrearam os movimentos privatizantes. Perspectivas
de vivermos em um Mundo sem guerras tão extensas e a existência de uma
infra-estrutura já bem desenvolvida permitem-nos relaxar o controle sobre a
economia, abrindo-a e liberando-a de muitos entraves políticos e burocráticos.
Assim poderemos, também, obter recursos importantes para outras áreas menos
atendidas. As estatais existentes constituem-se em grandes poupanças que
poderão ser melhor utilizadas. Precisamos de um estado empreendedor. Há muito o
que fazer. Não podemos esperar a boa vontade de empresários para termos
estruturas vitais à produção, à geração de alimentos, à criação de outros
postos de trabalho. O estado, contudo, é um péssimo empresário. Explorar de
forma otimizada qualquer recurso é quase uma
utopia nas mãos do poder político. Devemos verificar o que pode sair da
gerência estatal e desenvolver um processo de privatização lúcido e honesto.
Melhor ainda, sempre que possível, sustentar a participação política em
concessionárias estratégicas, em processos de parceria com empresas privadas
úteis ao desenvolvimento tecnológico e administrativo das empresas.
O cuidado maior
será em aproveitar bem os recursos a serem obtidos com a privatização. Se nosso
povo, além disso, perceber que está transformando suas estatais em escolas,
hospitais e estradas, talvez fique mais atento aos processos em andamento.
Precisamos otimizá-los de modo a não termos aqui o que aconteceu no México e na
Argentina, onde a alienação de empresas públicas trouxe muito pouco benefício à
população, exceto o prazer de vê-las distante de corporações execradas.
2.-O Brasil
em relação a outros países
Falar de Brasil é tratar de um país continental. Seus oito
meio milhões de quilômetros quadrados impõem um elevadíssimo custo de ocupação.
Um exemplo disso é que só recentemente o nosso país começou a ter pólos
significativos em seu interior. Temos estados gigantescos com milhares de
povoados dispersos e a grande maioria extremamente carentes. Viajando por
países como o Japão ou Alemanha veremos cidades se sucedendo, mostrando
concentrações humanas ricas e altamente produtoras e consumidoras, ativas
economicamente. Qualquer estrada, linha de transmissão ou indústria logo
encontra focos de atividade, viabilizando e reduzindo custos das estruturas
necessárias. No Brasil somos obrigados a ter linhas de centenas de quilômetros
no limite inferior de carregamento para poder atender vilas que mal têm como se
sustentar.
Devemos notar as enormes diferenças de proporções. O Brasil
ocupa um território 22,5 vezes maior que o do Japão, 33 vezes maior que a
Grã-Bretanha e 206 vezes maior que a Suíça. Em relação a esses países nosso
produto interno bruto é 8 vezes menor que o do Japão apesar de termos uma
população pouco maior. O Brasil é 23 vezes maior que a Suíça em sua população
mas o produto interno bruto é apenas o dobro do apresentado por aquela nação.
Gráfico: Brasil / outros países, dimensões relativas
Um gráfico como o apresentado a seguir mostra que as grandes
diferenças persistem se quisermos comparar o Brasil a outros países,
mostrando-o em números relativos a sua população.
Gráfico
comparando densidades entre Brasil e outros países
O analfabetismo em todas as suas formas é gigantesco em
nossa terra e vivemos em um país tropical, com grandes áreas dominadas por
doença endêmicas, onde as conseqüentes da miséria são as maiores. Temos
dimensões geográficas semelhantes a de países como os EUA, Canadá, China e
Índia mas história e formação cultural muito diferentes.
Observando no gráfico dados como densidade demográfica,
renda per capita e consumo de energia elétrica por habitante, poderemos notar
como estamos muito abaixo dos índices mostrados pelos países mais
desenvolvidos. Isso se reflete nos custos. Principalmente a transmissão e
distribuição de energia elétrica perdem muito com a rarefação de cargas. Redes
gigantescas são construídas para mercados pequenos e mal pagadores. Nossa
imensa população considerada de baixa renda não pode viver sem energia elétrica
mas não tem como pagar tarifas razoáveis de energia, transporte, assistência
médica e comunicação. Nossos políticos e ministros preferem defender um estado
assistencialista, que dá mais votos, do que lutar pelo aumento real de
salários, que daria mais dignidade e independência ao nosso povo.
Gráficos de comparação social e política mostram com mais
clareza as distâncias. Os EUA têm sua constituição federal sem grandes mudanças
há mais de duzentos anos. Desde o começo impuseram-se grande respeito às
divergências culturais entre seus estados. Atraíram milhões de imigrantes e
deram-lhes boas oportunidades de desenvolvimento. Nas guerras em que se
envolveram, exceto contra o diminuto e valoroso Vietnan, venceram com grandes
benefícios econômicos. Souberam tirar proveito de suas batalhas.
Nossa primeira constituição (1823), cognominada de
“Constituição da Mandioca” porque diferenciava os cidadãos pela capacidade de
produzir este vegetal, não chegou a imperar nosso quadro institucional. D.
Pedro I não a aceitou mostrando, já no início de nossa história, o ambiente que
teríamos adiante. Em 1824 tivemos uma constituição outorgada (imposta) pelo
imperador, 1891 a primeira republicana, em 1934 a terceira “Carta Magna”, mais
atenta às questões eleitorais e trabalhistas, durou 3 anos, em 1937 tivemos
nossa Carta fascista (a Constituição Polaca), 1946 o retorno à democracia, 1967
e 1969 de volta para o autoritarismo e super centralismo brasileiro, a de 1988
messiânica e agora praticamente uma nova com as reformas em andamento. Essa
instabilidade institucional é uma marca brasileira que contrasta com a
estabilidade americana, inglesa, suíça e canadense. Se países mudaram muito
como o Japão, França e Alemanha foi principalmente por efeito de guerras
devastadoras em que se envolveram. Essas lutas, contudo, em muito contribuíram
para o desenvolvimento político de seus povos.
O Brasil envolveu-se mais profundamente em uma guerra contra
o Paraguai em que os dois países saíram perdendo. Numerosas revoluções e
quarteladas criaram rombos em nossa economia e descontinuidades institucionais
muito graves.
Vale registrar que o autoritarismo exercitado internamente
manifesta-se em nossas relações com os outros países. Aceitamos servilmente as
determinações das grandes potências. Como temos tradição como seres muito
falantes e até diplomatas, encontramos para nós mesmos as explicações que
interessam aos grandes. Submetemo-nos com todas as teorias e modismos
convenientes aos poderosos.
Mas nosso país continente não tem encontrado uma organização
institucional satisfatória. Querendo agradar a todos, muda suas leis e até a
Constituição Federal com excessiva facilidade.
A instabilidade institucional brasileira tem seu custo. Os
investidores exigem taxas de retorno maiores, muito maiores em países
inseguros. O povo brasileiro paga muito caro por suas fantasias e mudanças de
rumo. Quanto custou em credibilidade o confisco promovido pelo plano de
estabilização do governo Collor?
O cenário tecnológico apresenta diferenças imensas entre o
Brasil e os países mais desenvolvidos. Nos diversos países europeus e asiáticos
mais adiantados as escolas de engenharia são centenárias e modelos de ambiente
tecnológico. Nesses países, mais pelos interesses militares, é verdade, a
pesquisa teve apoio de governos e empresários. Na indústria eletrotécnica os
pesquisadores pioneiros transformaram-se em grandes industriais. No início
deste século já se organizavam para garantir a propriedade intelectual. Ao
final da Segunda Guerra Mundial o grande butim foi a conquista de cientistas
que trabalharam para o II Reich. Agora vemos empresas tradicionais formando
imensas multinacionais. Torna-se mais difícil pretender o desenvolvimento de
empresas locais. Consolida-se o império tecnológico dos países mais
desenvolvidos. Os gráficos mostram os efeitos desse processo. Estamos muito
distantes em renda per capita das grandes e competentes nações.
Aqui nos satisfizemos com faculdades de direito, talvez
porque elas formassem profissionais especialmente preparados para defender os
privilégios das oligarquias. O Brasil imperial era mais afeito a pompas e
circunstâncias. A República trouxe com extrema agudeza os conflitos das
oligarquias. Só quando o pólo industrial paulista tomou vulto começamos a ver
os efeitos do domínio tecnológico, a geração de empregos, os direitos
trabalhistas. Esse fenômeno veio neste século por efeito de imigrantes com
cultura fabril. Chegaram tarde.
Temos uma base de cultura humanística mal feita e só agora
podemos dizer que existe algo consistente nas áreas técnicas. E quando
começamos a deslanchar, adotamos a importação de tecnologia. Juros
estratosféricos, taxas de importação mal administradas, cultura de luxos
inúteis contribuem para o nosso atraso. Afinal adoramos importar quinquilharias
e exportar trabalhadores.
Precisamos ter consciência dessas diferenças para entender
que soluções excelentes no Japão, Alemanha, França e Estados Unidos da América
do Norte poderão não servir para nosso povo.
3. O Brasil
e suas diferenças internas
Não existe um
cidadão que possa ser considerado padrão brasileiro. Nesse país em que caberiam
mais de duzentas Suíças podemos encontrar culturas muito diferentes. Apesar da
massificação dos programas de televisão ainda podemos sentir diversidades
gigantescas e, assim esperamos, duradouras. Graças ao tamanho de nossa terra e
às diferenças climáticas, topográficas, étnicas, religiosas e tradições já
arraigadas podemos dizer que muitos de nossos estados são nações dentro da
grande pátria brasileira.
O sulista sofreu
grande influência de correntes migratórias européias e asiáticas neste e ao
final do século passado. Na região sul brasileira temos um clima temperado que
atraiu esses imigrantes. Aqui instalaram indústrias e técnicas agro pastoris
típicas de países como a Itália, Alemanha e Japão. Seus descendentes já em
grande processo de miscigenação com os habitantes mais antigos dessas terras
(portugueses, africanos e árabes) fizeram bases sólidas e com perfil
empresarial, independente e de muitas iniciativas. Acima de tudo é um povo
empreendedor e trabalhador. A região Sul é de fronteira com países de cultura
forte e tradição de conflitos com o Brasil. Principalmente o gaúcho denuncia
esse espírito de fronteira em seu comportamento aguerrido.
É interessante
observar o Estado de Santa Catarina. Em seu pequeno território (nas relações
brasileiras) mostra diversas cidades com aspectos díspares. É um autêntico
arquipélago cultural onde veremos ambientes tipicamente açorianos, italianos,
alemães, ucranianos e gaúchos, com variações dependendo da aproximação entre
eles. Isso se reflete em uma economia diversificada e muito saudável mas de
pouca representatividade política, o que tem lhe custado muito caro. Essas
influências também afetam a participação política. Tradicionalmente o estado
tem sido representado por lideranças mais identificadas com as comunidades
açorianas, mais falantes e próximas da capital do estado.
Já o Rio Grande do
Sul, terra dos pampas e de uma região de serra muito bonita, estado de
fronteiras enormes com o Uruguai e Argentina, espaço de muitos conflitos, entre
eles a Revolução Farroupilha, episódio memorável de reação ao Império,
consolidou paradigmas culturais muito fortes. Torna-se até divertido ver
descendentes recentes de alemães e italianos vestirem bombachas e todos os
demais paramentos do vaqueiro gaúcho e saírem dizendo-se tradicionais rio
grandenses. Tudo isso consolidou uma personalidade polemista, ousada e cheia de
conflitos....Grandes líderes brasileiros nasceram nesse estado. Personalidades
fortes e típicas criaram modelos como os definidos por caudilhos, lideranças
populistas e políticos refinados.
O Paraná é um
estado de formação recente. Topografia e terras privilegiadas e com boa base
cultural pois teve a sorte de atrair migrantes dispostos a trabalhar, apresenta
ainda uma imensa riqueza energética, proveniente de seus rios e de outros que
lhe fazem fronteira. Dentro do contexto brasileiro é considerado exemplar pela
seriedade e competência de administrações públicas. Essa condição produziu
empresas estatais excelentes, consideradas modelos por muitos especialistas em
Brasil. Sua base agrícola teve seu apogeu na cultura cafeeira. O fim desse período
marcou uma década de grandes migrações, inchando cidades como Curitiba e
Londrina e também com centenas de milhares de pessoas abandonando o estado em
direção a outras fronteiras agrícolas. Com o Mercosul e os recursos que dispõe
poderá partir para um período de grande desenvolvimento.
Mato Grosso do Sul
é um estado pioneiro, com grandes extensões para exploração agropastoril,
população rarefeita, áreas de florestas, pantanal e preservação ecológica.
Carece de infra-estrutura para um maior desenvolvimento.
A situação desse
estado é equivalente a de muitos outros como Mato Grosso, Goiás, Tocantins,
Rondônia, Amazonas, Boa Vista, Acre, Maranhão e Pará onde falta muito para
ter-se o suporte para um desenvolvimento sustentado. São estados com grandes
riquezas esperando melhor exploração. Têm potencial energético mas talvez
venham a entregar esses recursos para o desenvolvimento de regiões mais fortes
politicamente. Os afluentes do Rio Amazonas têm um potencial gigantesco
praticamente inexplorado. No sub solo dessa região há muito que encontrar, a
dúvida é se essas riquezas servirão ao povo lá existente.
Essas quase duas
décadas de recessão penalizaram de uma maneira especial esses estados, a maior
parte deles considerados amazônicos. As imensas extensões recomendam a
construção de ferrovias e a implantação de hidrovias. A eletrificação rural é
precária e pior ainda as condições sanitárias e educacionais da maior parte
desse Brasil recém nascido. A viabilização dessa infra-estrutura não poderá
dispensar o apoio público. Com a experiência adquirida em inúmeros projetos, o
governo federal deveria desenvolver um imenso programa de desenvolvimento
dessas regiões.
O Nordeste
brasileiro é fascinante. Tem recursos naturais enormes. Se fosse um país
independente estaria na OPEP. Muitas de suas terras com tecnologia e irrigação
artificial poderão oferecer um sem número de produtos. O litoral tem um
potencial fantástico para o turismo. Falta-lhe um programa gigantesco de
educação técnica, sanitária e planejamento familiar para sair do círculo
vicioso em que mergulhou. Alta fertilidade, falta de treinamento para geração
própria de atividades, educação de bases de higiene e alimentação para fugirem
a muitas endemias perfeitamente evitáveis. Entre seus estados há muitas diferenças
de cultura e de problemas. Vem de tradições políticas e administrativas
equivocadas mas ajustáveis à medida que seu povo tomar consciência da
importância de mudar e melhorar à custa do próprio trabalho.
Nessa região temos
o incrível estado da Bahia. Imenso produtor de energia elétrica, grande
produtor de petróleo, cacau e outros produtos importantes ao Brasil, impõe-se
dentro de uma cultura clássica e, preso a suas tradições, avança sem pressa e
com personalidade. Desde as origens do Brasil teve em suas fazendas numa base
escravocrata as riquezas que fizeram estórias incríveis de coronéis e políticos
famosos.
Minas Gerais, Rio
de Janeiro e São Paulo são a base de nosso Brasil com todos os seus defeitos e
virtudes. Na região Sudeste, onde ainda encontraremos o pequeno estado do
Espírito Santo com sua história de fazendas e senzalas, temos a grande
concentração econômica de nosso país.
Gráfico comparando dimensões entre regiões brasileiras
A fixação da
capital na cidade do Rio de janeiro teve por efeito a formação de nossa
consciência pátria a partir dos interesses e cultura cariocas. Cidade litorânea
formou bases típicas da vida à beira mar, fácil, indisciplinada e licenciosa.
O Tratado de
Tordesilhas e todos os conseqüentes fizeram com que nosso país se desenvolvesse
do litoral para o interior, do centro para os extremos norte e sul. As regiões
mais distantes foram áreas de conflito com a Espanha e, depois, com os nossos
vizinhos sul americanos. Principalmente dos estados do Rio de Janeiro, Minas
Gerais e São Paulo saiam as tropas para disciplinar as províncias mais
rebeldes. Na mais surpreendente inversão desse processo tivemos as revoluções
de 1930 e 32, quando de fora desse triângulo vieram exércitos para impor vontades
fora das oligarquias dominantes.
Assim, por
diversas razões, essa região teve maior desenvolvimento. As indústrias navais,
siderúrgicas, automobilísticas, petroquímicas, militares e outras
concentraram-se em seus espaços..
Gráfico com dimensões relativas a Brasil de infra-estrutura
Muito tem se
falado do Nordeste e de possíveis dificuldades culturais dessa região. O
gráfico a seguir mostra dimensões culturais que ilustram os problemas desta e
das outras regiões brasileiras. O analfabetismo mostra-se talvez como a questão
mais grave. A região Sudeste é a mais desenvolvida. O surpreendente é lembrar
que nesta região tivemos os maiores escândalos com empresas estatais. Toda a
cultura, conforto e riqueza de seu povo não impediu que empresas sólidas como o
BANESPA, ELETROPAULO, CESP e até a CEMIG tivessem períodos extremamente
deficientes em suas administrações.
Gráfico com dimensões culturais, físicas e PIB do Brasil
As grandes
diferenças entre as diversas regiões brasileiras indicam, contudo, a
necessidade de maior apoio da União a certas áreas. Inegavelmente não há como
desenvolver rapidamente uma boa infra-estrutura nas regiões Centro Oeste e
Norte sem o suporte federal. Na região Nordeste o maior problema é cultural. O
índice de analfabetismo não corresponde ao que se poderia esperar existir nas
terras em que o Brasil começou. Há imensas diferenças entre as áreas litorâneas
e as do interior do Nordeste. A miséria é , infelizmente, uma marca em muitos
lugares. Nessas regiões a instalação de grandes empresas exige supervisão da
União e da Justiça de modo geral. A própria ignorância do povo facilita sua
exploração. Empresas concessionárias de serviços essenciais têm um poder muito
grande em qualquer sociedade.
Gráfico apresentando evolução relativa do consumo de energia
elétrica
Essas
características demonstram a necessidade de se estabelecer soluções diferentes
à cada quadrante brasileiro. O Sul é completamente diferente do Nordeste,
tradições, economia, recursos naturais, ambiente e origens diversas recomendam
tratamentos, leis diferentes. A homogeneidade institucional brasileira é um
contracenso. Imitamos os estados Unidos em muita coisa, menos naquilo que
melhor funcionou em nosso irmão do norte, a independência entre estados da
União.
4. A
situação energética brasileira
O Plano Real, a retomada do desenvolvimento e o padrão de
consumo de energia no Brasil mostram um quadro preocupante de crescimento do
consumo. Durante muitos anos vivemos sob recessão e com índices de pluviosidade
de normais para elevados. No início da década de oitenta estávamos com altos
investimentos na área energética, o que levou o país a um excedente
considerável. Esse período de tranqüilidade no Sul e Sudeste do Brasil criou um
clima de segurança perigoso, principalmente diante do processo de retomada do
desenvolvimento.
É bom lembrar que nos
últimos quinze anos tivemos a entrada em operação de usinas como Salto
Santiago, Segredo, Governador Bento Munhoz da Rocha Netto, Xingó (Nordeste) e,
principalmente, a Usina de Itaipu e o seu sistema de transmissão. Cada máquina
de Itaipu era equivalente a uma grande usina hidroelétrica e foram 18.
A interligação dos sistemas do Sul e Sudeste do Brasil pelas
linhas associadas à Usina de Itaipu deram ao Brasil um nível excepcional de
qualidade e segurança. Durante muitos anos pudemos usufruir um padrão de
serviços de primeiro mundo. Resistimos a estiagens razoáveis e acidentes sem
que o consumidor sofresse qualquer descontinuidade de serviço. Isso tudo
terminou por oferecer uma falta de atenção perigosa em relação à energia
elétrica.
No Congresso a elaboração da Constituição Federal de 1988 e
os sucessivos processos de revisão fizeram do tema “concessões de serviço
público” uma questão menor, quando não a oportunidade de muita demagogia.
Apesar de envolver dezenas de bilhões de dólares em investimentos realizados e
ser vital à sobrevivência da nação, era assunto desconhecido à maioria absoluta
dos parlamentares. Essa ignorância criminosa às vésperas da votação da
regulamentação do artigo 175 da Constituição Federal era uma realidade
facilmente verificável. O argumento de senadores da República era que o
“Fogaça” (relator no Senado do projeto de regulamentação ajustado pelo deputado
José Carlos Aleluia, aprovada na Câmara de Deputados) era competente e o que
ele dissesse fariam. O tempo era gasto com discursos inúteis e articulações
oportunistas. Vimos o Senado da República desperdiçar horas intermináveis em
discursos laudatórios enquanto os prazos para os debates em torno desse projeto
se esgotavam. Aproveitaram a mudança de legislatura e de gerências nas estatais
para por em votação a regulamentação do artigo 175 da Constituição Federal
(início de 1995). O Executivo sabe como manobrar diante de tanta
irresponsabilidade.
Corremos riscos gigantescos nessa democracia recém nascida.
Infelizmente a culpa não era só dos legisladores. Sindicatos, associações,
governadores, entidades de toda espécie não têm acompanhado eficazmente as
decisões de Brasília. O clima de desprezo pela política está custando caro ao
Brasil.
Em muitos estados a má administração das estatais e a
corrupção contribuíram decisivamente para a desmoralização das empresas
públicas. Algumas, operando em excelentes mercados, foram suporte a escândalos
incríveis. Destruíram imagens valiosas, colocando o povo contra companhias que
tiveram participação importante no desenvolvimento nacional. A mídia nacional,
a serviço de seus patrocinadores, tem aproveitado esses exemplos destacando
seus efeitos. Não mostram que os piores casos ocorreram em regime de exceção e
muito menos dão destaque às empresas bem sucedidas. Tudo dá a impressão de um
grande complô para desmoralização do estado e apropriação a preço irrisório da
poupança popular, que é o patrimônio imenso das estatais.
Chegamos ao final de 1995 com poucas usinas em ritmo normal
de construção e elas, juntas, pouco representam em relação ao crescimento da
demanda previsto para os próximos anos. O crescimento do consumo de energia tem
se apresentado como uma progressão geométrica. Atualmente estamos com
acréscimos de mais de cinco por cento ao ano. Precisaríamos estar acrescentando
em torno de 2000 MW de energia firme por ano à capacidade de geração de energia
do Brasil. O que vemos em obras é suficiente para um ano de aumento de carga e
pouco mais.. Mesmo essas usinas acrescentam pouco. Há muitas obras paradas mas
em termos de energia firme o volume não é tão grande quanto deveríamos ter.
Na exposição do senhor ministro Raimundo Brito, realizada no
CONFEA, Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, em 8 de
fevereiro de 1996, ele anunciou um “Programa de Licitações” para acréscimo até
2005 de 32921,5 MW de potência ao sistema, com a necessidade de investimentos
da ordem de US$ 33,6 bilhões de dólares. A questão principal é saber se os
empresários têm esses recursos disponíveis para investimentos em um setor
institucionalmente de alto risco e se eles, dispostos a tudo, terão capacidade
de cumprir os cronogramas que, dia a dia, tornam-se mais estreitos. Os grandes
grupos econômicos brasileiros tiveram uma descapitalização muito severa com o
plano Real e as elevadíssimas taxas de juros praticadas em 1995 e 1998.
Perderam muito do entusiasmo de até pouco tempo atrás. Os estrangeiros receiam
investir em países ditos emergentes. Emergem com que solidez política? Terão
capacidade de sustentar suas leis sem mudá-las nas próximas décadas?
Toda a lógica que as grandes nações aplicam às menores vale
para dentro do Brasil. Temos necessidade de investimentos em regiões menos
desenvolvidas. Uma parte da viabilização do desenvolvimento dessas áreas é a
implantação de infra-estrutura energética sem os compromissos de rentabilidade
esperados normalmente. Qual é a proposta para esta situação? Perdemos visão
integrada do Brasil. O discurso neo liberal diz que tudo se resolverá à simples
abertura econômica. Isso não aconteceu nem nos EUA, onde a TVA foi criada para
atender uma região decadente.
Se estivéssemos no quadro estatal anterior também estaríamos
em dificuldades. Principalmente as grandes empresas paulistas perderam muito
com as más administrações do período Quércia. No Rio Grande do Sul a CEEE ainda
luta para sair do atoleiro em que mergulhou. Alguns outros estados encontram-se
em situação até pior pois a incompetência aliou-se à corrupção para o
desperdício de imensos recursos.
O gráfico a seguir mostra a evolução da carga e da
capacidade de geração em relação aos números de 1994, quando tivemos 54116 MW
de capacidade própria de geração, considerando Itaipu pela metade, e uma carga
total de 236 GWh.
Gráfico
mostrando evolução de carga e geração em relação a 1994
O racionamento poderá acontecer também pelo esgotamento do
sistema de transmissão e transformação em algumas áreas críticas. Regiões
importantes operam com níveis de confiabilidade cada vez piores. Acidentes ou a
simples saturação poderão causar imensos prejuízos. Nos quadros de atendimento
às necessidades de atendimento ao mercado brasileiro temos visto muitas
apresentações em que o enfoque é a construção de usinas. O problema é que não
basta construí-las. Há necessidade de transportar a energia aos centros de
consumo. Poderemos ter grandes racionamentos com excesso de oferta de energia
elétrica. No Nordeste essa poderá ser uma realidade concreta com a Usina de
Xingó. Alguns estados poderão ter restrições energéticas apesar de próximos
àquela grande usina.
Os estados da Região Centro Oestes, Nordeste e Norte
encontram-se em situação de atendimento precário. O desenvolvimento dessas
regiões demandaria a implantação de uma malha gigantesca de linhas de
transmissão de modo a viabilizar-se um bom padrão de atendimento de energia
elétrica a imensas áreas mal atendidas. Mesmo o Sul do Brasil tem áreas de alto
risco de atendimento por falta de transformadores e linhas de transmissão. Essa
questão deveria vir a público com clareza, sinceridade e competência. O Brasil
ainda é um país muito atrasado em grandes regiões. Basta ver a simples
eletrificação rural, que poderia ser entendida como um programa de energia
rural onde entraria o biogás, a transformação de energia solar em energia
elétrica, a produção e aproveitamento local de combustíveis líquidos. Tudo isso
foi abandonado. E o será se o critério for apenas investir com lucro direto.
As grandes empresas precisam equacionar seus ganhos sobre a
transmissão de energia. De alguma forma a transmissão de energia deverá gerar
recursos para a sua expansão. A conscientização da necessidade de manter e
aprimorar padrões é fundamental à evolução do país. Principalmente as empresas
interligadoras de área, estatais federais, têm as grandes linhas e subestações.
O sistema de transmissão da energia de Itaipu, por exemplo,
está sob a responsabilidade da ELETROSUL e FURNAS. Exigem cuidados permanentes,
equipes super treinadas e equipamentos de suporte sofisticados. Com o
envelhecimento de seus técnicos e oficinas estas companhias estão perdendo
qualidade e oportunidades de formação de equipes pois tem faltado atenção para
este detalhe extremamente importante. A otimização de equipes reduzindo os
excessos é importante mas na radicalidade demagógica e incompetência
administrativa avançamos na degradação das empresas.
Na estratégia de privatização do Setor Elétrico o governo
federal deveria manter suas empresas . Elas comandam as maiores usinas, o
sistema de Extra Alta Tensão, responsável pelas grandes interligações e, com a
ELETROBRÁS e DNAEE estabelecer um plano de parceria na ampliação do sistema.
Assim teríamos a garantia dos investimentos principais e tempo para observar os
efeitos da privatização nos estados e na ampliação do parque de geração e
transmissão. A privatização total, necessária em um país que não resiste à
demagogia, seria um passo para ser dado mais adiante, com todos os cuidados
necessários. Isso é importante porque estaremos formando mega empresas em nosso
país, com muito poder econômico e, portanto, poder político. Seria hipocrisia
desconhecer a capacidade de corrupção do dinheiro, em si.
As falhas da lógica atual se refletem nos investimentos em
transmissão. Pouco se fala a respeito e são absolutamente necessários. O sinal
de que a privatização terá sucesso será equacionar esta questão. A construção e
manutenção dos grandes sistemas de transmissão, sob tarifas compensadoras e a
compreensão dos consumidores, principalmente os eletro intensivos.
O gráfico a seguir mostra a estagnação existente nessa área.
Gráfico
apresentando quilometragem de linhas de transmissão por ano
Uma forma de pressionar legisladores e executivos é pedir
indicadores de desempenho. Os consumidores deveriam exigir das concessionárias
de energia avaliações de confiabilidade. Com o desenvolvimento da informática
já é possível fazer-se simulações e cálculos para estimativa de riscos e
qualidade de fornecimento. Infelizmente não temos educação nem Justiça para
cobrar segurança e qualidade. Competência técnica temos de sobra, falta juízo.
Se lembrarmos a “via crucis” que é a colocação em operação
de grandes unidades geradoras, linhas de transmissão e subestações perceberemos
que o tempo evapora-se sem que as expansões necessárias aconteçam. A legislação
ambiental é complexa, a mobilização da sociedade é fácil, entidades radicais
atuam com firmeza contra qualquer grande obra. Os argumentos são grosseiros mas
apoiados com entusiasmo por todos aqueles que dependem da demagogia para se
promoverem. As questões principais tem amparo regular na lei e não encontram
razões para seu desrespeito. O problema maior são as teses mais irreais e
subjetivas. Contra essas é difícil argumentar pois a lógica dos litigantes é
muito diferente. É difícil provar que uma linha de alta tensão não provocará
câncer. Afinal tudo leva ao câncer e é bem provável que algum mal possa gerar.
Se, contudo, fizermos comparações, veremos que os maiores venenos não sofrem
qualquer denúncia por parte desses militantes. O mundo do teatro fácil que
vivemos estimula aqueles que só pensam em fazer agitação. Um bom exemplo são os
automóveis, instrumentos de centenas de milhares de acidentes no Brasil com
dezenas de milhares de mortos e aleijados anualmente. Não conhecemos nenhuma
pastoral do automóvel. Maus hábitos provocam males infinitamente superiores aos
supostos problemas com a energia elétrica. O que vemos, entretanto, é
preocupações com questões distantes e o desprezo pelos reais. Esse clima de
desinteligência e desonestidade intelectual e política desvia a atenção sobre
as grandes questões.
As questões institucionais em torno da energia elétrica
ficaram muito carregadas de polêmicas ideológicas, filosóficas e morais. No
Congresso Nacional sentimos nitidamente o domínio de preconceitos sobre a
realidade. Muitos, sabe lá por quais razões, tinham e têm um discurso rancoroso
contra as empresas de capital misto. Parece absurdo que elas paguem bem seus
funcionários, não admitem a existência de fundações de previdência. Usam de
números mal construídos para denunciarem o que consideram venal. O principal é
que esqueceram o que é a energia elétrica, como se produz e a sua importância.
As polêmicas prosseguem e os resultados concretos são desprezíveis. Isso
significa que teremos dificuldades gigantescas para atender o aumento do
consumo de energia dentro dos prazos já previsíveis.
Uma alternativa para a produção de energia elétrica seria a
geração usando o gás boliviano e da Bacia de Campos. Uma termoeléctrica a gás é
de instalação rápida. Os ambientalistas vão deixar? elas produzem gases...São
totalmente importadas, precisam de divisas e o volume de recursos a ser gasto
será muito grande. Além disto também deverão ser construídas subestações e
linhas de transmissão. Linhas e subestações de tensão igual ou maior que 230 kV
precisam de RIMA, audiências públicas etc. Estaremos nos submetendo a vontades
políticas de nossos vizinhos. Nada impede que voltem aos períodos de
instabilidade institucional. Como tratarão o Brasil?
O governo pretende sair do negócio. Diz (falsamente) não
poder investir. Espera a iniciativa privada. Esse Brasil há tantos anos estatal
mudará por decreto? Teremos cultura empresarial para que surjam empresas
concessionárias competentes e a curto prazo? Os empresários estarão dispostos a
investir sem uma política tarifária confiável? Vão gastar dinheiro em obras que
representem melhoria de qualidade e confiabilidade? O empresário acredita em
nosso Poder Judiciário e na estabilidade institucional do Brasil? Aceita a
remuneração que o governo pretende estabelecer para a área energética? Nossos políticos deveriam ler as publicações
do Centro de Memória da Eletricidade no Brasil e saberiam das dificuldades que
os brasileiros passaram nas descontinuidades de interesse em investir em nosso
país. A criação do município de Betim, com fronteiras passando a sete
quilômetros do centro de Belo Horizonte (vide livro referência 3), deveu-se
muito à necessidade de fugir da área de concessão da Amforp, que mal e
porcamente atendia a capital mineira. Assim Minas Gerais pôde viabilizar sua
Cidade Industrial.
O que aconteceu à Amforp, representante no Brasil da
Electric Bond and Share, Ebasco, mostra os riscos que corremos se não criarmos
condições efetivas de viabilização e cassação de concessões. Esse grupo
econômico comprou várias concessionárias de energia elétrica no Brasil antes da
crise de 1929. Começou a investir por aqui mas descapitalizou-se com a recessão
norte americana, parando de investir no Brasil e sendo, assim, grande
responsável pela redução do ritmo do
desenvolvimento de grandes cidades brasileiras. Esse não foi um problema
apenas brasileiro. As empresas estatais multiplicaram-se pelo mundo nessa
época.
Nós apreciamos imitar os países europeus e os Estados
Unidos. Lá o setor de energia elétrica era altamente regulamentado e, em muitos
países, estatizado. Assim conseguiram atender o crescimento do consumo e
oferecer bons padrões de confiabilidade. Com a mudança do perfil da atividade
econômica, medidas de conservação de energia e redução das taxas de
crescimento, muitos puderam abandonar seus modelos tradicionais e flexibilizar
normas e estruturas. Principalmente pela necessidade de reduzir custos e
enfrentar sindicatos ferozes, a privatização e liberação de procedimentos
contribuiu para a criação de um clima de competição saudável. Os investimentos
necessários não são grandes, o principal é usar a infra-estrutura existente de
forma rentável e eficaz tecnicamente. Nossa realidade, contudo, é diferente.
Realmente precisamos de grandes investimentos durante muito tempo. Como viabilizá-los?
Atualmente há um processo de conquista das melhores usinas
em construção ou em operação (privatização) pelas empresas grandes consumidoras
de energia (eletrointensivas). Fabricantes de alumínio, papel e cimento,
principalmente, procuram garantir a energia de que necessitam para operar. O
SINTREL viabiliza o transporte da energia a longas distâncias (o estado fica
com o prejuízo, ou seja, o consumidor comum e o contribuinte) permitindo, por
exemplo, que usinas em Santa Catarina garantam o funcionamento de fábricas de
alumínio em São Paulo. Não vemos, contudo, empresários querendo investir para
atender a demanda das cidades, do cidadão comum. O que não é de se estranhar
pois eles não têm a obrigação de assumir os riscos de um país, que não tem
instituições estáveis, que muda freqüentemente de constituição e que ainda
apresenta fragilidades preocupantes.
Lembrando que a energia mais cara é aquela que falta e que
há necessidade urgente de equacionar um grande plano de obras no setor
elétrico, ficamos com a sensação de que fatalmente enfrentaremos dificuldades
para atender as cargas previsíveis a médio prazo.
O quadro atual permite-nos dizer que a próxima eleição para
presidente da República talvez aconteça sob racionamento de energia. Os
partidos de oposição ao governo vão agradecer tanta incompetência.
5. O processo estatizante da energia elétrica no
Brasil
O Brasil vem de uma história em que a iniciativa privada, no
início do século, tinha todos os espaços possíveis. A interferência do governo
limitava-se a precárias tentativas de regulamentação técnica e controle do
crédito. País agropastoril tinha nos campos suas grandes questões econômicas.
Madeira, açúcar, borracha e café revezavam-se como nossos grandes produtos de
exportação. O comércio baseado em produtos primários exigia um pequeníssimo
padrão industrial, consumindo pouca energia. A infra-estrutura necessária era
suprida por grupos multinacionais e alguns empresários nacionais.
Desde o final do período imperial o Brasil teve fases de
desenvolvimento vegetativo, discreto, com raros momentos de maior sucesso. As
poucas estradas, portos, armazéns e sistemas de abastecimento de energia eram
suficientes a um povo que mais vivia brigas internas do que a preocupação de um
grande desenvolvimento.
O fim do período imperial deu-nos uma democracia mambembe.
Nossa pátria era espaço de elites que disputavam ferozmente o poder. Nosso povo
era massa de manobra de coronéis, caudilhos, fazendeiros e empresários poderosos.
Algumas cidades tiveram maior politização. São Paulo, Rio de
Janeiro, Porto Alegre e Recife, entre poucas mais, foram palcos de muitas lutas
com maior participação popular. A grande maioria das vilas e cidades vivia e
vive até hoje a rotina de disputas
locais, sem suporte filosófico e no mais puro fisiologismo.
A Guerra do Paraguai e os conflitos internos após a
proclamação da República endividaram e estagnaram um país que poderia ter tido
outra sorte.
No início desse século a ação dos sindicatos socialistas e
anarquistas redundou em uma legislação restritiva à imigração, fórmula
encontrada pelas oligarquias conservadoras para se defenderem das novidades
políticas, principalmente o socialismo anarquista, o modernismo da época. O
resultado foi o Brasil perder a oportunidade de receber milhões de europeus e
asiáticos ávidos por espaços, que poderiam aqui ter se estabelecido. Com certeza
esse pessoal teria mudado positivamente nossa história econômica. Os Estados
Unidos da América do Norte souberam captar esses excedentes populacionais.
Ganharam sem grandes esforços multidões treinadas, educadas, preparadas para a
fase industrial que viveram intensamente.
Em conseqüência do seu gigantismo e de seu processo
histórico o Brasil iniciou este século com uma constituição que seria a dos
sonhos de nossos municipalistas e neo liberais atuais. A liberdade dos estados
e municípios era enorme e o resultado foi a formação de centenas de empresas
concessionárias . Nesse ambiente ainda contavam com um padrão de vigilância
técnica praticamente inexistente, falta de profissionais e escolas, legislação
precária e todas as limitações geradas pelos conflitos mundiais e nacionais. É
importante notar, comparando, que os EUA tinham aumentado o seu índice de
analfabetismo em 1850, um em cada dezoito
americanos não sabiam ler e escrever naquele ano.
O Brasil de hoje ainda tem um nível que nosso irmão do norte
talvez nunca tenha tido em sua história independente. Ao início do século vinte
os EUA usufruíam de toda a vitalidade de uma grande sociedade com vocação
industrial. Nós repelíamos os imigrantes que aqui não se dispunham ao trabalho
escravo nas fazendas de café...O resultado desse cenário foi a fragilização de
tudo o que se pretendia. As empresas surgiam e desapareciam. Não conseguíamos
estabelecer uma base sólida ao nosso desenvolvimento.
Nas grandes cidades, coincidentemente capitais de estado, o
resultado era mais compensador e nelas algumas grandes empresas se formaram e
cresceram. Nessas áreas grupos estrangeiros investiram formando concessionárias
com algum sucesso. Infelizmente o desenvolvimento dessas empresas viu-se
extremamente prejudicado pela demagogia e pelos conflitos ideológicos entre
esquerda socialista, comunista e anarquista contra filosofias liberais,
capitalistas. O povo saiu perdendo. Falar mal das empresas de energia e
transportes era normal em todos os jornais nos períodos em que existiu alguma
liberdade de imprensa. A demagogia refletia-se no congelamento de tarifas, na
remessa de lucros prejudicada pela visão míope, que nosso povo tinha dos
interesses dos investidores, impedindo até planos de expansão necessários. A
falta de compreensão ou de aceitação do que seria uma sociedade democrática,
livre e capitalista foi um desastre para o Brasil.
As guerras mundiais e a crise econômica de 1929 e suas
conseqüências também diminuíram substancialmente o interesse e a
disponibilidade de investimentos no Brasil.
Em nossas terras a inibição empresarial começou com o fim da
“tarifa - ouro” em novembro de 1933. Até então metade da tarifa acompanhava a
cotação do ouro, dando-lhe certa segurança contra a inflação brasileira.
Com o Código de Águas de 1934 o poder concedente na área de
energia elétrica passou a ser a União, distanciando o regulamentador e fiscal
do consumidor e investidor. Tirou-se das cidades, das indústrias, do consumidor
comum o direito de negociar seus direitos e deveres. A energia elétrica passou
a ser assunto de um pequeno time, residindo no Rio de janeiro e subordinado ao
Ministério da Agricultura, com poderes para ditar as condições de atendimento
do Brasil inteiro.
A decadência das concessionárias de energia elétrica teve
mais um grande incentivo no Decreto-Lei 3.128 de 19 de março de 1941, que
conceituava e estabelecia como base de remuneração de investimentos e indenizações o valor histórico e limitava
em 10% a remuneração anual sobre o capital. Sem tarifas e com problemas em suas
bases externas, os investimentos no Brasil passaram a ser milimétricos. A falta
de energia um grande desestímulo ao nosso desenvolvimento.
O nacionalismo exacerbado, a ignorância dos benefícios da
energia elétrica, o clima de passividade criado pelas guerras e recessões
consolidou o marasmo que vivemos durante décadas na área energética.
Nos centros mais industrializados e dependentes de energia o
serviço era feito com grande esforço por empresas sem motivação maior que o
interesse em não se afastar de concessões, que um dia poderiam mudar. Com o
tempo os geradores particulares a diesel foram se tornando comuns em pátios de
indústrias. Estima-se que no meio da década de 50 havia em torno de 100 MW de
geradores diesel instalados só na cidade de São Paulo. Por essa época, em
Blumenau, uma pequena cidade industrial do interior de Santa Catarina, mais de
3 MW de geração a diesel existiam nas fábricas e a cidade vivia freqüentes
períodos de racionamento de energia. Sistemas isolados, sentiam diretamente as variações
climáticas em suas lâmpadas e motores. Infelizmente nosso povo esqueceu-se
desses períodos e suas conseqüências.
No Brasil, ao início da década de quarenta, poucas escolas de engenharia e de técnicos
formavam profissionais. A falta de oportunidades de trabalho na engenharia
desestimulava essa carreira. Éramos um país de bacharéis. As maiores
empreiteiras nacionais pouco mais que construir algumas estradas ou prédios
sabiam fazer. As concessionárias estrangeiras importavam quase tudo,
principalmente tecnologia. A sobrevivência das elites garantia-se na exploração
de mão de obra barata e dava-lhes o suficiente para uma vida de luxos e debates
inócuos. Nossa iniciativa privada era ruim de inspiração.
A estatização no Brasil foi principalmente o efeito da
impossibilidade de atrair investidores, fossem eles nacionais ou estrangeiros.
Não podendo mudar as regras burras sobre tarifas, diante da demagogia e
irresponsabilidade de inúmeras lideranças, a estatização começou no final da
década de quarenta. Primeiro com o apoio indireto do acordo do trigo com os
EUA, que implicava em financiamentos internos na proporção dos gastos com a
importação de trigo, e depois com os bancos de desenvolvimento estrangeiros.
A construção da Usina de Paulo Afonso e Três Marias e a
criação da CHESF em 3 de outubro de 1945 (instalada efetivamente em 15 de março
de 1948), o trabalho da Comissão de Desenvolvimento do Vale do São Francisco,
inspirado no sucesso da Tennessee Valley Authority (TVA), autarquia norte
americana criada em 1933, foi o ponto de partida do processo estatizante
nacional. O sucesso da TVA, os problemas gerados pela arrogância burra da LIGHT
e a incapacidade financeira da AMFORP ajudaram muito na formação da base do
processo de envolvimento estatal na área de energia elétrica. O Brasil foi
palco de polêmicas ideológicas. As grandes guerras e a recessão de 1929
demonstraram praticamente a fragilidade da dependência do capital estrangeiro.
Os capitalistas brasileiros, por sua vez, pouca competência tiveram para enfrentar
as multinacionais. Foi preciso termos governos ditatoriais para vermos a
nacionalização e o desenvolvimento do
setor elétrico com características brasileiras abrangentes.
Felizmente tivemos pessoas extraordinárias. Sabendo usar
essas oportunidades políticas, administrativas e de crédito, tiveram
competência para usar os recursos disponíveis e promover o desenvolvimento
energético brasileiro., que deram em três décadas obras como Três Marias, Paulo
Afonso, Furnas, Jupiá, Urubupungá e outras usinas, grandes linhas de
transmissão e subestações mostrando a competência de uma geração fantástica de
engenheiros, economistas, administradores e políticos.
A participação estatal tinha resistências ideológicas,
técnicas e financeiras. Evidentemente o Brasil já se encontrava dividido entre
empresas concessionárias. O clima de rivalidade entre partidos políticos
fragilizava muitas iniciativas. O Brasil era um país desconhecido pelos
brasileiros. Um bom exemplo dessa ignorância
foi a informação prestada em Petrópolis por Adolph J. Ackerman na Reunião
Parcial da Conferência Mundial da Energia, atual Conselho Mundial da Energia,
em 1954, de que o Brasil teria um potencial hidroelétrico de apenas 16.000 MW.
Não podemos desprezar o impacto dos efeitos do programa de reconstrução
soviético nos pensamentos de muitos líderes brasileiros. Não passava
despercebido deles os resultados alcançados. Após a Segunda Guerra Mundial, com
o seu povo e território tremendamente afetados, mesmo sob constante pressão
militar do mundo capitalista, desenvolveu-se energicamente tornando-se o
segundo produtor e consumidor mundial de energia elétrica. Falhas técnicas da
LIGHT contribuíram muito para o surgimento de FURNAS. O potencial energético do
Rio Grande, na fronteira com o estado de Minas Gerais, era ignorado por seu
executivos. Não souberam desenvolver um clima de confiança e na arrogância de
seus poderes perderam espaço para uma geração de executivos e engenheiros a
serviço do governo. A construção da hidroelétrica de Furnas é um bom exemplo
dessa situação, muito bem relatada por Lucas Lopes à Memória da Eletricidade
(3). O ambiente para a construção da usina foi indicado por um empresário que
possuía uma fazenda à margem do Rio Grande e, a princípio, repudiado pelos
diretores da Light.
O governo JK, dentro de uma preocupação de desenvolvimento
nacional, não se prendia aos problemas e interesses de uma empresa. O
abastecimento de energia à região era essencial ao plano de metas estabelecido
em sua administração. Foi preciso criar uma estatal para que o governo pudesse
iniciar um programa de integração e desenvolvimento. O Brasil não despertava
maiores interesses dos investidores, escaldados pelas falhas ideológicas e
éticas de nosso povo.
Entre grandes líderes que se empenharam na questão
energética, Getúlio Vargas em seu segundo governo, consciente da importância do
suprimento de energia, empenhou-se em estruturar suas diversas bases. Em sua
administração a Petrobrás foi criada. Um
Plano do Carvão Nacional foi apresentado. O projeto de lei para a criação do
Fundo Federal de Eletrificação, FFE, e do Imposto Único sobre Energia Elétrica,
IUEE (previsto na Constituição Federal de 1946) transformou-se na Lei 2.308 de
31 de agosto de 1954, logo após o seu suicídio.
A proposição de criação da ELETROBRÁS teve sucesso mais
tarde, vindo a ser um instrumento decisivo no desenvolvimento da
infra-estrutura elétrica brasileira. Em volta da proposta de criação da
ELETROBRÁS perdeu-se, entretanto, a
oportunidade de desenvolvimento de um parque industrial brasileiro consistente
e de alta tecnologia. Apesar do interesse inicial de fazer dessa estatal uma
grande holding, cobrindo inclusive a área industrial, o Presidente Jânio
Quadros terminou por amputá-la, inibindo essa atuação. Atendeu assim principalmente
os interesses de industriais paulistas e estrangeiros com medo de maior
competição. Jânio, ao sancionar a Lei 3.890-A, de 25 de abril de 1961 criando a
ELETROBRÁS, vetou os artigos que
permitiriam a essa empresa a formação de uma indústria nacional de material
elétrico. O BNDES veio a ter empresas privadas em suas mãos. Não pela
participação pró ativa mas pela falência de indústrias mal dirigidas. De
qualquer modo a experiência gerencial do governo nessas estatais não foi boa.
Não temos maturidade política e moral para tanto poder.
A favor da nacionalização do Setor Elétrico havia, entre
outras, a preocupação com a remessa de divisas ao exterior em uma época em que
eram escassas. O simples aumento da rentabilidade do Setor Elétrico,
instrumento lógico para a sua capitalização e retomada dos investimentos,
preocupava pela dificuldade de sustentação das remessas de dólares ao exterior
como participação natural dos lucros das empresas estrangeiras. Vivia-se uma
fase de grande domínio dos grupos LIGHT e AMFORP.
A aprovação do FFE e do IUEE, privilegiando empresas
públicas existentes ou a serem criadas, foi um grande estímulo à estatização.
Apesar de todas as dificuldades, num trabalho de Hércules,
criou-se estatais do porte de uma CHESF (1945), USELPA (1953) e CEMIG (1952),
já antes da Lei 2.308. Com esse suporte e já diante do sucesso dessas empresas
outras se sucederam. Assim tivemos COPEL (1954), FURNAS (1957), CEEE (1963, em
1943 na forma de um órgão coordenador, Comissão Estadual de Energia Elétrica, suporte
para a Companhia Estadual de Energia Elétrica) e outras empresas, que até o
final da década de cinqüenta começaram a base de um universo de empresas
atuantes na área de infra-estrutura elétrica, dando partida ao Brasil que
conhecemos.
Juscelino Kubitschek de Oliveira, promovendo um governo
ativo, corajoso e empreendedor, praticamente gerou a pressão que levou os
governos militares a comandar na década de setenta o maior surto de
desenvolvimento vivido pelo povo brasileiro. Ele abriu nossas fronteiras ao
capital estrangeiro sem a ingenuidade política de vestir a camisa neo-liberal.
Onde necessário deu espaço às empresas públicas. O Brasil, em sua época, soube
tirar proveito dos aspectos positivos de todas as filosofias.
A consolidação da ELETROBRÁS, Centrais Elétricas
Brasileiras, criada em 25 de abril de 1961 e instalada em 11 de junho de 1962,
permitiu em 1965 a encampação do grupo AMFORP, constituído pelas empresas:
Companhia Paulista de Força e Luz, Companhia de Energia Elétrica da Bahia,
Companhia Brasileira de Energia Elétrica, Companhia Central Brasileira de Força
Elétrica, Companhia Força e Luz de Minas Gerais, Companhia Força e Luz do
Nordeste do Brasil, Companhia Força e Luz do Paraná, Pernambuco Tramways and
Power Co. Ltd., Companhia de Energia Elétrica Rio - Grandense e The Rio
Grandense Light and Power Syndicate Ltd. Em 12 de janeiro de 1979 a Eletrobrás
comprou a LIGHT completando o domínio estatal sobre o setor de produção,
transmissão e distribuição de energia elétrica.
Muitos dos problemas existentes no fornecimento de energia
elétrica passavam despercebidos a muitos brasileiros, que já consideravam ótimo
ver suas lâmpadas acesas. Empresários e especialistas, contudo, sabiam de
nossas deficiências. O aprimoramento do serviço de abastecimento de energia
elétrica impunha-se a um país que pretendia crescer. As taxas de falha eram
elevadas. Nesses últimos quarenta anos o Brasil transformou-se em um grande
canteiro de obras que culminaram por criar um sistema que permite às pessoas
morarem nos últimos andares dos prédios mais altos, serviços de vigilância e
controle sofisticados, fábricas e cidades altamente dependentes da eletricidade
operam com padrões muito bons. Por quanto tempo ainda?
É interessante registrar os resultados não esperados da ingerência
norte americana em nossa política. Apoiaram o movimento militar de 1964 para
verem o Brasil crescer, contra seus interesses, dentro de uma política
altamente estatizante, nacionalista e restritiva à liberdade de comércio. Os
militares, que combatiam os excessos de JK, partiram com fúria para a execução
de imensos programas estatais de obras típicas de empresas privadas nos EUA.
Neste processo, sob regime militar, ao final dos anos
sessenta e durante os anos setenta o Brasil organizou-se. As centenas de
pequenas empresas foram reunidas em grandes estatais. Nasceram e cresceram as
concessionárias estaduais e federais de energia, telecomunicações, água,
esgotos e transportes.
O desafio vencido pelas empresas estatais de energia
elétrica foi gigantesco. Os sistemas foram interligados, a freqüência unificada
(60 Hz), a confiabilidade cresceu e passamos a ter na década de oitenta malhas
de excelente padrão técnico.
6. O início
da decadência
Mais por efeito da quebra com financiamentos do BNDES do que
por conseqüência de um projeto estatizante, formaram-se muitas estatais
completamente afastadas do propósito de desenvolvimento sob tutela
governamental mas lugar adequado a muitos empregos privilegiados. As empresas
estatais com todas as facilidades de contratação existentes até há pouco anos
encheram-se de afilhados nem sempre competentes. A disciplina relaxada e o
espírito de viúva rica, o povo pagava, destruiu a maioria dessas empresas que
poderiam, houvesse maior seriedade, ter tido outra sorte.
Outro aspecto delicado desta época foi a criação de empresas
mistas para a produção de insumos básicos às indústrias que aqui se instalavam.
Com preços tabelados e muitos esquemas mal explicados, transformaram-se também
em fornecedoras de produtos subsidiados às grandes indústrias. O povo ficava
com os prejuízos e os empresários privados com o lucro.
Na década dos anos setenta, lamentavelmente mais uma vez
fomos vítimas de um processo alheio à nossa vontade. As crises do petróleo e o
combate à inflação norte americana geraram cenários mal avaliados e assim nossa
dívida externa cresceu estupidamente, levando à recessão e à inadimplência em
nossas contas externas na década de oitenta. A inflação contínua e extremamente
elevada, devidamente sustentada pela correção monetária, completava o quadro de
desastre em que vivíamos.
O impacto sobre as estatais foi gigantesco. Com grandes
planos de expansão em andamento, dependentes de créditos externos e tarifas
compensadoras, repentinamente ficaram sem mercado, tarifas aviltadas e sem
recursos para concluir obras extremamente caras.
O período militar foi surpreendente sob muitos aspectos se
lembrarmos as teses udenistas de pouco antes de 1964. A estatização e o
abandono de estímulos à eficácia cresceram violentamente durante o período
militar. Em 1974, por exemplo, o governo federal estabeleceu a equalização das
tarifas de energia elétrica em todo o território nacional. Criando a Reserva
Global de Garantia, RGG, estabeleceu um esquema de transferência de recursos
entre empresas de modo que as mais rentáveis passaram a doar recursos às
empresas menos rentáveis. Este processo contribuiu fortemente para a
desmotivação gerencial. Principalmente as companhias estaduais de energia, que
poderiam apresentar resultados melhores, começaram a inchar seus custos para
reter em seus estados dinheiro importante a seu desenvolvimento. O governo
brasileiro, dentro de uma estratégia ingênua, criava padrões frágeis e
perigosos.
O desenvolvimento calcado em leis, que podem ser
modificadas, é sujeito a retrocessos por decreto.
A abertura política derrubou os ideais de Brasil potência.
Para nossa surpresa, vemos os interesses estrangeiros imperando outra vez no
Brasil. O fim do império soviético permitiu às potências capitalistas endurecer
o relacionamento com os países mais pobres. Os banqueiros internacionais
ganharam força. Ainda nesse ambiente a demagogia ganhou força. Começamos a ter
políticas salariais pouco inteligentes, projetos deficitários, cobranças
equivocadas. Aos erros da ditadura somaram-se os equívocos da democracia.
Governadores populistas e desonestos destruíram empresas até então modelares.
Grandes empresários perceberam que a melhor maneira de garantirem bons negócios
era financiando políticos. A cobrança veio em cima das estatais, das
secretarias de transporte e outras. Quebraram empresas e governos pois as
despesas de campanha eram elevadas.
Unir o poder político ao técnico administrativo foi um
desastre em nossas terras subdesenvolvidas. As grandes empresas modernas, de
alta tecnologia e capital intensivo, viraram espaços para muitos desmandos.
Nosso povo, ignorante, faminto, sem terra e sem casa, troca votos com
facilidade. A propaganda convence até ao suicídio. Mentes despreparadas
sucumbiram à demagogia.
A liberdade de imprensa também soltou grupos de toda
espécie, principalmente aqueles que dominam boa parte da mídia (mais ricos),
francamente favoráveis aos carros importados, ao turismo nas Bahamas ( muito
proveitoso para aplicadores de dinheiro... ) e ao uso do Inglês como língua
oficial.
A Constituição Federal transformou o Setor Elétrico em
instrumento de arrecadação de impostos.
Os maus exemplos das maiores e piores empresas levaram o
Ministério da Fazenda a criar limites severos de endividamento. Sem crédito de
qualquer espécie as empresas públicas iniciaram um processo de degradação já
sensível em muitos lugares.
Chegamos aos anos noventa com centenas de empresas estatais
penalizadas de diversas formas. Preços aviltados, incompetência, corrupção...
Sempre é bom recapitular. Ao final da década de 40
praticamente não tínhamos empresas estatais de energia. As controladas por
empresários nacionais eram muito poucas. As restrições contra os investidores
estrangeiros, criadas com o Código de Águas de 1934, pouco efeito tiveram além
de promover o atraso de nosso país. O nacionalismo termina quando os interesses
particulares são atingidos. Poucas empresas resistiram em mãos de brasileiros.
Assim, as primeiras empresas estatais de energia elétrica de grande porte
surgiram ao início da década de cinqüenta e só ao final da década de setenta,
dominando completamente o cenário brasileiro, deram-lhe um padrão razoável de
abundância e qualidade. Demoramos quase meio século para migrarmos de um
ambiente privado para um estatal, tendo de entremeio períodos grandes de
insuficiência energética e os atrasos econômicos conseqüentes. Agora partimos
de novo para a iniciativa privada. Qual será o preço de tanta teoria?
De qualquer modo hoje temos balanços, análises e resultados
que demonstram de forma convincente o desastre estatal. Sabemos perfeitamente
que poderia ter sido diferente. Lamentavelmente foram mal administradas,
criaram precedentes e culturas ruins. O
sindicalismo selvagem, o direito de greve sem responsabilidade, a inadimplência
generalizada e a burocratização das estatais as destruíram.
7. A desestatização
As últimas
eleições e pressões internacionais agora conduzem a uma reversão do processo
estatizante, que o Brasil viveu principalmente em períodos ditatoriais. Exceto
a Petrobrás, a formação das demais empresas não foi o produto de uma discussão
profunda na sociedade. Esta falta de atenção do povo ao que acontecia à sua
volta propiciou um ambiente de facilidades, que agora desmoralizam as estatais.
Paralelamente criou-se um clima maniqueísta totalmente prejudicial aos ajustes
necessários.
Nos conflitos
entre esquerdas radicais e direitas oportunistas e conservadoras o povo é
lesado. Perdemos em 1988 uma excelente oportunidade para as correções
necessárias. O Congresso travestido de Assembléia Constituinte não resistiu à
demagogia. O resultado é agora termos de corrigir uma série de absurdos sob
pena de inviabilizar o país.
Infelizmente o
clima passional criado pelos conflitos ideológicos continua prejudicando as
discussões para os ajustes de nossa economia. Os economistas do Ministério da
Fazenda, aprendizes de feiticeiros e como é normal nesses cargos, totalmente
insensíveis à própria capacidade de destruição, fazem, tomam decisões que
confundem. O final do governo Itamar foi desastroso. As portas para importação
foram escancaradas. Alguns meses depois o governo explode os juros para conter
o consumo e volta a impor taxas maiores de importação. Os custos aumentam e o
combate à inflação impede ajustes tarifários.
O discurso dos conservadores
tem sido a favor da privatização imediata. O país precisa de recursos para
investir em saúde, educação e segurança. Mas se o Brasil precisa dos recursos a
serem obtidos pela privatização, por que aumentam tanto os juros, gerando um
crescimento de despesas superior ao que se arrecadará com a alienação do
patrimônio público? o que é moeda? para onde vai toda a massa monetária
arrecadada via impostos?
A decisão de
privatizar foi tomada no governo Collor. Em seu primeiro ano de governo, 1989,
extinguiu o Ministério das Minas e Energia, transformando a área energética em
uma secretaria de outro ministério. Nesse ambiente e dentro de um processo de
redução do número de funcionários promoveu-se um “enxugamento” rápido,
desestruturando e desmotivando equipes importantíssimas à administração
federal. Entramos em um período de anarquia do qual não mais saímos. O Brasil
perdeu uma base de trabalho que, aliás, já fora tremendamente penalizada
durante o governo Sarney. Nesse período tivemos uma período de grande
irresponsabilidade. Em plena crise cambial, juros internacionais elevadíssimos,
continuávamos querendo bondes modernos e usinas e mais usinas apesar de tudo
indicar um período recessivo.
Fernando Henrique
Cardoso sustenta a tese e decisões tomadas à época Collor, como o bloqueio de
crédito às estatais, mesmo aquelas que sempre tiveram uma boa performance. Seu
governo mostra a atuação de grupos econômicos, mais preocupados em fazer
fortuna com a energia do que o atendimento às necessidades do país. As eleições
de 1994 tiveram um resultado estranho. Colocaram no poder pessoas com uma
capacidade de mimetismo impressionante. Governadores e legisladores com
discurso esquerdista logo abraçaram as teses neo liberais. Alguns falando em
parcerias e outros, mais sinceros, anunciando privatizações efetivas. O exemplo
de administrações desastradas talvez sejam a base moral para essa postura. Em
outros casos a impressão que se tem é de que estão pagando dívidas de campanha
à custa do povo.
Entre as formas de
desmonte vemos em alguns estados a entrega da parte rendosa das estatais. Essa
forma de agir, talvez a mais maldosa pois condena as empresas públicas à
decadência, preserva a imagem desses políticos que assim não poderão ser
acusados de terem privatizado suas empresas. Apenas abriram para a iniciativa
privada parte dos negócios antes estatais...
Paralelamente a
imprensa engajada martela o discurso neo liberal. Chega a ser monótono ver e
ouvir certos jornalistas agirem como especialistas em tudo. E para tudo, de
terremotos a epidemias, têm a solução, privatizar. Catalina fez escola.
“Delenda Cartago” foi substituída por “desmontem as estatais”.
Principalmente
para os funcionários das estatais fica difícil entender as razões da
desestatização. O padrão de argumentação do governo não convence. Assim, se o
processo estatizante brasileiro foi muito claro e eficaz sob diversos aspectos,
o contrário desperta dúvidas enormes. Ainda mais quando acompanhado de
discursos ridículos e argumentos piores. O estado brasileiro cresceu dando à
iniciativa privada condições de
desenvolvimento acelerado e destaque
internacional durante muitos anos, era a época do “milagre brasileiro”. Perdeu
com um período trágico de irresponsabilidade administrativa e pressões
internacionais. Agora é desculpa para esconder a incompetência de alguns
líderes. A desestatização, dizem, impõe-se porque suas corporações não
prestam...
No Setor Elétrico
o processo continua com leis e portarias que abrem a exploração da energia
elétrica à iniciativa privada. O discurso é cogeração, conservação de energia,
licitação de concessões, PCHs, etc.. O que realmente acontece é o fim de
subsídios para o consumidor comum e o afastamento do governo na área
energética. Afinal porque manter benefícios a famílias humildes? O certo é
ajudar os fabricantes de alumínio, de cimento, os eletro intensivos que têm
tanto para dar. Afinal já disseram que é dando que se recebe...
A atitude das
lideranças políticas, dos governadores e do próprio governo federal,
trabalhando para inviabilizar as empresas estatais sob seus comandos, mostra a
necessidade de privatizar. Empresas de energia, pela complexidade e importância
que têm, não podem ficar em mãos irresponsáveis. A descontinuidade programática
e moral é um câncer. A desestatização impõe-se como forma de salvar o Brasil
diante de tanta irresponsabilidade ou incompetência.
O governo federal
vendeu o controle acionário da Excelsa. Essa empresa agora terá que desenvolver
seus programas dentro de um clima empresarial. Certamente os consumidores
sentirão a diferença. Os poderosos não terão mais como obter privilégios
compensando políticos em campanha. Os consumidores comuns precisarão encontrar
dentro do governo, sobre a receita tributária do estado do Rio de Janeiro, os
recursos para os programas subsidiados. Os sindicatos encontrarão uma diretoria
enérgica na defesa dos interesses dos acionistas.
A privatização da
Light é a maior e mais interessante experiência. Apesar de operar sobre um
mercado privilegiado tinha resultados muito aquém dos desejados. O seu
gigantismo e responsabilidade levam a ser motivo de todo tipo de atenção. Seus
executivos terão necessidade de muita competência para superar as dificuldades
que certamente terão no ajustamento dessa empresa.
Com a privatização
do Setor Elétrico teremos nossas empresas de energia elétrica atuando com
diretrizes estáveis, lógica empresarial e apoio sincero de seus acionistas. Em
um país de pessoas moralmente frágeis como é o nosso, talvez estejamos agora no
rumo certo, após estabelecer uma base mínima e essencial ao desenvolvimento
econômico brasileiro.
Talvez muitas de
nossas lideranças saibam e não possam dizer que a privatização será a única
maneira de escapar de imensos esquemas de corrupção existentes. Contratos
extremamente perniciosos como os de fornecimento de energia elétrica às
multinacionais do alumínio ou o pagamento por equipamentos abandonados (Tucuruí
a favor da Camargo Correia) a peso de ouro mostram a fragilidade moral de
nossos maiores líderes. Não podendo denunciar os esquemas de corrupção agridem
as corporações e usam-nas como bodes espiatórios.
Diante da
ignorância e inapetência política de nosso povo a única saída é a privatização
total.
8. A
formação das empresas de energia elétrica no Brasil
A indústria eletro eletrônica, iniciada há um século,
mostrou um desempenho extraordinário. À medida que se percebeu o caráter menos
poluente, mais seguro e funcional da energia elétrica, ela ganhou lares,
escolas, hospitais, indústrias e cidades. A inventividade humana criou e industrializou
uma gama enorme de ferramentas e aparelhos elétricos.
A necessidade de construir mais e mais usinas, linhas de
transmissão e subestações deu origem às grandes empresas de energia elétrica. E
a organização impôs-se pela necessidade de interligar sistemas, padronizá-las e
coordená-las. A falta de divisas exigia racionalização nos investimentos.
No Brasil a organização institucional das empresas de
energia elétrica acompanhou a expectativa de sua utilização e cultura política
dominante. Iniciamos o século vinte dentro de um clima federalista e
municipalista. Concessões, normas e custos eram problemas de cada comunidade.
Empresas eram formadas e desfeitas rapidamente. Competindo com hábitos
consolidados e a falta de estrutura comercial e industrial, o uso da energia
elétrica mostrou-se mais intenso nas grandes capitais, onde o ambiente
cosmopolita e o intercâmbio com grandes centros europeus e americanos dava
condições de acesso às novidades tecnológicas.
O ano de 1897 foi praticamente o marco zero da introdução
massiva da energia elétrica no nosso país. Nesse ano o capitão da marinha
italiana e empresário Francesco Antonio Gualco, residente no Canadá, e o
comendador Antônio Augusto de Souza, receberam da Câmara Municipal de São Paulo
a concessão do serviço de transporte urbano de passageiros e cargas em bondes
elétricos. Logo conseguiram a ampliação da concessão original para a produção e
distribuição de energia elétrica. Paralelamente negociaram a transferência de
suas concessões, com a orientação do norte americano Frederick Stark Pearson,
redundando na criação da “São Paulo Railway, Light and Power Co. Ltd.”, com
sede em Toronto, em 7 de abril de 1899, por
James Gunn e William Mackenzie. Em 17 de julho de 1900 obtiveram
autorização (Decreto 3349) de funcionamento no Brasil (vide 5). Em 30 de maio de 1905 os canadenses criaram a
“Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Co. Ltd.”. Vale notar aqui a
prioridade de uso da energia elétrica na época, ou seja, o transporte por
bondes elétricos e a iluminação pública. Essa condição fazia das grandes
cidades um mercado atraente a investidores nessa área. Muitos países tiraram
proveito dessa situação para iniciar suas indústrias eletromecânicas. Aqui só
acordamos para a necessidade de criar efetivamente um parque industrial
nacional bem mais tarde, sob os efeitos dos embargos e bloqueios durante,
principalmente, a Segunda Guerra Mundial.
1927 foi o ano de início das atividades no Brasil de outra
multinacional peso-pesado, a “American and Foreign Power Co”. (AMFORP). Nesse
ano a Amforp criou a Empresas Elétricas Brasileiras, futura CAEEB, atuando
progressivamente no interior de São Paulo e em diversas capitais do Nordeste e
no Sul do Brasil (vide 5). Com restrições mínimas ao capital estrangeiro, o
Brasil era um grande e promissor espaço para os investimentos estrangeiros.
A partir de 1930, contudo, o Brasil iniciou uma fase de
centralização institucional que deu origem a uma legislação concentradora de
poder na União. Nosso Código de Águas só foi promulgado em 1934, consolidando
os poderes centrais. Gradativamente o governo federal, ditatorial e fascista,
criou normas e leis restritivas e de caráter nacionalista. As empresas
estrangeiras eram motivo de hostilidade de muitas lideranças afinadas com os
socialistas e nacionalistas. Por outro lado os grandes grupos econômicos
brasileiros pouco investiram nessa área. Se esse código e as leis conseqüentes tinham o objetivo de
induzir a participação da iniciativa privada brasileira, falharam
completamente. Principalmente as restrições sobre a remuneração, o controle das
tarifas e suas limitações afugentaram muitos que talvez pretendessem atuar
nessa área.
O final da Segunda Guerra Mundial e a Constituição Federal
de 1946 promoveram uma pequena inversão nesse processo. Nessa fase, liderado
pela FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), consolidou-se o
conceito de empresa sob controle nacional. A tese de associações com empresas
estrangeiras sob comando local ganhou força. Apesar das teorias e propostas
quase nada foi feito na área de energia elétrica, mesmo nessa condição de
abertura à iniciativa privada.
A luta pela formação da Petrobrás e o nacionalismo aliado a
visões socialistas gerou como sub produtos outras propostas de monopólio
estatal. Ao final de seu segundo governo Getúlio Vargas esboçou um esquema de
financiamento e organização do setor elétrico. Enviou ao Congresso Nacional
quatro projetos de lei onde o primeiro propunha a criação do Imposto Único
sobre a Energia Elétrica, o IUEE, e o Fundo Federal de eletrificação, cuja Lei
2.308 foi sancionada em 31 de agosto de 1954, poucos dias após o suicídio do
presidente. Paralelamente foi proposto por Getúlio o Plano Nacional de
Eletrificação e a criação da ELETROBRÁS.
A estatização do setor elétrico começou efetivamente com a
criação da CHESF em outubro de 1945. Instalada em 15 de março de 1948 teve
grande sucesso na construção da Usina de Paulo Afonso (a primeira unidade
entrou em operação em 1955) além de formar profissionais importantes. Essa obra
foi um marco da engenharia nacional graças à genialidade e operosidade de um
grande brasileiro, Octavio Marcondes Ferraz (vide 3 e 5). Paralelamente
criava-se a Comissão do Vale do São Francisco. Com recursos orçamentários e a
preocupação de desenvolver um plano racional de desenvolvimento do vale do rio
São Francisco, a Comissão apoiou a construção de Três Marias com a CEMIG,
criada em 1952. O sucesso dessas iniciativas foi a base de outras empresas
estatais e com elas o modelo que vimos até recentemente no Brasil.
Coube ao governo JK avanços importantes rumo à estatização.
Ele encontrou o país ainda com enormes limitações ao seu desenvolvimento por
falta de oferta de energia elétrica. Os grupos LIGHT e AMFORP não investiam o
suficiente para garantir o atendimento a cargas previsíveis em futuro próximo.
Principalmente essas duas empresas tinham áreas de concessão extremamente
importantes. A demanda reprimida era grande. Com sua experiência no governo de
Minas Gerais e o apoio de técnicos excepcionais partiu para a construção da
Usina de Furnas, criando-se a Central Elétrica de Furnas. Assim surgia como
empresa de caráter regional, e na criação de uma mentalidade integradora, em
que as empresas de energia começavam a ter seus sistemas interligados dentro de
uma perspectiva de otimização dos recursos energéticos.
A década de 50 viu o surgimento das primeiras grandes
empresas públicas de energia elétrica, federais e estaduais, e o regime militar
de 1964 consolidou um modelo bem estruturado, estatal e de grande subordinação
ao governo central. Empresas federais para geração e transmissão de energia
elétrica foram criadas e fortalecidas, enquanto os estados desenvolviam suas
companhias estaduais para distribuição de energia. Em alguns estados suas
empresas além de distribuir energia também fizeram usinas de grande porte e
enormes sistemas de transmissão. Essa configuração teve um bom desempenho até o
início de políticas tarifárias irrealistas e, conseqüentemente, períodos de
inadimplência extremamente graves. O governo federal mais uma vez usou seu
poder de estabelecer tarifas como instrumento de controle da inflação. Mais uma
vez o Brasil parava na demagogia.
A energia elétrica era assunto do Ministério da Agricultura
até a criação do Ministério de Minas e Energia em 1960 ( Governo JK) e
instalado apenas no Governo Jânio Quadros. A ELETROBRÁS, Centrais Elétricas
Brasileiras S.A. , foi criada pela Lei 3.890 de 1961 e implantada no ano
seguinte. Operando como holding do Setor Elétrico federal constituiu-se em peça
importante na formação do sistema interligado brasileiro e construção de
diversas grandes usinas, vindo a ser a maior acionista da CHESF, FURNAS,
ELETRONORTE (Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A., constituída em 1973) e
da ELETROSUL (Centrais Elétricas do Sul do Brasil S.A., instalada em 1968). A
CHEVAP, Companhia Hidrelétrica do Vale do Paraíba foi criada pela União em 1960
para a construção da usina do Funil (216 MW). Absorvida pela ELETROBRÁS em 1965
teve seu acervo transferido para FURNAS e 1967. Essa empresa, CHEVAP, foi
constituída tendo como acionistas minoritários os estados do Rio de Janeiro,
São Paulo, Minas Gerais e Guanabara.
No processo de estatização convém também lembrar a formação
da COPEL, Companhia Paranaense de Energia Elétrica, em 1954, CESP, Centrais
Elétricas de São Paulo S.A., em 1966, CEEE, Companhia Estadual de Energia
Elétrica, criada em 1966 sobre a Comissão Estadual de Energia Elétrica, formada
em 1943.
TAIPU, gerada por acordo entre o Paraguai e Brasil
(ELETROBRÁS) em 1973, foi o maior empreendimento na área de energia elétrica do
governo brasileiro. Empresa binacional, com 12.600 MW de potência instalada,
teve um grande sistema de transmissão de energia associado, de responsabilidade
de FURNAS e ELETROSUL, consolidando a união dos sistemas interligados das
regiões Sul e Sudeste.
A criação de empresas estaduais de energia elétrica, a
grande maioria absorvendo concessionárias menores, consolidou a presença
estatal na área elétrica.
Infelizmente muitas companhias estaduais se perderam em
administrações incompetentes ou desonestas. Com grande capacidade de
investimentos e de capitalização, transformaram-se em minas de grande valor nas
politicagens e levantamento de recursos para fins inconfessáveis. As tarifas sendo definidas pela União, as contas de
Itaipu impostas e um plano de expansão arbitrado em conjunto com a ELETROBRÁS
diminuiu a responsabilidade dos governadores. Assim alguns puderam exercer suas
más intenções atribuindo ao Governo Federal suas mazelas. A inadimplência
generalizou-se desmoralizando suas empresas e o Setor Elétrico.
9. As empresas de energia sob nossa democracia recente
A democracia dá ao eleito a sensação de poder fazer qualquer
coisa. Tendo sido promovido através de campanhas de conquista da confiança
popular e prometendo realizar milagres, empossado em cargos de altíssima
responsabilidade e, normalmente, sem preparo adequado, toma decisões
freqüentemente imaturas e completamente equivocadas.
Um dos temas rotineiros é a corrupção. Temos exemplos
catastróficos do mau uso do dinheiro público. O Brasil seria um país em pleno processo de desenvolvimento, teria
feito todas as obras que construiu e não estaria devendo nada se tivesse havido
honestidade e competência execução das obras públicas nas últimas décadas.
É impressionante o que se desperdiçou.
Lamentavelmente não construímos um “paredão” ou não se faz
como hoje vemos na China, execuções de corruptos e corruptores em estádios de
futebol. Criamos leis e mais leis sobre as estatais, paralisando-as em uma
burocracia absurda. Os corruptores continuam livres e com grande poder. Nossa
Justiça prende-se ao formalismo. A mídia aumenta a venda de jornais e a
audiência com programas e reportagens superficiais e irresponsáveis. Sentimos
que a abertura política representou a liberação dos piores instintos e não a
utilização da liberdade para processos de saneamento e reconstrução sensatos e
competentes.
A demagogia e a incompetência têm sido a regra. No Setor
Elétrico elas se refletiram em diversos aspectos.
Principalmente com
a Constituição Federal de 1988, as companhias de energia elétrica tornaram-se
fontes de receita tributária para os governos em seus diversos níveis. Se
durante décadas houve a preocupação de capitalizar as empresas de energia
elétrica pela criação de fundos, impostos dedicados e até empréstimos
compulsórios, a partir de 1988 o consumidor teve um aumento da carga tributária
sobre a energia sem o retorno em qualidade ou maior oferta de energia. Isso tem
sido muito ruim para o Setor Elétrico. Apresentando tarifas elevadas em certos
casos, sendo maior acionista o próprio governo, as empresas não podem ir a
público denunciar esta forma de avanço sobre o contribuinte. O que se arrecada
de impostos diretos sobre a energia sustentaria, sem maiores dificuldades,
todos os investimentos necessários à expansão do sistema assim como reduziria
os custos das empresas à medida que as liberariam da contratação de
financiamentos.
A contenção de
tarifas, abaixo do necessário para sustentar o crescimento, foi uma decisão trágica.
Aconteceu em muitos momentos de nossa história e é uma grande responsável pelo
nosso atraso. Sem competência ou vontade de enfrentar esta questão, o governo
tem atrapalhado muito. Comparações maldosas e pouco inteligentes são feitas com
os padrões de países mais desenvolvidos. O resultado é concluírem erradamente
sobre o que seria desejável em um país de dimensões continentais como as do
Brasil e ainda com uma densidade de carga muito pequena em grandes regiões.
Piorando esta situação alguns governos estaduais usaram as receitas próprias
das concessionárias estaduais como fonte de recursos para finalidades alheias
aos de suas finalidades. Essa situação contribuiu para estabelecer dúvidas em
todos os esforços de racionalização do Setor Elétrico.
A centralização na
União dos poderes de definição tarifária tem sido um desastre para as empresas
de energia elétrica. Elas atendem regiões com grande diversidade econômica,
técnica e moral. Precisam de recursos para investir e pagar furos de toda
espécie. Nos estados suas administrações toleram dívidas, que recaem sobre o
custo da energia, facilitando empresas, autarquias e municípios de maior
interesse político. Como a tarifa de energia elétrica é de responsabilidade do
Governo Federal fica fácil alegar falta de recursos para um melhor atendimento
enquanto pela recusa em pagar contas as demais empresas, autarquias e
repartições estaduais usam esse dinheiro em outros programas. Quebram suas
próprias empresas de energia para poderem inaugurar praças e bondes.
O governo federal
não exerce seu poder para um saneamento efetivo do Setor. A falta de autoridade
do órgão concedente torna-se evidente no desrespeito permanente de muitas
empresas dos estados mais poderosos a qualquer acordo ou lei. Simplesmente
cumprem quando e como entendem qualquer determinação ou seja lá o que for do
Governo Federal.
Um exemplo das
vacilações da administração federal foi a formulação, aprovação e aplicação, em
1993, da lei 8631 de 4 de março daquele ano. Foi o grande momento de lucidez,
após muitos anos, do Governo Federal na área de energia elétrica. Reconhecendo
débitos por insuficiências tarifárias passadas, estabelecendo a desequalização
de tarifas, definindo forma de reajustes e esclarecendo responsabilidades,
devolveu ao Setor de Energia Elétrica a esperança de saúde financeira.
Infelizmente durou muito pouco a racionalidade. Percebendo o impacto
inflacionário e sentindo a pressão de lobistas de grandes indústrias
eletrointensivas, o governo federal estabeleceu um plano lento de recuperação
das tarifas, lamentavelmente prejudicado com a edição do Plano Real.
Um dos aspectos mais tenebrosos da inserção política é a
falta de compromisso com o futuro das companhias de energia pelos gerentes
estranhos às empresas e a suas atividades. E os maiores cargos acabam sendo
ocupados por pessoas sem formação adequada às exigências técnicas do posto de
serviço. É interessante fazer analogias. Qualquer engenheiro, médico,
economista ou advogado precisa passar por testes pesados para entrar e ocupar os
cargos mais humildes de qualquer empresa. Para ser diretor, presidente ou
ministro basta ter uma imagem simpática, ter contribuído para os esquemas de
poder e saber agradar os líderes de plantão no comando. Raramente o critério
técnico é considerado. Felizmente as exceções existem e servem para ilustrar as
diferenças. Na área energética ficamos perplexos com as qualificações de alguns
executivos recentes. Pessoas sem qualquer noção do que faziam e diziam ocuparam
cargos estratégicos. Sem as grandes lideranças de um passado recente, o Setor
Elétrico perdeu espaço político e as decisões, ou melhor, a falta de decisões
tem mostrado um descuido extremamente perigoso ao país.
Os longos períodos de congelamento tarifário causam grandes
prejuízos às estatais e assustam possíveis investidores. Só as grandes empresas
eletrointensivas se interessam em investir em geração de energia,
principalmente se o BNDES der o dinheiro e o SINTREL garantir o transporte a
preço subsidiado. Lembrando que entre a primeira decisão e a colocação em
operação de uma grande central de geração de energia passarão de oito a dez
anos, pois temos leis ambientalistas e outras que impedem maior velocidade,
estamos muito atrasados em relação ao que o Brasil precisará em breve. Outro
fator de atraso é o processo de transformação institucional. A desconfiança em
relação ao que o Governo pretende, o que será estabelecido e a própria
instabilidade clássica brasileira afastam os investidores mais conscientes.
Eles têm opções melhores para seu dinheiro. Sobra o dinheiro de graça que o
Governo oferece a certos grupos econômicos, saído de fontes como o FAT e FGTS.
O trabalhador brasileiro dá sua grande contribuição sem o saber. Mesmo assim a
crise que vivemos assusta esse pessoal, ainda mais que, com medo da opinião
pública, sente-se certo rigor por parte do BNDES. A exigência de contrapartidas
e garantias reais gera processos lentos. Há cinco ou dez anos atrás havia tempo
e folgas energéticas para as transformações que agora são negociadas. Faltou
competência. Agora o tempo voa, o consumo de energia elétrica cresce e falta
dinheiro. O resultado está sendo trazer de volta o risco de ficarmos no escuro.
Até agora aproveitamos um grande excesso de capacidade de geração por efeito da
recessão prolongada e de um plano excessivamente otimista, quanto ao que
precisaríamos de energia. Agravando a situação, a polêmica entre privatistas e
estatistas protela decisões, que não poderiam esperar.
Nesse Brasil de advogados e filósofos a realidade é um
estorvo, impede o deleite dos grandes discursos...
O período democrático recente mostrou o grande desastre que
foi dar ao Presidente da República o poder de usar Medidas Provisórias como
instrumento legal. Reféns da demagogia e da falta de consciência da
complexidade do país, presidentes têm editado M.P.s. em profusão e o Congresso
aprovado leis mal estudadas. Em setores carentes de investimentos de baixa
rentabilidade essa situação cria um clima de instabilidade incrível. Os planos
de médio e longo prazo no Brasil são simples exercícios de ficção técnica e
administrativa. A condução do Plano Real tem exigido ações enérgicas por parte
do governo, em seu programa de ajuste da economia. Quem garante que o próximo
governo, usando os mesmos recursos legais, não promova nova alteração drástica
de nosso quadro institucional? A estabilização pelo endurecimento das
facilidades de mudança da Constituição Federal e de suas leis é necessária em
um país com um grau de ignorância e irresponsabilidade como o nosso.
As empresas estaduais têm sido responsáveis pelo atendimento
de caráter social. Poucas investiram pesado em eletrificação rural. Nas cidades
o atendimento às classes mais pobres acontece com maior amplitude.
Os gráficos a seguir mostram que as concessionárias de
energia elétrica, apesar de serem em sua grande maioria estatais, sujeitas a
comando e prioridades políticas, pouco fizeram para o consumidor de baixa renda
e o consumidor rural. As percentagens de consumo energético não têm relação com
a dimensão potencial desses consumidores. Principalmente na área rural e nos
estados menos desenvolvidos, pode-se ver a ausência das empresas de energia
elétrica.
Gráfico
mostrando o número de domicílios atendidos
Lembrando que a existência de energia elétrica permite ao
cidadão maior contato cultural, higiene, segurança e conforto, podemos avaliar
a gravidade de sua ausência em regiões com problemas tão sérios como os
existentes no Nordeste e Norte do Brasil.
A liberdade precisa ser usada para a correção dos rumos
definidos pelas elites milionárias. De alguma forma o cidadão do campo deverá
fazer valer seus anseios por uma vida melhor. A energia elétrica é essencial ao
seu aprimoramento. Dentro do processo eleitoral a conscientização de suas
carências fará com que cobre projetos e serviços que muitos precisam, desejam e
não alcançam.
Gráfico
apresentando a composição de mercado pelo consumo de energia
10.
Considerações técnicas sobre o Setor Elétrico
Nas discussões,
que podemos ver diariamente via imprensa, percebe-se a completa ignorância dos
requisitos técnicos do setor elétrico. A energia elétrica tem características
muito diferentes das demais.
Um aspecto
importante é a conveniência de se formarem grandes sistemas de geração e transmissão.
Nesta condição passamos a ter, à medida que o sistema cresce, maior capacidade
de suportar grandes cargas. Eletricamente veremos maior estabilidade da
freqüência em grandes sistemas do que em pequenos pois haverá maior inércia,
maior massa sincronizada. A importância relativa de qualquer consumidor diminui
com o aumento da rede. A interligação de usinas, linhas e sistemas de
distribuição dá um padrão técnico necessário às maiores indústrias, além de
mais alternativas de confiabilidade. Ganha-se também um aproveitamento melhor
dos reservatórios. Uma usina isolada oferece segurança exatamente na proporção
dela própria. Qualquer perda reflete-se na incapacidade de atender suas cargas
à plenitude. Isso significa a
necessidade de dimensionar o consumo dentro dos limites de
confiabilidade pretendido, normalmente bem abaixo do que essa usina poderia
atender se estivesse interligada. O efeito da conexão a outras fontes de
energia é o aumento equivalente da capacidade de geração, ou seja, da carga
aplicável àquela fonte. Evidentemente isto poderá ser perdido se determinados
critérios técnicos não forem observados. Da mesma forma com que, ao procurarmos
uma ligação à rede de água, não basta ela ser extensa e de grande capacidade. O
ponto em que se abastece deve ter dimensões adequadas para atender aquele
consumidor específico e para isso as formas de conexão ao sistema maior são
mandatárias.
Vale a pena
observar no gráfico a seguir a predominância hidroelétrica da geração de
energia elétrica no Brasil. Esta condição impõe cuidados especiais pois a
operação dos sistemas é afetada pela sazonalidade, clima e cargas.
A operação das
usinas é muito interdependente. Temos reservatórios gigantescos e outros muito
pequenos mas com grandes máquinas. A abertura de comportas e o nível de geração
precisam ser cuidadosamente coordenados. A capacidade de geração das
termoelétricas depende de estoque de combustíveis, do acesso às minas. Na
geração hidroelétrica depende-se de condições fora do controle humano, o que
exige cautelas maiores.
Gráfico mostrando proporções de participação de fonte de
energia elétrica
O sistema
interligado é equivalente a uma malha de fios ou dutos ligando diversos navios
em movimento. A velocidade, a direção e o controle das folgas dos cabos
deverão ser rigorosamente administrados
para que o sistema não se rompa.
As grandes usinas
são como imensos navios, unidas por linhas que se constituem em conexões
dependentes de um universo imenso de controles. Para poder operar exigem
pessoal técnico especialmente preparado para atuar permanentemente.
Uma boa idéia do
que é uma grande hidroelétrica é a Usina Governador Bento Munhoz da Rocha Netto
(GBM). Cada grupo gerador “engole” quatrocentas toneladas de água por segundo,
quando gerando potência nominal. Somando o peso do rotor de uma turbina ao de
um gerador mais o eixo dá mil e cem toneladas. Ou seja, o peso de mais de mil
automóveis. Esses rotores giram a mais de cem rotações por minuto com uma folga
de décimos de milímetro nos mancais.
A energia liberada
durante acidentes elétricos poderá causar estragos incríveis se não for
limitada. Por esta razão nas usinas, subestações e redes de distribuição
existem dispositivos de proteção extremamente importantes. Esses sistemas
exigem coordenação e altíssima confiabilidade. A vida de muitas pessoas depende
do bom funcionamento desses equipamentos. A sofisticação e riscos aumentam
exponencialmente com a tensão. A tecnologia de um equipamento para quinhentos
mil volts é muito mais exigente do que aquela necessária a níveis de duzentos e
trinta mil volts. Os desafios técnicos crescem exponencialmente com a tensão.
Os cuidados na operação e manutenção são essenciais ao sucesso dos trabalhos.
Exigem anos de treinamento com pessoal especializado.
Os sistemas de
energia dependem de equipamentos de comunicação, controle e processamento de
dados. As empresas de energia são também de telecomunicações e processamento de
dados. Principalmente aquelas que operam linhas de extra alta tensão têm a grande
responsabilidade de garantir a integridade não apenas de suas malhas mas também
das redes vizinhas. Os eletrons não distinguem papéis, agem por efeito de
circuitos materiais próprios dos sistemas em que estiverem.
A consistência
entre a visão técnica e a administrativa é fundamental ao sucesso das empresas
de energia. O crescimento das cidades e o surgimento de indústrias sensíveis à
qualidade do fornecimento de energia exige atenções que não eram necessárias há
pouco tempo. A qualidade de serviço, tão desprezada, torna-se vital às empresas concessionárias.
O Brasil, pelas
suas dimensões e potenciais energéticos, dispõe de muitos aproveitamentos
possíveis e diversos já em exploração. Diante disso o Ministério das Minas e
Energia teve como estratégia desenvolver o sistema interligado e explorar as
melhores fontes de energia, em ordem crescente de custo e também pela
conveniência geográfica. Isso permitiu criar-se um sistema predominantemente
hidroelétrico e de grande confiabilidade, que possibilitou a instalação de
grandes indústrias, suportando grandes períodos de estiagem. Em termos
elétricos a confiabilidade e qualidade de serviços tem sido de boa a razoável.
Tendemos a um
agravamento da situação operacional, contudo. A falta de investimentos em
transmissão e distribuição já mostra seus efeitos em muitas regiões do Brasil.
As linhas de transmissão têm limites. A grande malha oriunda do projeto Itaipu
teve e continua tendo uma função estratégica extraordinária mas precisaria de
reforços. Se houver uma ampliação da capacidade de geração térmica em Santa
Catarina e Rio Grande do Sul haverá necessidade de reforço do sistema. São
linhas polêmicas. Ecologistas, ambientalistas e outros criarão dificuldades.
Essas e outras linhas serão necessárias até o início da próxima década. Não
estamos vendo atuações neste sentido. A falta de investimentos tende a levar
nosso sistema interligado à perda global de qualidade. Tudo indica que até o
ano 2000 estaremos sofrendo racionamentos de energia elétrica por diversas razões,
entre elas a perda freqüente de interligações e subestações. Este catastrofismo
é necessário. Há necessidade urgente de conscientizar consumidores de toda
espécie para o risco de degradação do sistema. O abastecimento de energia
elétrica depende de muitas instalações, da coordenação e integração delas.
Precisamos com urgência da normalização institucional, econômica e técnica do
Setor Elétrico.
As grandes redes,
interligando usinas de grande porte através de linhas de transmissão de
centenas de quilômetros, são muito frágeis. Operam porque equipamentos de alta
tecnologia e equipes de alto nível e bem treinadas mantém ajustes e garantem a
qualidade necessária. O “humanware” no Setor Elétrico é grande e complexo.
Difere muito do que podemos ver na maioria de nossas indústrias onde, quando
vemos algum esforço técnico, é com raras exceções na área comercial.
Principalmente na geração, a variedade tecnológica e a responsabilidade de
manter e operar usinas gigantescas cobram a presença permanente de profissionais
de altíssimo nível técnico sob pena de expor grandes regiões a catástrofes
inimagináveis.
Os passageiros de
um grande avião gostariam de viajar sabendo que os pilotos seriam
inexperientes, mal pagos e gerenciados? As populações ribeirinhas, a jusante (para
baixo) das grandes barragens deveriam acompanhar com atenção redobrada a
gerência técnica dessas instalações. Poderão ser varridas do mapa se certos
cuidados não forem tomados. Convém lembrar que sob um regime de privatização
sem uma supervisão técnica severa, as novas equipes poderão desconhecer
sutilezas de construção e manutenção dessas usinas. Quem as conhece sabe que
com poucos conhecimentos pode-se causar muita confusão lá dentro.
Muitas empresas de
energia têm programas de pesquisa importantes. Seus laboratórios tem
desenvolvido tecnologia ajustada a nossas condições. Mantê-los deverá ser um
compromisso contratual se as companhias de energia vierem a ser privatizadas.
Nosso clima tropical e muito úmido em grandes regiões exige aparelhos calculados
e construídos com padrões diferentes da grande maioria dos países mais
desenvolvidos. Muito não percebemos porque, não acreditando na Justiça, nem as
concessionárias nem os consumidores avaliam seus prejuízos com as falhas de
serviço, muito menos atuam de forma a recuperarem suas perdas.
A possibilidade de
vandalismo ou atos terroristas sobre os sistemas de distribuição e transmissão
de energia é real. Temos regularmente muitos casos de ações contra essas
instalações. A população não é informada a respeito para não estimular os
desordeiros. Em um processo de privatização mal conduzido poderá haver reações
violentas ao processo com grandes riscos para todos. Sindicatos mal liderados
poderão estimular agressões perigosas.
Há necessidade de
uma retomada de consciência técnica da importância do Setor Elétrico. O
gigantismo e os riscos envolvidos exigem lideranças fortes e competentes..
11.
Democracia e prioridades
A democracia com todos os atributos necessários ao seu
exercício, onde o principal é a liberdade de expressão, é a única forma de
governo que permite ao povo influir diretamente nas decisões daqueles que
administram suas estruturas e empresas estatais. Cada eleição é uma aferição de
rumos. Nos palanques deve-se apresentar programas e propostas para a solução
dos problemas existentes. Nas urnas o eleitor dirá em quem acreditou, que
ideologias preferiu, qual a sua expectativa em relação ao futuro.
O aspecto negativo desta dinâmica é a ênfase nas questões de
momento, nos problemas a serem resolvidos imediatamente. Na política vale a
novidade, a obra de impacto. O povo quer ver ação, quer receber o que se
prometeu no espaço irresponsável dos palanques. Infelizmente a memória do
eleitor é curta e lúdica. Valoriza obra nova, esquece a manutenção do que foi
encontrado pronto. O que funciona bem não chama a atenção. Não dá prestígio
manter e sim fazer algo novo. O resultado é a degradação de empresas,
equipamentos urbanos, rodoviários, etc porque, tendo chegado ao que deles se
pretendia, passam ao rol das coisas feitas, resolvidas e portanto ao
desinteresse dos líderes.
De qualquer forma governar bem é definir prioridades e
administrar dentro de uma visão lúcida e responsável o que lhe foi submetido no
Poder por delegação popular. Quem tem a responsabilidade de distribuir
recursos, de decidir o que fazer com os impostos arrecadados, precisa
abstrair-se de paixões e tradições e respeitar rigorosamente o que as mais
graves pendências e deficiências determinarem.
Na discussão das prioridades precisamos não apenas procurar
e qualificar obras mas também reservar recursos para a conservação e
aprimoramento do existente. Nosso povo precisa compreender a importância do
aproveitamento máximo dos equipamentos e instalações existentes. Mudanças de
tecnologia têm momentos certos.
A antecipação de obras é prejuízo assim como o seu atraso.
Normalmente o custo financeiro no Brasil é elevadíssimo. Aqui podemos dizer que
tempo é dinheiro. Erros de dimensionamento de projeto custam muito caro.
Devemos discutir, planejar cuidadosamente e executar com determinação e
competência. Obra parada é crime. Antecipação também é erro.
Normalmente ao se passar de uma tecnologia para outra há
custos de treinamento, readequação de ambientes, redução da vida útil do
sistema anterior pelo seu abandono, custos de manutenção, estoques e outros que
poderão onerar a nova solução. Peca-se com freqüência no planejamento ou na
decisão de fazer em momento inoportuno. Devemos cobrar responsabilidades.
O tema prioridades, orçamento e resultados deve ser permanente
em qualquer discussão. A figura a seguir mostra esquematicamente em grandes
títulos o que devemos cobrar e lembrar sempre : o quê? quando? como? quanto?
quem? como?
Diagrama
: prioridades de governo
O político é um ser humano, eventualmente tão frágil quanto
qualquer outro cidadão. A administração pública reflete a personalidade dos
eleitos e eleitores.
Para grande parte da população o bem público traz a imagem
de não ter custo. Tudo se permite desde que dentro de normas burocráticas. O
que importa é a forma com que as obras são conduzidas, não a sua validade a
menos que atinjam interesses consolidados. A visão do Poder é frágil, carente
de informações. O cidadão comum não quer saber de limitações em obras a seu
favor. Tudo é válido desde que dentro de seus interesses. Prioridades? as
minhas! Esta visão pessimista é muito clara, principalmente em nações de
liberdade recente, sem tradição política e de responsabilidade com liberdade.
O processo democrático reflete o estágio cultural de uma
nação. A Humanidade como um todo saiu recentemente das selvas. O progresso
tecnológico foi muito maior que o aprimoramento ético, filosófico, político.
Alguns gênios apresentaram e defenderam grandes idéias, propostas de organização da sociedade. Poucos os
entenderam e entre estes menos gente dispôs-se a lutar pelo que entendera.
Assim vivemos em uma sociedade com estruturas mal formadas e um povo em
processo de desenvolvimento, distante dos padrões necessários a um desempenho
satisfatório. Mas já podemos, em países como o Brasil, acreditar na Democracia.
Tivemos experiências amargas. Vivemos períodos sob a monarquia e ditaduras
militares. Delas tivemos boas coisas mas alguns resultados que condenam
qualquer intenção de retorno. A liberdade, principal resultado da Democracia,
tem um valor muito grande. Já não podemos viver sem respirá-la, saboreá-la.
Assusta-nos qualquer proposta que ponha em risco sua existência. Nossas
deficiências serão superadas com o tempo.
O que precisamos absorver no processo político?
A compreensão profunda do significado do voto e em cima dele
um governo que atue sob prioridades reais e lúcidas. É a nossa meta, o objetivo
do aprendizado democrático. O povo brasileiro, de uma maneira especial, precisa
aprender a cobrar, a exigir o cumprimento das propostas de palanque, dos planos
de governo. E diante dos palanques deveremos ter espírito crítico. A discussão
de programas deverá ser a nossa maior preocupação. O registro de propostas,
avaliação de suas qualidades, das possibilidades de realização, do efeito de
cada detalhe deverá ser estudado antes do voto. O apoio consciente é o desafio
de qualquer indivíduo que pretenda ser considerado um cidadão. Evidentemente o
voto obrigatório deverá ser abolido urgentemente. É criminosa a exigência do
exercício de um direito para o qual o cidadão não se sinta preparado ou não
tenha disposição para fazê-lo com a compreensão de sua importância.
Mas e as prioridades?
As prioridades mudam com o tempo. À medida que uma nação se
desenvolve ela procurará evoluir, atender suas necessidades em escalas maiores.
O contrário poderá acontecer também. Catástrofes naturais e humanas poderão
obrigar seu povo a regredir. Terremotos, enchentes, secas, guerras, epidemias,
maus governos poderão exigir do povo atitudes desagradáveis, regressões em suas
expectativas.
Dentro do que aprendemos em ciências humanas deveremos ter
que aplicar recursos primeiro naquelas atividades que garantam a sobrevivência
(óbvio!). Qual o significado disto? Que a saúde, alimentação e habitação são
absolutamente prioritárias. Qualquer governo medianamente lúcido concentrará
recursos nessas áreas. Depois virão as outras. Educação, segurança, cultura,
lazer, esportes, etc. Do trabalho de Abraham H. Maslow desenvolveu-se a figura,
apresentada abaixo. Nesta figura poderemos ver as prioridades em ordem
crescente, partindo da base onde o atendimento das necessidades fisiológicas
apresenta-se como a de maior importância. Na visão de Maslow decidimos dentro
de uma seqüência começando pelas necessidades fisiológicas (alimentação, sexo,
sobrevivência básica de modo geral), segurança (sobreviver com tranqüilidade),
necessidades sociais (pertencer a grupos, clubes, igrejas, partidos etc.),
estima (ter a simpatia dos amigos, companheiros, gostar de si próprio) e auto -
realização, ter o sentimento de que fez e faz, de que é útil, de que fez o
máximo possível dentro de uma visão pública, de que é um campeão. Nessa etapa
Maslow diz “o que um homem pode ser, deve sê-lo”.
Pirâmide
de Maslow:
No Brasil partiu-se para o desenvolvimento econômico como
prioridade maior. Vivíamos em relativa tranqüilidade social lá pelos anos
cinqüenta. Nossa burguesia queria ver um Brasil moderno, usando automóveis,
andando de avião. Os recursos então existentes foram, a partir daí, aplicados
no desenvolvimento industrial. A agricultura de subsistência foi relegada a um
segundo plano. Importava produzir a baixo custo e em grande quantidade aquilo
que pudesse ser exportado. A lavoura foi mecanizada, o café substituído pela
soja no Sul. Nenhum esforço foi feito para reter o trabalhador rural no campo.
Lá ele não tinha aposentadoria, INSS ou qualquer outro apoio formal. Cinema,
rádios e televisões mostravam as maravilhas das cidades. O resultado foi um processo
migratório gigantesco. A catástrofe social foi uma conseqüência natural por
esse crime . Milhões de brasileiros foram condenados à indigência das ruas das
cidades.
Paralelamente o Brasil ganhou belíssimas empresas. Energia,
aço, petróleo, minérios e outras foram absorvendo uma parcela de nossos
trabalhadores. Na iniciativa privada as grandes tecelagens, a indústria
automobilística, a construção civil encarregaram-se de absorver milhões de
brasileiros. Mas o excesso de oferta de mão de obra aviltou seus salários. A
carga fiscal e o ambiente de agiotagem tiravam e tiram dos empresários muito do
que poderia ser transformado em salários. Chegamos aos anos noventa após uma
década de crise. Recessão que poderia ter sido evitada. Tivesse havido
honestidade e competência e tudo o que se fez teria custado pelo menos a metade
e o Brasil não estaria devendo um tostão. Hoje vemos nossa pátria com alguns
mundos muito diferentes. Alguns protegidos, ricos, carros importados e outros
luxos, outros pobres, famintos, desdentados. Grande parte de nossa população,
mesmo trabalhando duro, não tem assistência médica mínima razoável, não
consegue comprar ou mesmo alugar uma residência decente, não sonha em colocar
seus filhos em escolas de bom nível.
O que esperar de um governo decente, democrático,
competente?
Urge encontrar recursos para o início de uma nova fase na
nossa história. Eleito democraticamente, com o voto da maioria dos brasileiros,
o governo deverá reencontrar as prioridades básicas, esquecidas há tantos anos.
Concentrando esforços para dar ao nosso povo aquilo que precisa para uma vida
decente será eficaz. Honesto ao corresponder à confiança recebida. Competente
oferecendo um salário mínimo civilizado. Eficaz viabilizando um padrão saudável
e digno de vida. Este é o desafio de
nossos administradores. Nosso trabalhador tem que sair das favelas, tem que se
orgulhar de ser brasileiro.
O que precisamos entender é que essa revisão de prioridades
poderá significar a privatização de empresas estatais. Principalmente as mais
rentáveis poderão contribuir significativamente para a obtenção dos recursos
necessários à retomada das prioridades básicas. Na grande maioria dos estados
brasileiros é evidente a falta de infra-estrutura na área de saneamento. O
abastecimento de água é insuficiente e o que existe encontra-se em condições
precárias. Escolas e hospitais clamam por recursos para serem eficazes. Tudo
isso precisa ser avaliado e todos juntos trabalharem para um salto de qualidade
de vida absolutamente necessário.
12. Considerações
sobre uma estatal
Para saber o que decidir é importante que um analista tenha
uma noção do que é uma empresa estatal. Fui diretor da COPEL e URBS , duas
estatais, a primeira estadual e a segunda municipal. Assim tive a oportunidade
de vivenciar os problemas de duas empresas de capital misto e com finalidades
muito diferentes.
A COPEL, Companhia Paranaense de Energia, é a concessionária
estadual do Paraná que tem a responsabilidade de levar e distribuir energia
elétrica para a quase totalidade desse estado. Não bastasse isso era também a
concessionária para a distribuição de gás no estado, o que iniciou com a
formação de uma subsidiária, a COMPAGÁS. No início da 1995, por efeito de
reforma da Constituição federal, os estados perderam o monopólio da
distribuição do gás canalizado. A COMPAGÁS continua sendo uma subsidiária
dedicada ao gás. A “Urbanização de
Curitiba S.A.” (URBS) era na época da administração Roberto Requião, da qual
fiz parte, a responsável pelo planejamento do transporte coletivo de Curitiba e
ainda é, atualmente, a concessionária deste serviço que ela repassa a outras
empresas sob contrato de permissão de serviços. A URBS também é responsável
pela operação e manutenção dos equipamentos urbanos de Curitiba. São empresas
excelentes em um estado que dizem ser exceção. Nessas duas companhias tive a
oportunidade de vivenciar os desafios do serviço público, do atendimento a mil
desejos de uma população que anseia por uma vida melhor mas que desconhece
totalmente a complexidade e os custos de qualquer projeto. Senti também o peso
de uma burocracia massacrante criada por leis de legisladores que são os
primeiros a pedir que não as respeitemos. Conduzir uma estatal exige de seus
executivos muito “jogo de cintura” e discernimento. Eles precisam distinguir
entre o que são pretensões legítimas e o que representará desperdício de
recursos. Mas essas empresas têm bons funcionários, gente de carreira que
acreditou na validade de seus empregos.
Esses técnicos, os melhores, “seguram a barra” evitando que elas se percam
entre bilhetes e telefonemas os mais incríveis.
Uma constatação penosa é a completa ignorância da população
em relação às responsabilidades e dificuldades de uma concessionária. A COPEL,
por exemplo, é um mundo à parte. Nela quase dez mil colaboradores diretos distribuem-se dentro dos duzentos mil
quilômetros quadrados do estado para garantir o atendimento a cada consumidor.
Nas centenas de locais em que seu pessoal trabalha ela deve apresentar um
padrão de qualidade perceptível pelo consumidor. É muito diferente de uma fábrica onde sob um pavilhão encontraremos
praticamente todos os seu trabalhadores. Visíveis no conjunto, com pontos de
produção bem definidos e controláveis permitem treinamentos e gerências sob
medida.
Uma empresa que gera, transporta e distribui energia
elétrica precisa ter em seus quadros desde pessoas especialistas em lambaris
até técnicos em altíssima eletrônica. A legislação existente obriga as estatais
a elaborar editais que acabam sendo um desafio maior que a própria obra.
Detalhes de toda espécie são cobrados. Uma barragem de mais de cem metros de
altura demanda gente competente na sua operação e manutenção. Não se pode
arriscar a vida de gente inocente. As linhas de alta tensão cruzam as cidades e
subestações de todo o tipo distribuem-se dentro de aglomerações urbanas. E se
falta energia? a dependência da energia
é cada vez maior. As cidades se verticalizam, o trânsito depende de sinalização
acionada por dispositivos elétricos, as indústrias cada vez mais sofisticadas
precisam de energia com qualidade e baixo custo, hospitais não podem ser
desligados, o caos se estabelece no comércio quando as lâmpadas não acendem e
as máquinas registradoras deixam de funcionar.
O governo descobriu que taxar os serviços das concessionárias
de energia é um altíssimo negócio. A fiscalização necessária é mínima, os
líderes dessas empresas não podem reclamar, o povo não percebe que está sendo
roubado. Na área de energia elétrica mais da metade do custo final, pago pelo
consumidor, é imposto. Se ainda considerarmos encargos indiretos a proporção
aumentará significativamente. É um peso que se abate principalmente sobre a
classe média. Os consumidores de baixa renda, ficando nos limites das taxas
mínimas, estão usufruindo grandes subsídios assim como determinados
consumidores industriais.
Uma concessionária de energia depende da integração de
serviços para garantir qualidade. Se ela não existir quem perde? que indústria
sobreviverá a um ambiente de baixa confiabilidade? Mas a integração de serviços
é vital ao sucesso. Do projeto à última manutenção deverá existir uma série de
cuidados. Uma indústria mal cuidada fechará, gerará problemas para algumas
centenas de pessoas e até milhares, dependendo de sua dimensão. E uma
concessionária de energia? quantas indústrias poderão falir se ela parar?
quantos acidentes no trânsito das cidades? hospitais sem condições de
funcionar? as empresas de água e saneamento poderão operar sem energia
elétrica? assim vamos vendo a importância de um serviço que no Brasil
acostumamo-nos a ter. Aqui chegamos ao Primeiro Mundo.
Toda empresa de alta tecnologia e mão de obra intensiva
precisa de harmonia, de sinergia, de um ambiente de trabalho positivo. Nele
seus colaboradores estarão mobilizados em um serviço que exigirá confiança,
crédito, coragem. Quando isso é perdido a qualidade começa a regredir, os
custos aumentarão pelas perdas de equipamentos, de mercado, de oportunidades.
Poderemos ter ganhos imediatos em programas de demissão, os famosos
enxugamentos, mas a empresa diminuirá seu desempenho técnico. Na
impossibilidade de promover reduções seletivas submete-se as companhias a
programas de estímulo à aposentadoria, à demissão. As estatais têm tais
complicações legais que a terceirização é uma aventura, principalmente em
trabalhos complexos.
Um aspecto importante na formação de uma empresa de grande
complexidade tecnológica é a geração e manutenção de grandes especialistas.
Principalmente para as atividades de manutenção há a necessidade de anos e anos
de trabalho para se ter uma equipe consciente e bem preparada. Infelizmente
este é um dos aspectos menos observáveis de uma empresa. O cidadão comum,
quando muito, tem o desafio da conservação de um aparelho de som , um carro ou
eletrodoméstico. Não percebe a dimensão deste problema em uma empresa de
energia, telecomunicações e outras desse
porte. Esse cidadão vota, elege seus representantes, prefeitos, governadores e
presidentes. Os eleitos procurarão atender as expectativas de seus liderados.
Na cabeça deles nossas estatais não prestam, são ineficazes, corruptas,
incompetentes. Realmente, muitas delas, pela ação dos políticos, perderam-se e,
agora, resta apenas privatizá-las na esperança de encontrarem melhores
gerentes. Mas a demagogia e grandes interesses por trás de certas lideranças
procuram destruir as empresas sob comando do governo. O resultado é ver os
famosos planos não seletivos de aposentadoria, mudanças constantes de pessoal e
estrutura, falta de atenção pela memória da empresa e abandono dos melhores projetos.
O efeito operacional é o aumento das taxas de falha e duração de falta.
A corrupção induzida pelas lideranças políticas tem dominado
estados inteiros. A degradação das estatais, autarquias e da própria
administração direta é notória. Os sistemas de fiscalização servem para
chantagens e instrumentos de pressão política. O tráfico de influência é
flagrante. A cada eleição grupos empresariais encastelam-se nos palácios, dando
diretrizes e designando chefias de acordo com seus interesses, nem sempre coincidentes
com os do povo, que elegeu seus maiores executivos na melhor das esperanças. A
democracia falhou como geradora de gerentes.
Infelizmente os escândalos das empresas privadas não são
divulgados. A história paralela dessas empresas não é menos vergonhosa. Os
esquemas aí são entendidos como simples atos de esperteza. O que o povo não
percebe é que ele também paga esta conta.
Lamentavelmente no Brasil o “Código de defesa do consumidor”
e os crimes de responsabilidade civil
são pouco valorizados, aplicados. A ineficácia da Justiça cria uma terra sem
dono em que pessoas inescrupulosas procuram firmar suas posições das formas
mais ousadas possíveis. A falta de penalização pelo mau desempenho de qualquer
concessionária dá aos seus executivos uma liberdade perniciosa. Qualquer um
serve.
Uma grande empresa acumula, com o decorrer dos anos,
equipamentos e técnicas associados, que exigem disciplina e muita cautela no
uso e interpretações. A falta de atenção pode criar prejuízos irreversíveis.
Atualmente, no Brasil, muitas estatais são exemplo dessa falta de cuidado.
Companhias que até poucos anos eram exemplos de competência, hoje não passam de
caricaturas do que foram. O poder público, dentro de uma visão idiota e
oportunista, levou para dentro das empresas critérios políticos para definição
de gerências operacionais. O resultado foi a regressão, a perda de motivação, o
esvaziamento técnico e perda de qualidade do produto final.
No Brasil temos exemplos de sobra de empresas mal dirigidas.
O resultado foi um desastre. Analisando-as vemos que a principal falha foi
moral e técnica de presidentes, governadores e prefeitos incompetentes e
desonestos, mais preocupados com seus apaniguados e caixinhas de campanha do
que com os objetivos daquelas empresas. Infelizmente serviram de modelo para a
campanha de desmoralização que vivemos. São também a motivação para as
agressões que se fazem na imprensa contra seus trabalhadores, os últimos
responsáveis pelos maus gerentes que tiveram. Evidentemente, como qualquer
empresa privada, não são poucos os que enganam. Uma estatal tem dificuldades
diversas para demitir, o que agrava a situação. A motivação é limitada a
aspectos positivos restritos. Todo ano alguma nova lei procura enquadrar os
trabalhadores das empresas mistas, classificados por muitos como parasitas,
marajás. A ignorância e a desonestidade desses críticos é alarmante. O
resultado é a radicalização em qualquer discussão.
Os piores políticos brasileiros encontraram uma forma de
esconder suas falhas. Aderiram ao processo de desmonte das estatais. O
discurso: “Elas não prestam porque seus funcionários não trabalham , seus
salários são muito altos, muitas obras estão paradas, as tarifas são muito
altas.” Com esse discurso, além de escaparem de críticas contra a ação nefasta
de muitos companheiros, habilitaram-se às verbas políticas dos grandes grupos
econômicos. Alguns deles têm aparecido regularmente nas “pastas rosas” e
denúncias de corrupção. Têm dinheiro e apoios para fugirem dos noticiários. Os
grandes anunciantes sabem exercer suas forças ocultas.
Neste cenário uma estatal convive com inúmeros problemas que
a tornam mais e mais lenta, presa e ineficaz.
Os sindicatos merecem uma citação especial. Refletindo a
falta de consciência política de nosso povo do qual os empregados das estatais
não são exceção, têm tido uma ação ridícula em todo esse processo. Suas ações
têm sido pouco mais do que negociar salários e, eventualmente, promover uma
greve. Não organizam discussões, não procuram agir pró ativamente em relação à
modernização das empresas naquilo que a tecnologia oferece de melhor, não atuam
objetivamente nas discussões sobre a privatização. Muitos refletem partidos
políticos, agindo dentro de interesses alheios à classe. Com raras exceções
pouco têm contribuído para o aprimoramento de suas empresas. Pela rejeição
educada durante os anos de ditadura, os bons funcionários têm medo ou
repugnância ao sindicalismo. Em uma estatal este efeito é particularmente muito
sensível pois a legislação trabalhista, por si só carente de muitos ajustes,
encontra nas estatais toda a liberdade de ação que não exercem fora. Tudo isso
viabilizou um padrão corporativista medíocre. A insensibilidade social e
política aliadas ao egoísmo e mediocridade de muitos contribui para a
desmoralização das empresas. Esquecem a finalidade, a razão de existência.
Entendem que seus empregos são para benefício pessoal. Ignoram as dificuldades
do país em que vivem. Não participam de forma eficaz do processo político.
Criando-se em ambientes pasteurizados reagem negativamente à qualquer ajuste à
realidade.
Atualmente as empresas estatais encontram - se em uma
situação delicada. São importantes, necessárias, foram a solução encontrada
para criar uma infra-estrutura que o Brasil necessitava e não possuía porque os
grandes grupos econômicos tinham outras prioridades. Tiveram sucesso. Graças a
elas o nosso país tem atualmente energia elétrica, telecomunicações, uma grande
empresa petrolífera, a Petrobrás, e uma
Vale do Rio Doce que nos enchem de orgulho. Essas empresas precisam de muito
pouco para deslancharem mais uma vez. Tivessem o suporte que os governos
militares lhes deram e estariam esbanjando resultados positivos.
Paradoxalmente, talvez por falta de estrutura, políticos e seus partidos
assumiram o papel de algozes dessas empresas. Na falta de competência para
dirigi-las e por não aceitarem o que convencionaram chamar de tecnocracia
preferiram desmoralizá-las, destruí-las.
O México e a Argentina são bons exemplos de que é uma ilusão acreditar que os grandes
empresários do Mundo estão dispostos a arriscar seu dinheirinho em países
instáveis, inseguros. Só o fazem mediante grandes lucros que levam para seus
países.
Quem dirige uma estatal brasileira encontra a hostilidade de
lideranças externas e a incompreensão interna, o que torna sua missão
extremamente penosa se pretender aliar ao seu serviço o idealismo de uma causa,
a preocupação de exercer sua liderança para o aprimoramento de nossas
instituições e ser competente como gerente. Principalmente os executivos mais
técnicos encontram dificuldades enormes em colocarem em prática suas idéias,
seus propósitos de serem eficazes. Nossos legisladores trabalham para
inviabilizá-las, a mídia, do lado de quem lhes paga, muitas vezes atua
corrosivamente, instabilizando grandes projetos. O povo em sua ignorância e na
preocupação de ver benefícios crescentes, não questiona propostas idiotas,
irresponsáveis, desde que devidamente maquiadas.
A grande preocupação é o futuro. O que teremos, vingando as
propostas mais reacionárias? retornaremos ao que tivemos no passado? quem então
terá forças para recuperar o que tivermos perdido?
Nesse cenário sentimos a quase impossibilidade de sustentar
as empresas estatais. A burocracia crescente, as campanhas negativas, a má
ingerência política, o corporativismo ruim e as pressões internacionais tornam
a luta inglória. Diante da necessidade de recursos para outras atividades,
muitas de maior prioridade que simplesmente reter capitais em empresas
públicas, devemos trabalhar a favor da privatização de modo a que aconteça da
maneira mais honesta e competente a favor do povo.
O que não podemos esquecer é que em alguns estados as
empresas públicas tiveram e têm sucesso. São eficazes, atendem as necessidades
do povo que servem, contam com equipes sérias e trabalhadoras. O Paraná é um
exemplo desta tese. Aqui, no estado e nos municípios em que existem,
encontramos estatais que têm sido motivo de orgulho para o seu povo.
13. A privatização e a concentração de poder
As empresas estatais concessionárias de serviços são
ambientes em que o poder político impera. Em uma democracia esse poder
representa o povo. É definido em eleições. Assim essas companhias obrigam-se a
respeitar a vontade das urnas e, paralelamente, toda a legislação existente,
principalmente aquela que se reflete em votos. É natural, portanto, o respeito
às leis trabalhistas. Em estatais a contratação acontece após concurso público
em que não se pode discriminar sexo, credos e raças. Nelas as mulheres têm
todas as garantias, não podendo ser penalizadas pela maternidade eventual e por
suas obrigações com os filhos. Nenhuma mulher é demitida por pretender
casar-se. À nenhuma mãe é negado o emprego conquistado em concurso. Os
preconceitos raciais são crimes de extrema gravidade. Perseguir, penalizar,
ignorar alguém por sua cor é algo que não imaginamos em uma empresa pública
brasileira. Religião, quem pergunta? qual o clube? por que está lá?
Evidentemente as empresas públicas brasileiras têm seus problemas. Nem sempre
as leis são respeitadas. Só que as conseqüências para aqueles que assim
procedem poderão ser pesadas. Normalmente a própria vigilância política,
exercida pelas oposições, é suficiente para inibir excessos comuns em empresas
privadas.
As estatais são uma garantia de respeito aos direitos do
cidadão. Os ganhos de uma empresa pública entende-se destinados ao benefício do
povo, seu grande acionista, e aos seus trabalhadores. Os famosos grandes
salários são a distribuição de uma renda, que se presume aconteça também nas
empresas privadas. O lucro dessas estatais não é canalizado para luxos
pessoais.
Um grande risco na privatização é a criação de dinastias que
passarão a comandar a sociedade em todos os seus detalhes. Na hipótese da
privatização total do país, pelo efeito da concentração crescente da
propriedade de empresas, a oferta de empregos estará nas mãos dessas pessoas,
decidindo quem poderá ter uma vida com fartura ou não. A vaidade humana é
onipresente. A concentração de poder é perigosa. Empresas familiares tendem a
criar ambientes de idolatria pessoal. Todos devem submeter-se à veneração de
seus líderes. As indústrias asiáticas, onde o confucionismo é uma filosofia de
vida, têm isso com naturalidade. Aqui vemos o servilismo principalmente nas
pequenas cidades. Dentro do espírito feudal dominante até o final do século
passado era natural agir e pensar dessa forma. Mas o progresso e a evolução
política devem levar ao aprimoramento do ser humano. O que esperamos do
progresso? A expectativa de qualidade da vida é o da liberdade cultural, social
e política. É o da valorização do indivíduo. O respeito à postura política e
filosófica de cada cidadão é o sonho de muitos utopistas há muitos séculos. A
Humanidade sempre esbarrou na tirania das religiões e de uma aristocracia que
não admitia por-se em risco.
O Brasil vive um processo de desmoralização das estatais. A
privatização é a grande panacéia. Assim deixará de existir um ambiente em que a
liberdade ideológica é natural, protegida. Essa preocupação é sensível de
diversas formas. No processo político procura-se inibir as formas de propaganda
gratuita. Poucos protestam contra o abuso do poder econômico nas eleições.
Apenas alguns percebem que o dinheiro gasto será descontado mais tarde. O povo
sempre paga a conta. A mídia, sob o comando dos mais ricos, trabalha para
consolidar esse poder. À semelhança dos EUA, a sustentação desse processo
tornará as eleições uma disputa paroquial de dois ou três partidos de mesma
base ideológica. O povo optará pela subordinação a um grupo de famílias ou a
outro. As forças armadas serão induzidas a se transformarem em guardas
pretorianas dessas elites. A miséria será caso de polícia. A riqueza uma
conseqüência da divina esperteza.
Nosso país tem em suas estatais uma forma de criar seu
modelo de cultura próprio. Essas grandes empresas, a grande maioria
concessionárias de serviços públicos, são ambientes em que a personalidade de
nosso povo tem liberdade para se manifestar. Com todas as virtudes e defeitos
vemos dentro delas o que somos. O poder político alterna-se regularmente
deixando as corporações razoavelmente seguras em suas múltiplas faces. Essa
situação é visível também em outros países onde a empresa estatal existe. Na
Europa poderemos ver na maioria de seus recantos a preservação de hábitos,
filosofias e fantasias graças à independência com que puderam se preservar em
seus empregos.
O Mundo passa por um processo de formação de meganacionais (
vide “O Império Secreto” de Janet Lowe ), de impérios onde as fronteiras são
apenas econômicas. Esses oligopólios têm propostas políticas, têm dinheiro para
defendê-los e competência para fazê-lo sutilmente. O cidadão comum, em sua luta
pela vida, na seqüência da satisfação de suas necessidades fisiológicas, sob o
medo da destruição, da não realização econômica e social, entrega-se aos
primeiros patrões, vende sua alma. A grande realidade é a alienação voluntária
e a incapacidade que a grande maioria das pessoas tem de ser independente. O
instinto de conservação, a lei do menor esforço e a lei do Gerson condenam a sociedade
à mediocridade, à renúncia intelectual. O culto às futilidades substitui as
grandes questões. A ecologia gerou a esquerda cor de rosa. As lutas pelos
ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” foram substituídas pela batalha
da preservação do mico leão, do automóvel importado e do vinho francês. São
bandeiras que dão status e não põem em risco aqueles que as defendem. O esporte
é a outra grande distração O futebol mostra seus “hoolighans”. Os gladiadores
modernos dão suas vidas nas pistas de corrida. E como já acontecia em Roma, que
se dê ao povo “pão e circo” e não apenas brioches...O fundamental nessa fase
política é a alienação e o retorno a bandeiras medievais. Tribos são
reconstituídas de modo a verem detalhes de cor, religião e até esportivos como
fatores de atenção. Distrair, desviar a atenção, aceitar os azares e acreditar
na sorte. É muito importante para as empresas transnacionais identificar e
explorar bolsões de pessoas desesperadas e passivas, se possível com algum
treinamento técnico e muita disciplina. Para as classes mais ricas convém
vender o discurso maniqueísta. Parte do povo não presta, é malandra, bandida e
a outra é boazinha, honesta e trabalhadora. Ao fugirmos dos grandes debates
acabamos perdendo o que já ganhamos. Aproveitando mal o que foi construído,
desmoralizamos propostas que poderiam ser muito mais úteis à sociedade.
Um aspecto irônico da privatização brasileira é a utilização
do dinheiro do povo para a formação de riquezas pessoais. Da mesma forma que os
empresários do transporte coletivo apoiam-se no BNDES/FINAME para formar suas
frotas e não se admite a criação de frotas públicas com esse dinheiro, gerado
pelo trabalhador, assim também vemos o processo de privatização. Pretende-se
oferecer crédito privilegiado aos mais poderosos para a viabilização da compra
de estatais. Os grandes empresários com todo o poder político, que sempre
usaram, conseguem manobrar de modo a convencer técnicos e dirigentes dessas
entidades de suporte financeiro a conceder-lhes recursos para seus
“investimentos”. Não se cria uma linha de crédito popular para a compra das
ações das estatais mas os mais ricos têm todo o carinho do governo. Vemos pouco
esforço no sentido da democratização do capital das empresas privatizáveis. A
criação de um fundo de investimentos pelo banco do Brasil para a participação
popular na privatização, lançado em janeiro de 1996, foi um passo importante
neste sentido. Há necessidade de mais propostas, incluindo o financiamento de
cotas de participação a pessoas de renda menor. Seria extremamente louvável uma
ação nesse sentido. As estatais têm em cada cidadão um acionista compulsório. A
alienação do seu capital em pequenos lotes, ao alcance de todos, geraria
milhões de acionistas voluntários e preocupados com os resultados das empresas
de que tivessem ações. Mas no Brasil, ao contrário do que aconteceu na
República Tcheca, por exemplo, a privatização tem beneficiado poucos. É um
presente para alguns grupos privilegiados.
Essa lealdade aos grandes grupos econômicos é uma conseqüência
do processo eleitoral. Nosso povo, em sua ignorância e desinteresse político
vota em cima de propaganda. Poucos candidatos se elegem sobre bases lúcidas.
Principalmente nas eleições majoritárias o abuso do poder econômico é
flagrante. Só a Justiça Eleitoral não vê. O resultado é uma corrente de
lealdades, que transcendem ideologias e atropelam discursos de campanha. As
grandes decisões são negociadas em gabinetes muito distantes dos eleitos pelo
povo. Lamentavelmente os interesses nacionais estão sob grande risco. Já não é
apenas uma questão interna de luta de classes ou manutenção de interesses mas
outros atores estão em cena. O Brasil, pela sua dimensão, é alvo de muitas
conveniências distantes. Até nossos bandidos poderão sair perdendo para as
máfias do hemisfério norte. Essas gastarão seus lucros em suas terras,
reduzindo nossas esperanças de progresso.
Um grande risco no processo de privatização total é a perda
de sensibilidade às questões ambientais, ecológicas e , principalmente, às
razões básicas do serviço a ser prestado. Os dirigentes de uma empresa pública
sabem que o processo político é oscilante. O poder muda de partidos, de
lideranças. Com uma freqüência muito superior a qualquer empresa privada, uma
estatal trocará seus gerentes. Assim não terá como esconder eventuais crimes ou
faltas de atenção a questões de interesse popular. A dependência do voto e da
simpatia popular obriga governantes e executivos a respeitarem normas e
técnicas de domínio público. O contrário significará um desgaste incalculável.
Já uma empresa que tenha a necessidade e o poder de mexer profundamente com o
meio ambiente precisa de um controle político ou, pelo menos, de uma supervisão
severa. Infelizmente a corrupção custa menos do que fazer o necessário. Uma estatal
não tem como pagar o que as empresas privadas acintosamente gastam para
conquistar lealdades. As despesas com a mídia são outro fator frágil em uma
empresa pública. Se gasta vem a acusação de estar usando dinheiro do povo para
promoção pessoal. Se não gasta fica sem a defesa que necessita em questões
polêmicas como a construção de uma barragem, uma linha de transmissão ou outra
instalação qualquer. Já a famosa iniciativa privada não tem limites. Pode usar
“seu” dinheiro como bem entende. Fortunas são gastas para criar imagens nem
sempre importantes ao negócio que tratam, mas vitais às ambições políticas do
maior acionista. Assim no processo de concentração de poder vemos o controle
ideológico, a oferta de empregos, a questão ambiental e ecológica como grandes
preocupações na privatização, além da fuga a atendimentos não atraentes. São
riscos que leis bem feitas e uma Justiça eficaz e imparcial poderiam compensar.
Mas é próprio de países em desenvolvimento a fragilidade da Justiça. Até em
países ricos os escândalos, que eventualmente surgem, fazem suspeitar da
negligência dos órgãos de fiscalização e da vigilância dos homens da lei.
O capitalismo sem leis, selvagem, põe em risco o processo
democrático. À medida que desvaloriza o ser humano em seu trabalho, que promove
e estabelece condições sutis de escravidão facilita o império de elites
privilegiadas. As idéias da livre iniciativa, da competição, do livre comércio
tiveram nos EUA sua Meca mas lá também já se sente o efeito da concentração de
poder. Sob o pretexto de ganhar competitividade leis são questionadas e os
controles relaxados. Os tigres asiáticos derrubaram não apenas as indústrias
ocidentais mas muitos de seus ideais de bem estar social. Os sindicatos, os
partidos políticos não reagiram com eficácia à entrada de produtos de ambientes
escravos ou no mínimo primitivos. As elites, querendo produtos baratos, ignoram
o desastre do desemprego nas classes trabalhadoras. As grandes empresas,
preocupadas apenas com seus lucros, alocam atividades onde menos lhes venham a
custar. O poder desloca-se das nações para as empresas meganacionais...
Toda a discussão, a mídia que se constrói em torno das
empresas estatais esconde sua ligação com o poder político e administrativo
disputado em eleições. Ninguém fala da participação popular nas decisões dessas
empresas. Não se comenta a violência da concentração de poder a ser atingida
com a privatização. Nossos grandes gerentes não debatem o lado negativo da
administração privada. De forma irresponsável coloca-se a privatização como a
panacéia necessária à cura de todos os males. Nós, brasileiros, já ouvimos,
lemos e decoramos mensagens semelhantes. O Brasil seria o melhor dos mundos se
essa ou aquela mudança fosse feita. Foram realizadas e continuamos dentro do
túnel.
Quando poderemos enxergar a luz ao final desse labirinto?
Tudo isso significa a necessidade de muitos cuidados no
processo de privatização. Ele não poderá acontecer sem o estabelecimento de
regras claras em benefício do cidadão comum e dos funcionários das empresas. A
nação brasileira não pode ignorar a necessidade de defender seus interesses. Em
política internacional não existe altruísmo. As regras são as dos mais fortes e
corajosos. Isso vale para dentro do
país. Existem classes, grupos econômicos, corporações, sindicatos etc
disputando os benefícios do poder. A solução ideal é dinâmica, muda com o
tempo, os parâmetros das equações sociais transformam-se por efeito das
transformações culturais e econômicas. Assim precisamos de competência e
seriedade em transformações tão grandes quanto as que estão acontecendo no
Setor Elétrico. Trata-se de algo vital ao nosso desenvolvimento, conforto
segurança.
14.
Keiretsus brasileiros e a privatização
O Brasil é um país acima de tudo correndo atrás da bola,
atrasado em relação aos grandes apesar dos imensos recursos naturais de que
dispõe. Nossos governos e empresários não souberam formar uma base tecnológica
que garantisse à nossa pátria um espaço digno no contexto das nações. Demoramos
demais para ter escolas de engenharia, medicina, economia e outras essenciais à
formação de profissionais produtivos. Enquanto na América do Norte, Europa e
Ásia criava-se mentalidade tecnológica, aqui a preocupação era o preço dos
escravos. Grandes regiões brasileiras até hoje têm dificuldades em desenvolver
qualquer tipo de indústria apesar de inúmeros recursos naturais.
A mediocridade tem sido brutal. Vamos de um extremo a outro.
Ou abrimos totalmente nossas fronteiras ou as fechamos. Não aprendemos a
administrá-las. Leis como a da “Defesa da Informática” impuseram ao nosso país
um retardo gigantesco. Não tínhamos porte nem recursos para as pesquisas
necessárias ao desenvolvimento esperado. Ficamos condenados a uma freada
tecnológica brutal. Indústrias e empresas prestadoras de serviços perderam
competitividade pela inacessibilidade aos recursos mais modernos de produção,
da fantástica informática. Na utopia de formar um país auto-suficiente, a
burocracia para importar equipamentos era massacrante. Quando se tinha sucesso
o aparelho já chegava ultrapassado. A falta de concorrência também levou a uma
acomodação letal. A qualidade era ruim. O desinteresse era grande. Melhorar
para que? vendiam de qualquer jeito. Os melhores produtos eram para exportação,
ficávamos com os refugos. Ainda hoje as taxas de importação tornam os
equipamentos de processamento de dados muito caros. Viabiliza-se o contrabando
e conseqüentemente falta uma estrutura comercial decente. Com a
redemocratização entramos dentro de um esquema jurídico que afastou as estatais
das indústrias e universidades. Leis pouco inteligentes inibem associações.
O rigor em torno de despesas e custos tornou-se necessário
diante da inflação superaquecida e da falta de recursos. Nossa dívida externa
fugira ao controle, o Brasil “quebrou” no início da década de 80...A degradação
atingiu as universidades. Centros de pesquisa foram sucateados. Os
pesquisadores, desprezados, procuraram outras pátrias. O que sobrou e que
possibilitaria um alento no processo de modernização de nossa indústria?
As estatais têm em seus quadros técnicos excelentes. Gente
de guerra. Foi uma grande luta manter suas empresas funcionando nesses últimos
anos. Em compensação aprenderam muito. Hoje algumas delas têm bons
profissionais e cultura técnica razoavelmente atualizada.
Em muitos países as concessionárias de serviços público
serviram de base para muitas indústrias. Os países europeus são um excelente
exemplo. A França hoje possui um parque industrial invejável e é detentora de
altíssima tecnologia. Inglaterra, Alemanha, Suécia, Suíça e outros países
garantiram empregos investindo pesadamente em tecnologia e abrindo suas
empresas públicas e privadas a suas próprias indústrias. O Japão foi, é e
sempre será protecionista. Os chineses abrem suas cortinas de acordo com seus
interesses. Na América do Norte os EUA e o Canadá sempre arbitraram suas
conveniências com muita habilidade. Aqui louvamos os radicais. Lá mil
artifícios inibem as importações. Suas fronteiras estão em processo de abertura
lento e gradual, estritamente dentro de seus interesses. No Brasil a esquerda
em suas preocupações radicais inviabilizou a convivência das empresas estatais,
grandes consumidoras de equipamentos de alta tecnologia, com as indústrias
nacionais. Sem o apoio dos partidos esquerdistas o desmonte das indústrias
brasileiras não teria acontecido. O que poderia ser uma grande simbiose é
motivo de intrigas e questões policiais.
O potencial técnico de nossas estatais é sub utilizado. As
indústrias carecem de laboratórios, profissionais e recursos para desenvolver
tecnologia. As concorrências mostram a ascendência das multinacionais. As
empresas genuinamente brasileiras tendem a desaparecer. Não conseguem competir.
Enquanto filosofamos o pólo de decisão sai de nossas fronteiras. Por falta de integração
e de uma política competente de desenvolvimento tecnológico perdemos
oportunidades, paramos. As grandes multinacionais, espertamente protegidas em
seus países de origem, dominam o mercado de alta tecnologia. Até nosso sistema
de registro de patentes inviabiliza nosso desenvolvimento. A falta de malícia
surpreende. Nossos dirigentes são teóricos, prolixos e absolutamente
ineficazes. Nossa tradição verborrágica se manifesta em todos os foros
brasileiros. O país não deslancha mas o que se produz de manifestos, discursos,
reuniões... Enquanto isso as grandes potências avançam com cautela mas muita
firmeza. O Japão protecionista apenas entreabre suas portas às importações. A
Alemanha reunificada gasta boa parte de seu orçamento, de sua receita de impostos,
em tecnologia e em obras de suporte a esse objetivo. A França transforma-se
vagarosamente, sua estrutura de indústrias e serviços extremamente amadurecida
evolui para a competição. A Itália sobrevive em limites inadmissíveis no
Terceiro Mundo. Os EUA, ancorado em seu mercado consumidor e nos acordos de pós
Segunda Guerra impõe suas regras. A Inglaterra é uma caricatura do que já foi.
França, Itália e mesmo os EUA ainda contam com a entrada gigantesca de recursos
na conta turismo. Indústria sem chaminés privilegia alguns recantos dessa Terra
de muitas imagens. Enfim, todos os grandes com seus problemas mas muito hábeis
na administração de seus direitos.
Diante de tudo isso vemos uma grande chance de partirmos
para uma nova etapa econômica se agirmos com inteligência e competência.
Privatizar por quê? como? quanto? com quem?
A grande “mágica” seria a absorção das concessionárias por
empresários nacionais. A união de indústrias e concessionárias criaria mercados
privilegiados, cenários de experimentos tecnológicos, aproveitamento integral
dos recursos humanos existentes, redução de custos pela diminuição da
burocracia e aproveitamento maior de instalações. Técnicas e técnicos seriam
explorados desenvolvendo aqui um parque industrial muito mais sólido do que o
existente. Dentro do modelo protecionista japonês, que ainda por luxo goza de
normas técnicas especiais, criaríamos aqui os “keiretsu”. Unindo banqueiros e
empresários e com o suporte que uma concessionária pode oferecer teríamos
grandes conglomerados, fortes o suficiente para enfrentar muitos ambientes
hostis. A união é essencial para suportar a eliminação de fronteiras e
proteções artificiais, como a estabelecida pelas políticas de reserva de
mercado existentes até há pouco tempo. A preocupação lógica pela rentabilidade
seria o freio à acomodação. A vigilância
política de tarifas é um regulador importante e estimulador à eficácia.
Os nossos “keiretsu” teriam a oportunidade de em pouco tempo competir com
muitas multinacionais ou, sócios das melhores, participar do grande mercado
mundial. Provavelmente nossos bacharéis discordarão. Dentro de suas poesias
esquecem que a igualdade de direitos é relativa e, diante de direitos
estrangeiros muito bem protegidos militarmente, deveríamos desenvolver nossas
proteções a empreendedores ligados aos interesses de nosso povo. Os riscos
políticos da concentração de poder são evidentes mas talvez essa venha a ser a
única forma capaz de gerar certos empregos industriais em nosso país. Temos
centenas de escolas de engenharia e de formação de técnicos de segundo grau.
Todo ano milhões de brasileiros são lançados ao mercado de trabalho. Precisamos
viabilizar postos de trabalho.
Para operacionalizar esse processo deveríamos estudar
detidamente o processo de privatização. Há muitas formas possíveis. Algumas de
máximo retorno financeiro a curto prazo, outras infinitamente mais vantajosas a
longo prazo.
O processo de privatização das concessionárias de serviços
essenciais deve ser acompanhado de legislação específica de modo a garantir os
objetivos do serviço delegado aos empreendedores. Infelizmente é pouco provável
que alguma coisa se discuta com profundidade e objetividade em nosso Congresso.
O risco é grande mas talvez necessário.
Por muitas razões o processo de privatização é inevitável
dentro do quadro político, social e econômico atual. Muito menos por culpa dos
funcionários das estatais, elas apresentam quadros deploráveis, que recomendam
cirurgias pesadas para atenderem o que delas se espera. Há necessidade,
contudo, de muitos cuidados para não regredirmos.
O que é fácil afirmar é que a formação de grandes grupos
industriais em torno das estatais permitirá a formação de times de alta
tecnologia e razoavelmente saudáveis. O Brasil é um grande mercado futuro de
produtos ligados à área de energia, saneamento e telecomunicações. O setor de
transportes tem tudo a ser feito. Rodovias, ferrovias, portos e aeroportos
aguardam nossa competência e saneamento financeiro para ressurgirem. O Brasil
está sucateado. A década da incompetência sucedeu à década da imprevidência, o
resultado foi este em que nos encontramos. De qualquer modo o impulso rumo ao
futuro foi dado por JK. A partir dele mudamos, ganhamos velocidade, não podemos
mais parar. Por outro lado a imprevidência em relação ao trabalhador rural
gerou um pesadelo social. As migrações foram, em muitos casos, um desastre.
Seres humanos colocaram-se em ambientes hostis, sem capacidade de absorvê-los.
Agora o governo necessita de recursos para o assistencialismo e para o
desenvolvimento.
O processo de privatização poderá gerar recursos que
amenizem essa catástrofe social. Um grande programa habitacional, a reforma
agrária e a recuperação do sistema de medicina, de educação e da
infra-estrutura de transportes no Brasil poderão ter na privatização de suas
melhores estatais os recursos necessários. Uma transformação que viria não
porque essas empresas melhorarão com a mudança de status mas porque este é o
único caminho para o reequilíbrio social da nação.
Infelizmente os defensores da privatização, por motivos
suspeitos, propõem a privatização selvagem alegando a incompetência dos
administradores públicos, a corrupção. Tudo isso dito como se esses problemas
fossem privilégios da administração política, pública. A mentira repetida sem
parar ganha credibilidade. O efeito dessas cretinices é a desvalorização das
estatais. É o sucateamento à medida que seus profissionais são desmoralizados,
seus salários reduzidos. Talvez o governo, de alguma forma contaminado pelos
grandes grupos econômicos, caminhe na trilha dos piores interesses. O povo
estaria sendo logrado, roubado... Se, entretanto, houver interesse em
aproveitar esta oportunidade para a consolidação de empresas nacionais, a
transferência de comando e patrimônio deverá privilegiar nosso povo e seus
empresários.
A participação das fundações de previdência privada e das
estatais no processo de privatização é ótimo. Elas poderão ser instrumento de
aproximação de objetivos em benefício da nação. Elas têm vocação brasileira.
Seus interesses estão aqui e o desempenho delas depende do sucesso do Brasil.
Isso implica em maior segurança para o nosso povo. Paralelamente poderão
assumir o papel de líderes de grupos sinérgicos, complementares. É sintomático
a preocupação de certas lideranças com a capitalização de fundações de empresas
estatais. A entrada delas no páreo aumenta o valor das ações das empresas em
processo de desestatização.
Por outro lado representam a oportunidade de negociatas
péssimas a seus associados. Como em todas as empresas estatais, a empresa tem
controle sobre a fundação e a empresa representa o interesse do governo
existente no momento. Há o risco sensível de servirem a interesses prejudiciais
ao povo e a seus beneficiários de lei.
A privatização e a estruturação dos estatutos das fundações
de modo a que suas decisões fossem mais transparentes e decididas em condições
paritárias, empregados e governo, poderia evitar muita armação. O problema é
que os governos, estaduais e federal, entendem que as fundações lhes pertencem,
atuando imperativamente sobre seus negócios.
O papel das fundações poderia ter sido melhor discutido e
regulamentado nos processos de privatização. Infelizmente elas têm sido ótimos
instrumentos políticos, no mal sentido, a muitos governos. E o pior é que os
trabalhadores não têm apresentado lucidez e capacidade de mobilização para
evitar estas operações.
15.
Formação de empresas privadas concessionárias
O processo de privatização criará um tipo de empresa privada
extremamente interessante no Brasil, ou seja, grandes equipes de engenheiros,
técnicos, administradores e outros profissionais que, em todo o território
nacional, participarão da administração e ação técnica em torno de problemas de
infra-estrutura de cidades e estados. Esse ambiente tecnológico, à semelhança
do que já existe em outros países, exigirá muita competência para o sucesso de
suas atividades. A diversidade cultural e econômica do Brasil será o desafio
fantástico desses empreendedores e profissionais. Como companhias fora do
ambiente estatal, deverão conciliar os interesses de retorno financeiro às
necessidades políticas das administrações eleitas pelo povo. Sendo
concessionárias, estarão submetidas ao Poder Concedente. Este, por sua vez,
atenderá prioritariamente a vontade do Poder Político. Lembrando que o Brasil é
um país com problemas sociais enormes, percebe-se o risco que essas empresas
correm.
Como deveria ser estruturada uma empresa dessa espécie?
Em sua primeira fase não poderia dispensar a utilização de
profissionais experientes, principalmente daqueles que participaram da formação
das companhias anteriormente responsáveis pelo serviço a ser prestado. Essa
condição prende-se a algo que nossos teóricos da política desconhecem. A
necessidade de manter e operar instalações complexas. Qualquer empresa pode
quebrar facilmente se ignorar sutilezas de projeto e instalação assim como o
histórico operacional. Por diversas razões a tendência foi a concentração de
capacidade operativa em grandes máquinas e usinas. A capacidade de produção
depende do desempenho de equipamentos gigantescos, onde qualquer descuido
poderá inutilizá-los ou deixá-los fora de operação durante anos. Uma falha pode
levar grandes regiões a racionamentos brutais. O consumidor brasileiro,
principalmente das regiões sul e sudeste, não está mais acostumado a períodos
de racionamento. Um mau desempenho com
certeza criará pressão política para a reestatização.
As futuras empresas privadas do Setor Elétrico deverão
assumir suas partes nos compromissos da geração de Itaipu. São compras de
energia compulsórias, havendo ou não necessidade de utilizá-la. Com relação aos
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e os futuros a serem
estabelecidos dentro do processo de integração latino americano, é importante
que os futuros gerentes das grandes empresas estejam conscientes de que esses
acordos nem sempre são benéficos ao Brasil e suas empresas. Isso significa a
necessidade de acompanhar negociações e estar atento aos impulsos brasilienses.
A operação é interligada. Cada concessionária cumpre seu
papel nesse mosaico técnico. Regularmente são feitas reuniões de análise e
outras de caráter deliberativo sobre os compromissos de planejamento da
expansão do sistema e dos problemas operacionais. Questões relativas à
manutenção são discutidas exaustivamente pois o insucesso de uma empresa pode
penalizar sua vizinha e respectivos consumidores. Principalmente as grandes
empresas têm compromissos importantes, transcendendo seus interesses.
Atualmente o governo federal tem proposto o uso da grande malha de transmissão
de energia elétrica a custos reduzidos, procurando viabilizar o uso de fontes
de energia distantes dos centros de carga. O SINTREL tem bases aceitáveis se o
prejuízo for do povo. E no ambiente de empresas privadas, como ficará?
Uma grande questão nessas mudanças é saber exatamente qual
será o papel da ELETROBRÁS. Tudo indica
que ela limitar-se-á a gerir aquilo que não puder ser privatizado por força de
lei, ITAIPU e Angra dos Reis. De acordo
com a Comissão Interministerial de Desestatização, a ELETROBRÁS cuidará dos
estudos de inventário de engenharia e ambientais, necessários à licitação de
novas usinas; administrará os instrumentos de financiamento setorial;
gerenciará o SINTREL; controlará o sistema de transmissão de energia de responsabilidade
de suas coligadas, até a implantação de um novo modelo ou a privatização da
malha. Caberá ainda à ELETROBRÁS coordenar e supervisionar a integração do
planejamento da expansão do sistema de geração e transmissão de energia assim
como promover a pesquisa e desenvolvimento tecnológico nessa área. Essas
diretrizes poderão ser modificadas à medida que apresentarem problemas ou
outras conveniências.
O DNAEE deverá fortalecer-se pois suas atividades crescerão
muito com a privatização. A multiplicação de empresas e as questões que deverão
ser tratadas com mais rigor político exigirão muito do DNAEE e da ELETROBRÁS.
Os futuros empresários da área energética deverão
conscientizar-se da responsabilidade que estarão assumindo. Entre elas existirá
a necessidade de enfrentarem agressões
técnicas. É muito fácil, extremamente fácil, qualquer espécie de
sabotagem em empresas de energia elétrica. Isso significa a necessidade de
formação pacífica e inteligente das novas empresas, que venham a assumir os
espaços das antigas estatais. A privatização deverá ser acompanhada de intensa
negociação. Ao contrário do setor siderúrgico, onde o funcionamento ou não das
empresas era algo totalmente distante da maioria do povo, o mau desempenho de
concessionárias de energia, água e esgotos, telecomunicações e transportes é
algo que agredirá muitos usuários e consumidores. O empresário que assumir a
responsabilidade de formar e operar empresas concessionárias em áreas já
existentes deverá ter competência . É verdade que o governo federal está
fazendo o possível para desmoralizar suas estatais. Cortando crédito, segurando
salários, viabilizando greves, perdendo qualidade joga o povo contra suas
empresas (elas pertencem ao povo e não ao presidente, governador ou prefeito) .
Mas a vigilância será severa. Poderemos voltar às épocas já distantes de
campanhas contra as empresas. O mau desempenho
das concessionárias à época denominadas LIGHTs, Cias. de Força e Luz e
outras elegeu muita gente...
As empresas a serem formadas, além de procurarem o apoio de
antigos profissionais das companhias anteriormente responsáveis, deverão
procurar na tecnologia e informática o outro grande suporte. Até por
conseqüência da malfadada “Lei da Informática” há um espaço fantástico de
sucesso, de ação dentro dos computadores modernos. Com esquemas pré-montados,
já no primeiro minuto, a cibernética poderá ser a grande ferramenta de
racionalização e controle das atividades a serem assumidas. Automação de
processos, sistemas de informação e
controle poderão ser estruturados antes da entrada da nova empresa. A
transferência de responsabilidades à nova equipe deverá encontrá-la aquecida,
equipada. Isso será cada vez mais fácil à medida que grandes empresas, formadas
para disputar essas concessões,
adquirirem experiência e recursos para o desafio de operar outras
concessionárias. A privatização não poderá ser a simples transferência de
propriedade. Espera-se mais eficácia. Como? A visão, livre das amarrações das
estatais, emburrecidas por mais de dez anos de mediocridade monumental, com
certeza enxergará grandes espaços de otimização. Mas por efeito do próprio
processo, essas novas empresas não poderão perder tempo. Deverão começar
produzindo e cabendo dentro das tarifas e projetos conquistados.
As futuras companhias dedicadas à exploração de serviços sob
concessão terão que considerar: tecnologia, cultura, informática/automação,
racionalização, mídia e política.
Dentro da tecnologia, como empresas privadas, poderão fazer
sem grandes embaraços convênios e outras espécies de acordos com universidades,
indústrias e laboratórios independentes. Nesse espaço fantástico o Brasil
poderá dar um grande passo rumo ao desenvolvimento tecnológico. Atualmente, pela inapetência,
burrice e restrições legais idiotas as concessionárias pouco contribuem para o
desenvolvimento científico e industrial do Brasil. Uma bela e produtiva exceção
foram a TELEBRÁS e a PETROBRÁS. Apesar dos vícios deploráveis da reserva de
mercado, muitas indústrias puderam se desenvolver graças à simbiose tecnológica
em que viveram com a indústria nacional e universidades.
O desafio é recriar ambientes férteis sem os defeitos da
reserva de mercado. Isso é possível dentro do espírito da iniciativa privada
porque nenhum acionista está disposto a perder dinheiro. Ele cobrará
resultados. Na conveniência de todos, essas novas empresas deverão procurar
suporte tecnológico, até porque estarão agindo em setores de alta tecnologia,
em instalações sofisticadas, exigentes. Esse é um aspecto que convém enfatizar.
Competência técnica é absolutamente necessária para dirigir empresas com
grandes instalações operacionais, tais como usinas hidroelétricas de grande
porte, linhas de extra alta tensão etc. O risco de grandes acidentes existe.
Não haveria penalização que compensasse uma catástrofe. Assim há necessidade da
utilização de técnicas as mais avançadas
possíveis para a prevenção e correção de falhas. É infinitamente mais barato
prevenir do que corrigir acidentes em
instalações de grande porte tais como usinas de geração de energia elétrica,
subestações e linhas de extra alta
tensão. Para as barragens existirá o desafio da operação coordenada sob pena do
rompimento de algumas delas (O povo argentino não gostará nem um pouco de morrer
afogado porque resolvemos reduzir custos.). A operação do sistema exigirá a
revisão de muitos instrumentos atuais, feitos para empresas estatais com
tradição de entendimento e disciplina operacional.
A cultura das empresas a serem absorvidas será outro aspecto
delicado na privatização. Ambientes altamente politizados e com estilos
próprios de trabalho deverão ser assimilados pelos novos gerentes. Existe uma
grande diferença de uma indústria convencional, onde o novo proprietário pode
simplesmente fechar para balanço. Uma concessionária de serviço essencial não
pode parar. A mudança de estilos, de
diretrizes acontecerá fatalmente. Afinal é o que se espera em muitos estados.
Essa transformação, contudo, deverá ser inteligente. As empresas de energia são
grandes navios. Uma mudança brusca de rumo poderá quebrá-las.
Corre-se o risco do empresário predador. O povo deverá estar
atento para atuar juridicamente e politicamente ao primeiro sinal de
incompetência ou má fé. Não temos no Brasil grandes grupos com tradição
respeitável. A famosa Cataguazes Leopoldina mostrou em passado recente como
interesses empresariais poderão sobrepor-se aos da empresa e consumidores. A
negociação de duas usinas hidroelétricas sob seu controle há poucos anos, em
detrimento dos compromissos dessa companhia, é um exemplo de como conveniências
do empresário impõem-se aos da empresa. As novas companhias encontrarão um
Brasil amadurecido e funcionando. Não saímos de uma guerra desmoralizante, como
aconteceu à Argentina no início do governo Menen. Não vivemos sob o risco de torturas
e violências piores como era o ambiente
chileno no início de sua abertura política. O Brasil é um país sadio,
estamos em momento de grande consciência
cívica e de alta politização. A reforma da Constituição Brasileira acontece
porque a de 1988 foi o produto de fantasias e inconsciências danosas ao país.
Aprendemos. O povo evoluiu. A tendência é tornar-se mais exigente. Neste
cenário a privatização não poderá ser leviana, açodada, mal sucedida. Isso
acontecendo teremos um processo de radicalização. As teses mais estatizantes
voltarão com todos os riscos institucionais. Felizmente dentro das estatais
existe muita gente boa, que veste a camisa, que arrisca sua vida pelo sucesso
da empresa que lhe garante o salário. São indivíduos que estarão atentos ao
processo.
Outro aspecto importante é o grande volume de aposentados. É
um grande contingente de pessoas preocupadas com a continuidade das companhias
em que se aposentaram. Recebendo uma complementação salarial, dependem da
continuidade de Fundações.
Essas entidades têm atraído a cobiça dos banqueiros.
Campanhas têm acontecido tentando destruí-las. Elas são, contudo, a base da
sobrevivência de dezenas ou centenas de milhares de brasileiros. Muitas
dependem de contribuições da patrocinadora para honrar seus compromissos. A
maior parte delas tiveram prejuízos em períodos de má gerência. Mas o interesse
no sucesso das fundações é grande, vital para muita gente. Assim a vigilância
será grande. A moleza da privatização do setor siderúrgico não se repetirá na área
energética.
Na estruturação das novas empresas a utilização plena dos
recursos de informática e automação será um grande fator de sucesso ou
decadência das empresas a serem formadas. O que se vê é a percepção parcial
desse recurso. Poucos dirigentes sabem fazer uso adequado dessa ciência. A
própria imagem construída é precária. Não são “cérebros eletrônicos” mas
equipamentos que automatizam processos, facilitam cálculos e estudos e que
dependem mais do que nunca da existência de equipes bem treinadas. As futuras
empresas concessionárias deverão ter um sólido e competente núcleo de “experts” em computação e automação. Em torno
desse time as empresas poderão ser modernizadas, operacionalizadas. No entanto,
por melhor que sejam, dependerão das equipes “de casa” pois as informações são
privilégios deles.
A racionalização das empresas e serviços será o grande
trunfo dos novos gerentes. Sem compromissos com o passado, dentro de um
ambiente menos formal e amarrado a leis burocratizantes, muito poderá ser feito
para maior sinergia e produtividade.
A mídia será a grande arma de contato com o povo. As novas
empresas deverão ser competentes na formação de imagem. As concessionárias
atuais perdem muito nesse aspecto. Seus trabalhos de comunicação social servem
prioritariamente à formação de imagem de governo e não à promoção da empresa.
Assim haverá um ganho na priorização da concessionária. De qualquer modo muito
dinheiro deverá ser gasto permanentemente na formação de opinião. Toda empresa
está sujeita a acidentes. Falhas operacionais em certos setores significam
prejuízos consideráveis a consumidores. O “Código de defesa do consumidor” é
uma arma poderosa. A ação política contra a mudança de “status” das empresas
será inevitável. Assim o trabalho de convencimento popular será vital à
aceitação das mudanças. Esse processo deverá acontecer para dentro das empresas
também. Técnicas de comunicação e convencimento deverão ser usadas eficazmente
pelos novos gerentes. Estruturar essa atividade será um grande desafio dos empresários,
que resolverem assumir o comando de concessionárias de serviços públicos. Ela
será vital ao sucesso da empreitada.
No passado as concessionárias de energia foram “cavalo de
batalha “ de muitos políticos. Por efeito de campanhas sistemáticas o Governo
Federal impôs restrições às empresas a partir do fim da “tarifa - ouro” em 1933
até a inviabilização das concessionárias existentes, culminando com a
estatização do Setor Elétrico. O Brasil poderá repetir este circuito se não
houver competência.
Será interessante ver como a política afetará as novas
empresas. Não é óbvio que essas companhias estarão livres de influências
políticas negativas. Elas serão transformadas em “caixas de campanha” e cabides
de afilhados políticos? Os futuros empresários escolherão o caminho fácil do
aliciamento político ou procurarão investir nas empresas? Infelizmente há
exemplos ruins de empresas concessionárias privadas, que optaram pelo processo
político como uma forma de aumentar tarifas e reduzir a qualidade dos serviços. O transporte coletivo urbano de muitas
cidades brasileiras é um bom exemplo desse comportamento. Infelizmente nossos
comunicadores não são pagos para denunciar as mazelas dos usuários do
transporte coletivo. Aliás eles nem sabem o que é isso. Não usam o transporte
coletivo. São comentaristas de problemas
e veículos sofisticados...
O processo político e a função social das concessionárias de
energia imporão a essas empresas projetos de rentabilidade negativa. Seria de
todo prudente negociar com o governo a continuidade dos projetos políticos
antes da privatização. Muitos países criaram subsídios para esse tipo de
programa. Não interessa às empresas abandonar os projetos de atendimento à
população de baixa renda e aos consumidores rurais. Nessas áreas existe o
compromisso moral e técnico de atendimento. Sendo feito com sucesso ganha-se
muito em apoio popular. Por tudo isso deve-se equacionar essa questão de modo a
poder-se atender bem a todos os consumidores. Essa é uma questão política e
social que poderá estar fora do alcance mental dos executivos a serem
encarregados de gerir as novas companhias mas extremamente importantes nessa
fase de transformações institucionais.
O grande trabalho será fazê-lo com qualidade e a baixos
custos. Esse desafio óbvio mas pouco compreendido por muitos exigirá
competência. A consolidação da proposta privatista dependerá do sucesso. Em
algumas áreas os desafios serão grandes. No setor elétrico o maior será
enfrentar riscos de racionamento crescentes.
16. A
privatização e a normalização das contas
brasileiras
O Brasil precisa normalizar suas contas para poder retomar o
desenvolvimento e resolver grandes problemas sociais. A inflação e a miséria
são fatores de instabilização de uma nação que tem tudo para crescer e gerar um
ambiente saudável, decente. O valor das estatais é da ordem de dezenas de
bilhões de dólares, dinheiro capaz de alavancar a economia e valioso na solução
de muitos problemas que afetam a nação. Apesar de todo esse dinheiro não ser
suficiente para pagar os juros da dívida pública em um ano, afinal somos o país
da agiotagem, são grandes para dar partida a um imenso programa habitacional, a
recuperação dos sistemas de transporte e de saúde e outros projetos
Não podemos esquecer que um povo bem alimentado, com seus
problemas básicos resolvidos, votará melhor. Ao superar a barreira de suas
necessidades fisiológicas básicas, em especial aquelas que lhe garantam a
sobrevivência, o cidadão terá olhos para outras questões. Se queremos ver o
Brasil como um país livre, decente e inteligente precisaremos garantir a seu
povo saúde física e mental. O valor das estatais, transformado em recursos para
a solução dos problemas básicos da nação, dar-lhe-á outro padrão, marcará o
início de uma nova fase.
A dívida tem um aspecto importante de ser notado. Até um
certo tamanho ela é pagável, suportável. Há uma faixa em que ela imobiliza,
impede a realização de novos projetos. A pior é quando foge ao controle, cresce
sem parar, quebra o devedor. Felizmente o governo brasileiro não gerou sua
dívidas em guerras. Ela cresceu na formação de grandes empresas, na implantação
de uma grande infra-estrutura. O Brasil, sendo um país de dimensões
continentais, não oferecia rentabilidade mínima necessária à viabilização da
maioria de seus serviços de base. Assim, com empréstimos, impostos e uma
distribuição de renda danosa a grande parte de nossa população construiu-se o
que hoje temos. Agora grande parte dessas empresas podem ter receita suficiente
a se auto financiarem, além de garantir
lucro a seus acionistas. Precisam de competência e honestidade. Têm grande
valor, podem ser alienadas gerando recursos para aqueles serviços que foram
abandonados. Poderão financiar programas na área industrial e agrícola. O
governo poderá extrair daí recursos para a reforma agrária e um grande programa
habitacional, por exemplo.
A grande questão será a forma e a valorização dessas
empresas. Há situações que tiram o valor de nossas concessionárias. Um aspecto
negativo é o poder que o governo federal tem de mudar as regras do jogo a
qualquer momento. A situação atual inviabiliza as estatais como foco de
investimentos a longo prazo. Quem arriscará seu rico dinheirinho em uma empresa
de baixa rentabilidade e sujeita a grandes períodos de prejuízo porque o
governo candidamente resolveu congelar tarifas? Nas bolsas de valores só
veremos especuladores selvagens. Para esses aventureiros a desordem é ótima.
Ela viabiliza golpes, facilita esquemas. O pior é que nosso povo não percebe a
maldade, a sutileza desses grupos. Ele financiam campanhas, dominam a mídia e
estimulam o comportamento de risco das grandes aventuras. O problema é que a
área de energia elétrica, por exemplo, não pode ficar à mercê de especuladores.
Ela deve ser atraente, cativar investimentos mas ter estabilidade suficiente
para garantir o desenvolvimento do setor.
No Brasil atual, os trouxas, que compram ações pensando nos
dividendos, estão desperdiçando suas economias. Enquanto o Presidente da
República tiver o poder atual o Brasil estará condenado ao atraso. Não temos
Justiça capaz de impedir arbitrariedades, o Congresso vive a reboque de
conveniências pessoais e os aprendizes de feiticeiro de Brasília inviabilizam o
desenvolvimento sadio do país. O erro não é desse ou daquele presidente. Mesmo
que tivéssemos o melhor presidente, o risco de mudanças bruscas torna a
participação em empresas concessionárias uma loucura. Nossa Constituição
Federal e todo o arcabouço legal precisam de ajustes significativos de modo a
garantir a estabilidade necessária à iniciativa privada. Nós nos habituamos aos
regimes de exceção onde o grande chefe decide tudo. Em um ambiente democrático
é importante a estabilidade e divisão dos três Poderes. Não podemos ficar
dependendo dos humores de qualquer indivíduo, principalmente os mais poderosos.
A instabilidade institucional crônica do Brasil precisa ser
corrigida com urgência. Precisaríamos seguir os bons exemplos gerados pelas
nações mais racionais. A formação de uma Constituição Federal inteligente, a
reestruturação da Justiça e correção de suas lógicas assim como de todo o
cenário técnico brasileiro são necessários à otimização do processo de
privatização e convivência com os futuros aristocratas. Tanto os empresários
precisam de estabilidade para assumirem os riscos de seus investimentos quanto
o cidadão comum deverá ter força para fazer valer seus direitos. O processo
democrático precisará ser fortalecido, tornando-o tanto quanto possível sem
dependências dos mais ricos e menos sensível à demagogia.
Nessas condições as empresas concessionárias de serviços
públicos ganharão valor. Serão investimentos atraentes para os bons
investidores, para aqueles que têm nesses serviços a razão de ser.
Nesse processo de alienação de bens públicos é vital a
valorização das estatais antes da venda de suas ações. O Congresso deveria
definir um valor mínimo em cada negociação. Precisamos ter certeza de que está
acontecendo algo justo, sadio. Não podemos esquecer que a venda de empresas
concessionárias a estrangeiros, que não apliquem aqui os seus lucros,
representará a obrigação da remessa de lucros, ou seja, da necessidade de
geração de divisas para compensação desses investimentos. Dependendo da relação
entre capital aplicado e divisas a serem exportadas, teria valido mais a pena
obter-se empréstimos para a manutenção dessas empresas. O Brasil tem fronteiras
e dentro do esquema de sustentação da moeda arriscamo-nos a gerar pressões para
desvalorização, exportações crescentes e inflação mais miséria.
O valor em bolsa das estatais brasileiras sofre com a falta
de política tarifária. Essa omissão criminosa é incompreensível. Investimentos
de dezenas de bilhões de dólares acabam não valendo nada porque o investidor
ganha apenas na especulação. As empresas não gerando lucros, acumulando
prejuízos tornam-se péssimos investimentos. Esse problema agrava-se com a má
administração da maioria delas. Muitas com executivos alienados dos interesses
das empresas que comandam têm desempenhos ridículos. A corrupção é rotina
apesar de não ser atualmente o maior problema. A vigilância da imprensa e dos
partidos de oposição ao governo criam pressões saneadoras ( viva a democracia !
). Não pagar contas entre empresas estatais e entre elas e prefeituras,
repartições públicas virou uma norma em muitos estados. Principalmente as
estatais de energia elétrica que atendem prefeituras, repartições públicas e
outras estatais encontram no calote institucionalizado um rombo em suas contas.
Na privatização preocupa-nos a ilusão da receita temporária.
Durante um tempo usufruindo as divisas adquiridas com a alienação de suas
empresas gasta-se, importa-se artigos supérfluos, transfere-se serviços para
fora do país. Se o dinheiro obtido não gerar empregos, exportações maiores e
saldo positivo nas contas internacionais o país terminará o processo de
privatização sem um enriquecimento saudável. Não temos força política nem
prestígio para arrancar benefícios à semelhança dos planos de apoio de pós
guerra. Falta-nos também base para aproveitar recursos dessa espécie. Não temos
grande tradição industrial. Nosso povo precisa de recursos para suas
necessidades básicas, entre elas obter instrução. Os sobreviventes da Segunda
Grande Guerra na Alemanha, França, Itália e Japão tinham formação técnica,
profissional e disciplina para se reerguerem das cinzas. E nós? faríamos
procissões e festas?
Os exemplos do México e da Argentina são muito importantes
para serem ignorados. Até agora as explicações não convenceram ninguém. O
“modelo” tão carinhosamente defendido por muitos iluminados derrubou a
soberania desses países, gerou problemas sociais consideráveis e não mostra
sinais de luz ao “fim do túnel”. O poderio crescente de megaempresas nacionais
ou multinacionais não nos interessa. É uma realidade perigosa. Podemos ter uma
vida mais simples mas com leis que defendam nosso povo, vendo-o viver com
dignidade, bem alimentado, tendo onde morar e com saúde. Não podemos esquecer
que o Brasil produz meia tonelada de cereais por habitante e por ano. Por que a
fome?
A privatização poderá ser um grande salto em direção a um
futuro saudável mas exige cuidados. Não poderá ser feita açodadamente. O grande
patrimônio acumulado nas estatais estimula a fome de muitos. Colocá-lo a
serviço do enriquecimento ilícito seria uma grande falta de inteligência. O
Outro risco é a geração de uma classe dominante extremamente poderosa. Sem a
concorrência dos empregos públicos esses grandes empresários passariam a
governar ideologicamente nosso país. Não temos uma Justiça capaz de defender o
cidadão mais humilde. Nossas leis perdem-se em fantasias e artifícios que
inviabilizam o suporte legal nas questões que nos afetam diariamente. Os
monopólios em mãos avarentas serão transformados em instrumentos de exploração
do povo e de perda de soberania.
Um aspecto delicado no processo de privatização é ver o
discurso da falta de recursos, da necessidade de dinheiro para os programas
sociais, da falência do estado, e o governo gastando fortunas para sustentar o
capital especulativo. Principalmente a União carece de coerência quando vemos a
viabilização de importações desnecessárias ao desenvolvimento do país a custa
de dividendos extremamente valiosos, adquiridos a custa da exportação de
alimentos, minérios, madeira e produtos necessários ao conforto de nosso povo.
Algo está errado. Acadêmicos de escolas de economia dominaram o Brasil
transformando-o em espaço de grandes negócios e território de miséria. O final
de 1994 foi especialmente desastroso. Nosso governo assinou acordos comerciais
criminosos. Reduzimos alíquotas de importação de produtos perfeitamente
dispensáveis. Por quê? O resultado foi vermos recuos desmoralizantes. Em 1996
vimos o Brasil captando divisas e pagando juros absurdos por esses dólares
necessários à importação de automóveis, tratores, tecidos, bebidas e muitas
outras coisas que poderiam ser feitas no Brasil ou eram produtos supérfluos.
Pagamos mais de 30 bilhões de dólares por ano para termos reservas voláteis.
Todo o dinheiro que o governo federal pretende obter com as privatizações não
cobre um ano dos juros dessas reservas estranhas. Qual é a lógica?
Os gestores de nossa economia precisam pensar um pouco mais
sobre o que é dinheiro, o que representa, como é formado. Entre nações não
existe altruísmo. Há interesses e quanto mais agressivos, mais serão aplaudidos
por suas populações. Precisamos ter competência e capacidade de fugir desses
figurinos burros ou desonestos.
Precisamos combater a inflação interna. Evidentemente a
abertura de fronteiras contribui e muito para este propósito. Não podemos,
entretanto, inviabilizar nosso país. Não temos ainda condições de gerar
tecnologia e faturar em cima de serviços. Desperdiçamos muito dinheiro e não
criamos uma base inteligente. Nossas universidades são pouco mais que
aglomerados de salas de aula. Pesquisa é assunto raro e nosso sistema de
registro de tecnologia pede para não ser usado. Ficamos dependendo da
exportação de produtos primários para a sustentação dos luxos da burguesia.
Assim facilitamos importações de países com trabalho escravo.
Os negócios com outros países devem ser vistos de forma
integral. Qual é a remuneração e benefícios indiretos de um trabalhador chinês?
tailandês? de Formosa? vamos viabilizar a escravidão? assim, na abertura de
fronteiras nossos trabalhadores deverão ter consciência do que perdem e ganham
ao se submeterem a concorrências nem sempre justas.
A privatização das empresas estaduais e municipais, contudo,
tem uma razão adicional importante. Seus maiores acionistas precisam de
dinheiro para investir e não para sustentar uma política econômica nacional.
Empresas capitalizadas e de grande atratividade empresarial poderão mudar de
mãos gerando recursos extremamente valiosos para seus antigos proprietários. E
é nos estados e municípios que poderemos ver com mais atenção os resultados
desse processo. As empresas que lhes servem têm como serem vigiadas por seus
clientes, estão diante de seus olhos. Principalmente as concessionárias estão
sujeitas a padrões de qualidade que, sendo estatais, desrespeitam porque não há
a quem recorrer. Privatizando-as os políticos poderão com mais propriedade e
justiça exercer abertamente o direito da crítica. Serão os fiscais que o Brasil
precisa. Não sendo parte do processo administrativa dessas empresas terão mais
isenção para avaliá-las. Como empresas privadas não serão instrumento de
desastres como o foram as companhias estaduais paulistas. Se essas empresas
estivessem em mãos da iniciativa privada, não estaríamos hoje, todo o povo
brasileiro, obrigado a pagar suas contas. O Banespa serviu como desculpa para
as soluções incrivelmente paternalistas de muitos bancos privados.
O poder público sem a estatais não terá como fugir dos
orçamentos, da receita tributária, do controle severo de contas mais simples.
17. Concessões de energia
Serviços que representam monopólios naturais são entregues à
exploração de empresas ou governos menores por efeito do que chamamos
“concessão de exploração”. A distribuição de energia elétrica é um bom exemplo
do que vem a ser uma concessão. O governo, no Brasil é o federal, dá uma
autorização a uma empresa para em um prazo determinado distribuir energia
elétrica entre consumidores. Isto fica sujeito à fiscalização de um órgão
concedente ( DNAEE ), instrumento do poder maior. Tarifas e padrões são
definidos pelo governo, que concede essa autorização de serviço.
No Brasil alguns serviços foram monopólios constitucionais
de empresas federais ou governos estaduais e outros delegáveis por concessões a
critério do poder concedente. A Petrobrás tinha o monopólio constitucional da
pesquisa, exploração e refino do petróleo no Brasil. As empresas de energia
elétrica são concessionárias sem restrições constitucionais quanto à sua
natureza, se privadas ou estatais. Principalmente durante o período militar em
que o Brasil teve um plano estratégico para a energia, formaram-se as grandes
empresas hoje existentes. Algumas com responsabilidade regional, as estaduais
distribuindo energia, cada uma em seu estado, e outras de caráter especial ,
como é o caso de Itaipu, uma binacional. Na expectativa do sucesso de nossos empresários
grandes investimentos foram feitos. A recessão provocada pelas crises do
petróleo, a corrupção e grandes falhas estruturais internas levaram à
paralisação de algumas dessas empresas, que agora amargam o prejuízo e a
desmoralização de inúmeras obras inacabadas.
No plano energético o fato mais extravagante foi o Acordo
Nuclear realizado com a Alemanha. Sonho alucinado de poder levou o Setor a uma
série de compromissos, que acabaram por enterrá-lo em contas impagáveis.
Lamentavelmente as empresas de energia levaram o ônus da culpa da realização de
obras, que nenhum profissional honesto recomendaria. Decisões políticas de uma
época autoritária hoje contribuem para desmoralizar o que poderia ser um grande
instrumento dos governos democráticos, as empresas estatais.
Antes de outras análises convém notar diferenças e
resultados esperados na forma de oferecer um serviço essencial e sujeito a
concessão. No Brasil tivemos até a edição da Lei 8631 de 1993 o benefício da
rentabilidade garantida para a concessionária. Infelizmente a anarquia
provocada pelo processo inflacionário fez com que a contenção tarifária
acontecesse em diversos períodos. Isso gerou uma conta a ser paga pelo Tesouro
Nacional ou pelos consumidores em futuros ajustes de tarifas. Optou-se por
acabar com este déficit em um ajuste único estabelecido pela Lei 8631 citada
para o setor de energia elétrica. As empresas aceitaram os acordos. Iniciava-se
um período de estabilidade importante. O resultado foi uma elevação substancial
do valor das ações dessas empresas, credibilidade e retomada de investimentos.
Infelizmente pressionado principalmente pelo “lobbie” das eletrointensivas o
governo federal recuou. De uma forma vergonhosa partiu para um novo período de
congelamento tarifário. Sob a alegação de que as empresas não eram eficazes, o
que não deixa de ser verdade em muitos casos, penalizou a todas. Paralelamente
a lei 8631 foi atingida pela medida provisória que implantou o Plano Real,
consolidando o congelamento e os apertos no crédito. As propostas para
concessões de serviço tiveram sua base aprovada em cima do projeto de lei do
deputado José Carlos Aleluia. Sob muita pressão o governo federal emendou essa
lei estabelecendo condições de prorrogação de concessões e maior respeito às
empresas. Restou, entretanto, o discurso maldoso e até rancoroso contra as
concessionárias de energia. Talvez pelas origens dos principais líderes,
representantes de estados ( Rio Grande do Sul e São Paulo ) onde suas empresas
foram muito mal vigiadas, pessimamente administradas, esses deputados e
senadores entenderam que no Brasil inteiro o cenário era o mesmo e todos caíram
na campanha facciosa e desonesta visível em nossos programas de televisão e nos
principais jornais e revistas nacionais. Artigos cuidadosamente escritos vêm
apresentando afirmações erradas ou mentirosas. Podemos imaginar muita
incompetência por parte desses profissionais da notícia ou desonestidade das
mais perigosas pois procuram induzir os leitores contra estruturas, que foram
construídas para servi-los.
A nível mundial estabeleceu-se o conceito de concorrência na
prestação de serviços públicos, criando-se artifícios para fuga de situações de
monopólio na esperança de redução de custos a nível de consumidor. Os países
mais ricos, já com seus recursos naturais saturados e sem necessidade de
grandes incrementos na produção de energia modificaram seus sistemas
institucionais. A concorrência diminuiu investimentos mas permitiu maior
justiça no uso da energia disponível à medida que, promovendo competição entre
empresas, elas foram obrigadas a reduzir seus custos e fornecer seus produtos a
preços menores. E nos países em desenvolvimento? a diminuição da atratividade
em investimentos na área de energia aliada à inconstância institucional típica
de nações sem maturidade política e moral levará seus países a terem recursos
apenas para projetos especiais. Quem investirá para atender a eletrificação
rural? aos consumidores de baixa renda? nos projetos pioneiros? o que vemos no
Brasil é uma corrida de grandes indústrias às fontes de baixo custo ainda não
exploradas. E o mais interessante é que partem para consórcios entre elas
usando recursos do BNDES ( PIS-PASEP e Fundo de Amparo ao Trabalhador ). Os
grandes empresários brasileiros têm o hábito histórico de só arriscar o
dinheiro do povo. Quando quebravam geravam uma nova estatal, administrada a
partir daí pelo BNDES ou equivalente regional. Agora dizem que as estatais não
prestam...Os grandes centros consumidores brasileiros também terão fôlego para
disputar os aproveitamentos disponíveis em outros estados. São Paulo precisa da
energia em potencial do resto do Brasil. Para tê-la necessitará de um SINTREL
amigável, do BNDES e da tolerância dos estados na alienação de recursos, que
poderiam servir ao seus próprios desenvolvimentos. O artigo 21 da Constituição
Federal, que estabelece a necessidade de articulação com os estados na
concessão de direitos de exploração para fins energéticos do potencial
hidroelétrico, é ignorado pela grande maioria de nossos políticos. O estado do
Paraná, de uma forma lúcida, contém em sua constituição a necessidade de
aprovação pela sua Câmara Legislativa
para a construção de qualquer
barragem em seu território. Esse tipo de atenção todos deverão ter sob pena de
ver mais este fator de competição desaparecer sob o peso enorme dos grandes
estados.
A grande mídia, contudo, divulga a necessidade de
“modernização” da Constituição Federal. Entenda-se por modernização tudo aquilo
que reduza o poder político e administrativo do povo. Quem lucrará com esse
processo ? com certeza os estados mais fortes, as populações mais conscientes,
os grandes grupos econômicos. O imperialismo existe não apenas entre nações mas
também entre regiões. No Brasil este é um fato político muito claro. A
redefinição constitucional dos direitos de concessão poderá ser pernicioso aos
estados mais frágeis.
Infelizmente
a Constituição Federal de 1988 teve falhas que levaram ao descrédito a
estrutura atual. A pior foi a concentração em Brasília de decisões que não lhe
seriam pertinentes diante do gigantismo do Brasil e de suas peculiaridades
regionais, especialmente as culturais. No caso da energia criou-se uma situação
em que o órgão concedente e fiscalizador ( DNAEE ) estabelece tarifas . Água e
esgotos ficaram a nível de estados. O resultado foi a falta de eficácia na
normatização, fiscalização e , o pior, a inadimplência. O custo da energia
estabelecido pela União acabou não sendo suficiente para cobrir em muitas
concessionárias o custo de outros serviços, que simplesmente não eram cobrados
por falta de vontade política dos governadores. Eternos candidatos, conscientes
que seus períodos são de apenas quatro anos ( sem reeleição ), têm a
irresponsabilidade de transferir para seus sucessores contas crescentes de
energia. Essa centralização funcionava sem problemas durante os períodos não
democráticos pelos quais passamos. O governo central tinha autoridade para
fazer cumprir o que estabelecia. Em nossa frágil democracia, contudo, a
ausência de uma Justiça eficaz torna nossas leis inúteis e o cidadão comum
pouco mais que reclamar pode fazer.
Dentro de
nossa realidade o ideal seria deixar com os estados a administração de seus
recursos energéticos e definição de tarifas da energia produzida por seus
investimentos. A União deveria limitar-se aos casos de conflito entre estados,
servindo de árbitro e apoiando a Justiça no que fosse necessário. Evidentemente
os aproveitamentos de fronteira do país teriam a participação da União mas
sempre respeitando a autonomia de cada unidade federada. A centralização de
poderes administrativos em Brasília é prejudicial ao país. Cada estado tem suas
riquezas naturais e potenciais de desenvolvimento. Deixá-los livres e
estimulá-los a ter criatividade, responsabilidade e competência será saudável a
todos.
Infelizmente
nota-se que as reformas constitucionais ( eternas ) tem aumentado o poder de
Brasília em detrimento dos estados. É difícil entender esse espírito
entreguista da maioria dos governadores. Talvez os estados mais pobres esperem
obter mais recursos entregando-se à União. Esquecem é que assim perdem
oportunidades de encontrar soluções próprias para seus problemas. Os que fazem
leis estão acostumados às armações de gabinetes, vivem em um Mundo artificial,
ignoram e não têm interesse de entender as soluções reais para os problemas de
seus estados. Talvez assim atuem, muitos deles, para não perderem seus currais
eleitorais. Mais liberdade com responsabilidade é o remédio para cada pedaço do
Brasil.
O Brasil
precisa abandonar a idéia do estado paternalista. A visão poética de governo
capaz de tudo se honesto é utópica. Quem paga qualquer conta é o povo.
Precisamos acabar com transferências camufladas de recursos. Todos deverão
saber com clareza de onde vem e para onde vai o dinheiro. As concessões e suas
explorações têm sido instrumento de muitas artificialidades, que em nada têm
contribuído para maior eficácia e honestidade. Não podemos, por outro lado, ser
ingênuos. A famosa iniciativa privada procura lucro. Qualquer cidadão está
disposto a investir, a ter lucro com suas economias, a investir para ter
retorno de suas aplicações. Ninguém está a fim de caridade com suas economias.
Devemos entender que a privatização deverá vir acompanhada de instrumentos
severos de cobrança de resultados. Os contratos de concessão deverão ser de
domínio público e a Justiça deverá estar habilitada a agir com rapidez em
defesa do interesse público. Esse milagre é necessário à abertura da economia.
Estabilidade, justiça, competência técnica e administrativa são absolutamente
necessárias ao nosso desenvolvimento.
Na área
energética precisamos conservar com carinho o monopólio da Petrobrás na
prospeção e exploração do petróleo . Principalmente na plataforma continental (
sob o mar ) todo cuidado é pouco. As 200 milhas de soberania econômica
desapareceriam se em qualquer conflito mundial o abastecimento de petróleo às
grandes potências corresse perigo. Além disso as reservas mundiais do melhor
petróleo tendem a se esgotar a médio prazo. O petróleo é um recurso não renovável.
Toda a pressão será feita para colocá-lo à disposição dos mais fortes. Abrir
qualquer brecha nesta área será iniciar um processo de lesa pátria gigantesco.
Não podemos nos iludir quanto ao nacionalismo de países como os EUA , França ,
Japão e outros. Na disputa de interesses qualquer artifício será considerado
válido, se em defesa de seus interesses. O petróleo é motivo de atenção. Ainda
não encontraram substituto para ele. Toda a pressão em torno do crédito,
tarifas, patentes e outros é uma demonstração de que em política internacional
não existe amizade, ética ou respeito a qualquer direito. A ONU é uma farsa.
Serve para muitos debates e atividades cosméticas mas lá não existe uma
preocupação real com a Humanidade e sim o que fazer para aumentar o poder dos
mais poderosos. Preservar nossa soberania no que nos resta é importante.
Perdemos muito com a quebra dos anos 80. O Brasil dobrou-se à banca
internacional de agiotas. Aqui vieram prestimosos atender ditadores.
Emprestaram fábulas de dinheiro sem muitas perguntas. Agora cobram com dureza
dos povos que reconquistaram a democracia. Para as grandes potências nada
melhor do que ditaduras sedentas de armas de segunda linha, guerrinhas
regionais, projetos megalomaníacos, bondes e canhões para os índios...Agora
pedem a quebra do monopólio do petróleo como parte do programa de “ajuda” aos
selvagens brasileiros. E nossos apressados iluminados, que há pouco tempo se
locupletavam com as facilidades da ditadura agora apregoam a “abertura”
econômica como sinal de modernismo, palavra que rima com entreguismo. A
PETROBRÁS é o que nos resta como instrumento de autonomia econômica, garantia
de um insumo extremamente valioso para as próximas décadas. Não precisamos
produzir além do que temos no momento. Importar petróleo dentro de certas
proporções é uma atitude inteligente. Gradativamente a PETROBRÁS crescerá
cumprindo sua missão. A participação da iniciativa privada é válida dentro do
mercado acionário, minoritariamente. Servindo principalmente como auxiliar na
vigilância da probidade e qualidade administrativa. Nossa grande empresa de
petróleo poderá dividir lucros com quem quiser investir para seu
desenvolvimento, distribuindo rendimentos justos. O logotipo verde amarelo não
poderá ficar amarelo apenas ou muito menos vermelho e mais outra cor qualquer.
Devemos seguir o exemplo de países como o Japão ou a França que não renunciam
em hipótese alguma a sua soberania.
O quadro a seguir dá uma boa idéia do que significa ter
controle sobre suas reservas diante do consumo e reservas mundiais de óleo,
dados de 1991 e publicados pela “Oil & Energy Trends” de maio de 1992.
Quadro
: produção, reservas de petróleo
Este quadro
mostra muito bem a preocupação que os países mais ricos têm em relação ao
petróleo. Se lembrarmos a progressão do fundamentalismo islâmico nos países com
maiores reservas petrolíferas e as questões ambientais, entenderemos porque o
G7 luta para inibir o consumo de combustíveis e vende a idéia da
internacionalização da economia entre nós.
Os quadros
a seguir, com dados extraídos do “BP
Statistical Review of World Energy” de junho de 1993 ( reservas provadas
enquanto os dados do Brasil são reservas totais estimadas pela Petrobrás ),
mostram a fragilidade do Mundo não islâmico. Pode-se notar por esses quadros
que na época quase 70% das reservas mundiais conhecidas estavam em mãos
muçulmanas. Infelizmente o acirramento das questões religiosas poderá em algum
momento do futuro próximo gerar um bloqueio grave no abastecimento ao países
ocidentais. Entende-se aí toda a campanha para a quebra do monopólio da
Petrobrás e as pressões sobre o México.
Gráfico mostrando
reservas e expectativa de vida
O Brasil,
por estar há muito tempo fechado às empresas estrangeiras, tem muito espaço
potencial. Cada litro de produção é importante em momentos de crise. As fontes
diversificadas, distribuídas pelas Américas, evitam que algum governo crie
bloqueios perigosos. Além do petróleo explorado para refino normal há variantes
que terão sua importância na escassez. O que não poderá acontecer em hipótese
alguma será faltar energia.
Gráfico mostrando
porcentagem de produção e reservas de petróleo
A energia
elétrica também pode ser exportada na forma de lingotes de alumínio ou outros
materiais eletrointensivos. O controle da geração de energia e da sua
utilização será fator político e econômico vital no próximo século. O Primeiro
Mundo é inteligente bastante para fazê-lo de forma sutil. Teorias ambientais e
amarrações econômicas serão implementadas para submeter os povos mais
atrasados. Uma boa forma é a mudança nas formas legais, institucionais. Mudando
leis e adaptando-as aos seus interesses poderão ter os mesmos resultados que
antigamente conquistavam com as suas esquadras. O Brasil, que há vinte anos
tinha uma política altamente nacionalista, parte para uma filosofia ingênua,
entreguista. A troco de espelhinhos talvez percamos trunfos poderosos na
disputa do futuro. Os militares erraram confiando demais em pessoas que os
usaram para enriquecer-se. Nossos gerentes atuais estão equivocados ao
acreditar na fraternidade com as nações ricas e poderosas. Elas assim estão em
grande parte como conseqüência da exploração dos povos da América do Sul,
África e Ásia durante séculos, com o devido apoio de esquemas de cooptação,
corrupção e poder direto. É difícil de acreditar que agora ficaram boazinhas.
A reforma
da “velha” Constituição de 1988 encontrou nos deputados e senadores eleitos em
1994 o ambiente sonhado por muitos neoliberais nos melhores países do Mundo. O
governo eleito, em sua luta contra a inflação, manobrando inteligentemente a
mídia e a burrice crônica dos partidos de esquerda, conseguiu mudanças
inacreditáveis há poucos meses antes do início de 1995. O Brasil nunca mudou
tanto em tão pouco tempo. A aprovação dos projetos e medidas provisórias dentro
do espírito do Plano Real acontecessem maiores dificuldades que o tradicional
jogo de cena dos discursos inflamados e afirmações grandiloqüentes.
A questão
maior talvez seja aceitar ou não o monopólio de empresas privadas na área
energética. O monopólio estatal estamos conhecendo bem. Seus piores defeitos
poderiam ser : descontinuidade administrativa, despreocupação do poder político
com os resultados técnicos e financeiros das estatais, corrupção, empreguismo,
inadimplência, ineficácia. Os maiores defeitos dos monopólios privados poderão
ser : desinteresse em investimentos sociais ou de baixo retorno, desvio de
recursos para outras atividades, uso político do poder de seus serviços,
concentração de renda, aceitação de riscos excessivos. O lado positivo do
monopólio estatal poderá ser: subordinação a boas políticas, espaço democrático
de empregos, maior preocupação com o sucesso social. Na iniciativa privada
poderemos ter maior eficácia no atendimento ao público, integração industrial
com geração de empregos industriais, agilidade empresarial com solução rápida
de qualquer problema, atração de capital de risco.
Na área de
energia elétrica felizmente as mudanças estão dentro de um padrão inteligente e
capaz de realmente melhorar o desempenho do setor. A Lei 8.987/95 estabeleceu
uma regulamentação para o artigo 175 da Constituição federal com alguns pontos
corrigidos a seguir pela Lei ................/95. O lado negativo é a criação
de um novo imposto, camuflado como
18. O
direito do consumidor
Com a privatização há necessidade absoluta de informar e
instruir o consumidor sobre os seus direitos. Ele será o grande fiscal e deverá
ter o apoio de órgãos de fiscalização e regulamentação e, principalmente, da
Justiça.
Mas o que na área de energia elétrica deveria ser observado?
A dependência da energia elétrica e de sua qualidade cresce
sempre. As cidades verticalizam-se. É normal uma família residir no décimo ou
vigésimo andar de algum prédio. Como usar elevadores ou sair de uma garagem se
faltar energia?
Hospitais poderão ter agravamentos consideráveis se faltar
energia em certos setores de suas atividades.
Nas ruas a sinalização de trânsito depende da qualidade e
continuidade de fornecimento de energia em local em que existir um sinaleiro.
Indústrias param e podem levar seus proprietários à falência
se houver descontinuidade, variação de freqüência ou tensão de energia. O
desemprego, a perda de salários e outras questões surgirão com um serviço
precário de energia elétrica.
A definição e medição de grandezas são necessárias ao
controle do serviço. Assim devemos entender um pouco de probabilidade. Nosso
povo, com a liberação dos jogos de azar deve estar entendendo um pouco do que é
risco, chances de sucesso, possibilidade de ganhar ou perder. Há necessidade,
contudo, de se dar ensinamentos consistentes já nas escolas básicas sobre o que
é probabilidade. Qualquer serviço tem
uma probabilidade de atender ou não as necessidades do consumidor. Quanto maior
a qualidade, maior será o custo e esta relação não é direta, linear. Até um
certo nível poderemos dizer que a qualidade será tanto maior quanto mais se
investir no serviço, a partir de um certo ponto, contudo, o custo tende a
aumentar muito mais que a qualidade do serviço.
Nosso povo precisa raciocinar com tempo médio de manutenção
e tempo médio entre falhas. Vimos o discurso da simplificação de projetos,
equipamentos e instalações. A redução de salários, o enxugamento de empresas, a
terceirização. Tudo isto afeta o padrão de serviços prestados. Há necessidade
de vigilância e análises para se verificar o que o consumidor deseja e pode
pagar.
Infelizmente vivemos em um país que educou seu povo na crença
dos milagres, da distribuição de custos de modo a não se saber mais de onde vem
o dinheiro. Temos que energicamente transmitir o conceito de custo e
benefícios. Uma cidade quer ter suas ruas arborizadas? Deverá pagar um
adicional pelo acréscimo de custos de seus serviços de energia, água, esgotos e
iluminação pública. Não tem lógica um consumidor, que não usufrui esses
benefícios, pagar pelo conforto e fantasias daqueles que assim exigem ambientes
acima da média padrão.
Detalhes elétricos precisam ser mostrados ao povo. O que é
freqüência e como ela afeta os aparelhos em uso. A energia elétrica se
transmite por um movimento de elétrons através dos condutores, um movimento
oscilante que tem um a alternância fixa. Quando essa freqüência varia acima de
certos limites, teremos a queima de aparelhos, a perda de produção nas
fábricas, o atraso ou adiantamento de relógios e assim por diante. Nosso
sistema tem grandes interligações. Quando elas são perdidas durante um tempo a
freqüência terá variações que poderão ultrapassar limites suportáveis. Sistemas
isolados, de pequeno porte, normalmente têm padrões de regulação muito piores
que aqueles apresentados pelos grandes sistemas. A falta de investimentos em
transmissão e geração poderão deteriorar o excelente padrão atingido pelos
sistemas interligados brasileiros.
A perturbação mais facilmente perceptível é a variação de
tensão ou o desligamento. Nessas condições poderemos ter a queima de aparelhos
e perda de produção. Poucos consumidores exercem seus direitos exigindo
indenizações. Nossa Justiça está tão desacreditada que a maioria dos
brasileiros nem se dá ao trabalho de registrar queixas. A percepção desses
problemas, contudo, habilita o consumidor a cobrar seus direitos e fará com que
as concessionárias tenham mais cuidados.
Em países civilizados o custo das indenizações é comparado
ao dos investimentos, sendo fator decisivo na tomada de decisões pelos
concessionários. No Brasil, até por efeito de ser o próprio governo o
responsável pelas concessionárias e pelas nomeações do Judiciário, não se deu
atenção ao desenvolvimento efetivo de instrumentos de defesa do consumidor. Com
a privatização e separação de interesses poderá haver mais seriedade.
Infelizmente a concentração de poder econômico também viabiliza o poder de
corromper e manipular direitos...
Outro aspecto a ser transmitido ao usuário de serviços
públicos é o seu direito a ter segurança. As instalações não deverão oferecer
riscos de vida além dos mínimos inevitáveis. A falta de manutenção preventiva
deverá ser considerada falta grave. Qualquer acidente deverá ser motivo de
inquéritos promovidos por pessoas competentes e honestas, gerando punições e
compensações proporcionais ao delito. Nesse enfoque é surpreendente a omissão
das empresas seguradoras no Brasil. Principalmente elas deveriam estar
exercendo vigilância, verificando e promovendo ajustes. Como somos a terra dos
seguros compulsórios e é mais barato aumentar o custo dos seguros a procurar
reduzir o número de sinistros, assistimos à degradação de serviços sem qualquer
reação temível.
Tudo isso poderia dar a entidades de classe um significado
de existência. Os CREAs poderiam
tornar-se entidades úteis se abraçassem essa causa, a defesa do consumidor ,
diminuindo sua ênfase corporativa e cartorial ao cobrar o bom exercício da
profissão do engenheiro estariam sendo úteis à profissão e ao povo.
O Código de Defesa do Consumidor, criado por efeito do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, artigo 48, de nossa Constituição
Federal, deu origem a uma estrutura nacional que precisa ser conhecida e usada por todos, quando necessário. Os
Tribunais de Pequenas Causas e a Justiça tradicional, tudo representa um
conjunto de armas mal usadas e que serão extremamente necessárias e mais
efetivas com a privatização.
A desestatização afasta-nos do estado totalitário. Isto é
muito importante para a liberdade do cidadão. Exigirá, contudo, maior presença,
coragem e determinação na cobrança de seus direitos. Para exercê-los será
absolutamente necessário conhecê-los. A ignorância será perniciosa, prejudicial
a todos.
Mas como foi dito, a qualidade tem custos. Uma política
tarifária realista será absolutamente necessária. Evidentemente sem a lógica
das correções automáticas, com liberdade para ações disciplinadoras da economia,
dentro de uma freqüência que não estimule a fobia gerada pela famosa correção
monetária, um grande câncer brasileiro, a aplicação de tarifas justas é
essencial a aplicação de serviços de boa qualidade.
19. União e estados
O Brasil tornou-se um fato histórico e geográfico inédito na
América Latina. Graças a uma série de coincidências e em especial à vinda da
família real para o Brasil em 1808, fugindo dos franceses e aqui se instalando
com toda a estrutura do poder, transformou-se em um grande país. Ao contrário
da América espanhola, nós de origem portuguesa continuamos unidos. Não sem
lutas separatistas mas suficientemente coesos a ponto de chegarmos ao final do
século 20 com a convicção de que nunca nos fracionaremos em repúblicas
independentes.
Evidentemente de tempos em tempos uma ou outra região dá
sinais de descontentamento com a União. Razões existem para gerar
constrangimentos. O Sul do Brasil, de uma maneira especial, possui cultura
própria e muito diferente da existente no Nordeste, por exemplo. Esses
sentimentos separatistas agravam-se pelos critérios de distribuição de verbas e
discursos nem sempre agradáveis de serem ouvidos. Mas o sentimento de
brasilidade e diversas instituições nacionais, em especial as Forças Armadas,
contribuem para a manutenção do Brasil como um único país.
Um problema, contudo, é o poder que o governo federal tem
sobre diversas entidades administrativas e empresas regionais. Dentro de
diretrizes centrais os estados são
premiados ou penalizados por ações muitas vezes distantes das questões locais.
O pior é ser termo constitucional a forma de exploração dos recursos naturais
dos estados. A União decide como, quando, quanto e quem fará usinas
hidroelétricas, termoelétricas, transporte interestadual, exploração de postos
de combustíveis, telefonia etc. Em Brasília obtém-se o de acordo final para
muitas coisas que deveriam ser atribuições dos estados.
De novo nossa herança autocrática, ditatorial. Ela foi útil
à manutenção de nossa unidade mas acaba servindo a uma burocracia federal
prejudicial ao país. O resultado foi desastroso nesses últimos anos. Empresas
comandadas por pessoas mal qualificadas iniciaram e administraram
desastrosamente inúmeros projetos. Ainda na dependência da União para a
definição de tarifas muitas empresas abandonaram os mais elementares cuidados.
Cabia ao governo federal o ônus das decisões impopulares. Nos estados, a
empresas estaduais, em especial as de energia elétrica, assumiam dívidas e
serviços que acabaram por quebrar-lhes. O estado de São Paulo foi um que
maltratou suas estatais, criando no maior colégio eleitoral do país uma aversão
às estatais, que agora se manifesta em uma administração paulista em Brasília.
Esse problema também foi sentido em outros estados importantes como o Rio Grande
do Sul e Minas Gerais.
Assim chegamos a uma situação de rejeição, de repugnância ao
serviço público que inibe uma análise importante . Qual seria a finalidade de
um serviço público? por quê as estatais de energia, telecomunicações, água e
esgotos foram criadas? por quê não se desenvolveram quando empresas privadas?
como entender a exploração dos recursos naturais existentes em um estado?
As riquezas de valor turístico são de proveito exclusivo de
cada região assim como a fertilidade das terras, o clima, a topografia e a
cultura adquirida pelo processo de povoamento. Essas características naturais
ou adquiridas historicamente geraram pólos de riqueza que ninguém questiona.
Outros estados têm minérios, fontes de energia, mão de obra abundante mas essas
qualidades a União estabeleceu como de uso comum, com regras que beneficiam em
especial os estados mais ricos.
Infelizmente a falta de atenção para a importância da exploração de riquezas naturais em
benefício das populações locais não é percebido pelos seus políticos. Vemos
assim a legislação sendo corrigida de modo a viabilizar o transporte de energia
para os maiores centros a custos simbólicos. Impostos são acintosamente
cobrados a favor das regiões consumidoras em prejuízo das produtoras. Essas
ficam com o ônus da terra arrasada, dos parques compensatórios, das restrições
ecológicas porque os estados mais ricos já não têm o que preservar.
Na regulamentação do artigo 175 da Constituição Federal
perdeu-se a oportunidade de ajustes inteligentes. O espírito de império dos
gabinetes brasilienses venceu. Os estados permitiram mais esse avanço em seus
direitos naturais. As eletrointensivas trabalharam com muito sucesso nos
gabinetes do Congresso e ministérios. Os países mais desenvolvidos devem estar
felizes porque atuamos para reduzir os custos das eletrointensivas. Eles querem
importar energia na forma de lingotes e outros artefatos semi manufaturados. As
multinacionais aqui instaladas fazem bem o seu papel a favor dos países
maternos.
Mas a ação continua. Agora vem o discurso do modernismo. O
Brasil passa por um processo que vê a ignorância de ministros aliada às
pressões de megacapitalistas para a privatização acelerada de nossas empresas.
Na pressão por mais divisas, pressão gerada pela importação de uma quantidade
fabulosa de artigos de luxo ( de carros a bebidas ), o Brasil vai sendo
levado a vender suas estatais para obter
divisas. E nesse processo procura-se concentrar poder em Brasília e lá agir
para a alienação selvagem do patrimônio público. É mais barato corromper poucos
do que dezenas de vezes a mais se o poder fosse distribuído. Dividindo o botim
com banqueiros e investidores nacionais os grandes grupos econômicos
estrangeiros estão atuando para derrubar países como o Brasil, México e
Argentina apoderando-se a preço vil de instalações valiosíssimas, feitas com
uma política econômica dura em seus efeitos sociais. Há vinte anos dizia-se que
primeiro o Brasil investiria na formação de seu parque industrial, na
construção de uma grande infra-estrutura para esses negócios, depois iria se
preocupar com a distribuição de renda. Agora é o momento de fazer justiça.
Nosso povo não agüenta mais tantos sacrifícios. As transformações, o rendimento
desses anos de apertos deverão acontecer em benefício de uma nova proposta
social, mais justa e humana. Se a
alienação das estatais é possível e desejável, que isso aconteça com o máximo
de proveito ao povo. Cada cidadão brasileiro é acionista compulsório de suas
estatais.
A Argentina, primeiro país a entregar-se nessa última fase
de transformações, praticamente doou suas empresas a grandes grupos
estrangeiros. O mais interessante foi inclusive a aquisição de estatais
argentinas por empresas estatais francesas e espanholas. Lá fora as estatais
valem. Agora a Argentina não tem onde obter mais divisas. Caiu nas malhas do
FMI.
A situação do México é catastrófica. Dificilmente aquele
país readquirirá sua soberania. O ideal seria pedir a integração definitiva aos
EUA.
No Brasil temos nosso imperialismo interno. De forma
inteligente as leis são ajustadas para o fortalecimento contínuo dos estados
mais poderosos. O tratamento dado ao Banco do Estado de São Paulo é um exemplo
claro desse comportamento. Fosse o estado de São Paulo do nível de um estado menor e seu banco já teria
deixado de existir há muito tempo. A espada de Dâmocles pesa nas decisões
internas.
Tudo isso mostra a União avançando sobre os estados e os
estados mais poderosos usando esse processo para benefício próprio. É a eterna
Lei do Gerson em ação. A lei do mais forte é a grande realidade nesse jogo. O
que podemos fazer é chamar a atenção de nossos representantes para que lutem,
para que estejam vigilantes nesse processo permanente de agressão aos
interesses dos mais fracos.
A privatização de estatais federais afetará os interesses de
muitos estados. Poderá ser uma decisão excelente se os adquirentes forem
responsáveis, honestos e competentes. Afinal a incompetência e a desonestidade
têm sido companheiras de muitas administrações públicas. Poderá acontecer,
contudo, a apropriação dessas empresas por grupos econômicos mais interessados
em produzir alumínio ou qualquer outra coisa em terras distantes. Outra
hipótese é a da exploração predatória, sem os cuidados que as grandes
instalações merecem. Aí poderemos viver grandes desastres. As empresas de
energia, telecomunicações, água e esgoto exigem padrões técnicos severos. Os
futuros proprietários estão motivados a manter essa qualidade? A Justiça
brasileira não tem servido como instrumento coercitivo e de cobrança de responsabilidades.
A impunidade é diretamente proporcional à riqueza. E quem mais perderá com a má
gerência?
Um aspecto interessante é a preocupação de modificar a
legislação referente às concessões de energia. São Paulo praticamente esgotou
suas fontes baratas de energia elétrica. O que se faz então? propõe-se a
criação de uma malha de transmissão de custo simbólico, a licitação de
concessões, a participação da iniciativa privada com direito de uso exclusivo
de parte da geração a ser obtida. Que iniciativa privada? principalmente as
grandes eletrointensivas do eixo Rio de Janeiro - São Paulo - Minas Gerais. Os
estados perdem a oportunidade de usarem a energia local ( natural ) como “handicap” para seu desenvolvimento. A
União, devidamente encabrestada pelos grandes estados, dita as regras...Um bom
exemplo desses critérios é observar a precariedade das ligações rodoviárias e
ferroviárias do estado de São Paulo com os seus vizinhos. A qualidade reflete o
interesse estratégico desse estado em desenvolver seus vizinhos com maior
potencial de crescimento industrial, ou seja, nenhuma. Se alguma dúvida
existisse bastaria ver a luta de São Paulo para assumir a duplicação da BR 116
para nada fazer em seguida. Precisamos ser realistas. Não podemos ter ilusões.
Os estados têm que cuidar de si. Transferir para a União recursos e direitos é
entregá-los aos mais poderosos.
20. Economia, dinheiro, tecnologia e poder
O dinheiro, instrumento de troca de produtos, é o grande
símbolo de poder em tempos de paz. Inventado há cinco mil anos, tem assumido as
mais diversas formas. O valor, essencialmente sobre a credibilidade adquirida
em suas diversas formas, é negociado ou imposto pelos governos e exércitos.
Ouro e prata foram os metais mais usados como base de referência. Atrelados à sua
posse os países se desenvolviam, guerreavam e deterioravam. Na história da
Humanidade a descoberta de grandes minas de ouro ou prata foram momentos de
alavancagem da economia pois ofereciam àqueles, que tinham capacidade de
produção, algo que aceitavam em troca de seus trabalhos. Infelizmente essa
amarração mística também contribuiu para muitas recessões e retrocessos. O pior
talvez tenha sido a oportunidade de criação de profissionais que, dependendo da
mística dos metais, geraram e impuseram teorias usadas pelas grandes potências
para submeter os povos mais atrasados. Foi e é também instrumento de
escravização de muita gente. Nações com grande potencial de desenvolvimento
submetem-se aos padrões de Bretton Woods, aceitando placidamente orientações
duríssimas do grande chefe, o FMI. Muito disso também é devido à imaturidade
desses povos. Desmoralizaram-se em determinados momentos, caíram no garrote das
dívidas externas, aceitaram dólares para comprar armas, construir obras
megalomaníacas, sustentaram esquemas de corrupção e agora, perdida a soberania,
submetem-se a regras incrivelmente estúpidas.
O Brasil é um grande exemplo desse processo. Aceitou
avidamente os petrodólares oferecidos com tanta delicadeza pelos piores bancos
internacionais. Piores porque esses banqueiros, que não são idiotas, sabiam
muito bem o que faziam. Nossos “executivos” da época diziam que o importante
não era a dívida e sim administrá-la. Caímos no abismo quando os EUA,
combatendo sua inflação interna, elevaram os juros à estratosfera. Nossos
governos, vendendo e saboreando a idéia do “milagre brasileiro” não se
ajustaram às novas realidades. Sem exércitos para negociar contratos, quebramos
e mergulhamos em uma recessão brutal. O mais incrível era ver, mesmo nessa
época, a insistência em projetos ridículos. Há poucos anos o governo federal
dava suporte para inúmeros projetos de bonde. Bilhões de dólares seriam gastos
para acrescentar muito pouco aos sistemas existentes. O programa de construção
de usinas é um bom exemplo desse paradoxo. Com dezenas de obras iniciadas
durante a década passada, agora paralisadas, não concluídas, ainda assim o
sistema interligado tem superado períodos de estiagem pesados sem racionamento.
É duro falar de pessoas que se distinguiram por um espírito nacionalista e
criador considerável. Mas o poder degrada as pessoas. Elas não foram exceção.
Cercadas por bajuladores, parasitas dos palácios, provavelmente se deixaram
induzir por perspectivas erradas. O resultado está aí. Grande parte de nosso
povo vivendo na miséria, sem esperanças de uma vida decente e pagando esses
“pequenos” erros de avaliação.
A inflação foi nossa companheira durante anos. Excesso de
dinheiro? falta de capacidade produtiva? dívidas elevadas? Não! Economistas
“geniais” deram ao Brasil tudo o que banqueiros e especuladores queriam, em
especial dois venenos terríveis: a correção monetária e a reserva de mercado. A
correção monetária é matematicamente errada. Qualquer especialista em
estabilidade, controle, sabe que a realimentação positiva instabiliza qualquer
processo. Faltou junto aos nossos magos do Ministério da Fazenda, um
especialista em servomecanismos e controle. A reserva de mercado, por sua vez,
foi o paraíso de muitos empresários preguiçosos. Era fácil fazer qualquer
porcaria e dizer que ela era um similar nacional a algum produto estrangeiro.
Assim as portas se fechavam e os preços subiam à estratosfera. A Lei da
Informática, de uma maneira especial, foi o exemplo perfeito de desastre
nacional. Para ao final de tantos anos termos uma “indústria” ridícula de
“computadores” todo o país perdeu competitividade. Atado a porcarias de toda
espécie, deixamos de acompanhar os países mais desenvolvidos. Assim como a
União Soviética parou, com o medo de seus dirigentes que a liberação da informática
viesse a inspirar sentimentos libertários, nós caímos na mediocridade, na falta
de recursos técnicos para um grande desenvolvimento, que certamente teríamos
tido se pudéssemos usar as mesmas ferramentas que os melhores países. Para não
estragar a festa de muitos barões de nossa economia, os salários foram
aviltados, o dinheiro arrecadado usado para o pagamento de dívidas criadas
artificialmente, a infra-estrutura de transportes, saúde, educação e outras
sucateada. Dentro de visões incrivelmente estúpidas o Brasil foi quase
destruído nessa última década. Se durante o regime militar faltou cuidado nas
despesas públicas mas sobrou atenção e espírito nacionalista, nesses poucos
anos de democracia mergulhamos na mediocridade sem perder muitos dos defeitos do
período de exceção.
O dinheiro transforma-se. Os computadores, os sistemas de
comunicação e os paraísos fiscais estão mudando o Mundo. O poder das grandes
nações fragiliza-se com o império de investidores desconhecidos que pelo porte
ou quantidade têm a capacidade de jogar de quatro qualquer país. A moeda já não
se mede em gramas de ouro ou prata. Tampouco tem alguma relação com o trabalho.
O leilão contínuo das bolsas de valores cria preços subjetivos ao extremo.
“Capitais” transitam à velocidade da luz. Um grande processo de vulgarização do
dinheiro cobra juros, procura estatísticas e boatos para servirem de ferramenta
a especuladores. Já não servem de instrumento de valorização do trabalho.
Grandes nações gradativamente abandonam a atividade produtiva. Exportam
fábricas. Ganham nos gabinetes e terminais de computadores. O poder desses
países reside na grande guarda pretoriana que é o exército dos EUA. Isso durará
quanto tempo?
O grande capital que realmente precisamos é a tecnologia.
Abrindo fronteiras esperamos receber indústrias, técnicos e empresários, que
nos coloquem ao nível dos melhores países. Isso não acontecerá por efeito de
qualquer instinto fraternal desses países mais desenvolvidos mas porque o
Brasil é um grande espaço a ser explorado. Dividindo os benefícios dessas
chances de desenvolvimento poderemos ganhar o poder de transformar matérias
inertes em ferramentas, máquinas, alimentos
e todos os instrumentos de progresso.
O Brasil precisa consolidar-se como um país exportador,
produtor e competente. A inflação, maior testemunho da deseducação de nossos
empresários, só poderá ser combatida abrindo-se fronteiras à competição
internacional. Em um país de dimensões continentais e grandes problemas a serem
resolvidos como, por exemplo, tornar o Nordeste uma região econômica e
socialmente equilibrada e desenvolvida, devemos ter competência para absorver
todos os recursos humanos e materiais existentes em qualquer lugar do Mundo.
Precisamos trazer recursos gerenciais, técnicos e morais para o aproveitamento
de estados tão ricos em oportunidades, como são os nordestinos. A vinda de
investidores estrangeiros ao Brasil deve ser administrada de modo a trazerem
acima de tudo tecnologia em todas as suas formas. O Brasil em sua personalidade
e cultura perdeu muito tempo. A exploração dos recursos naturais e humanos tem
sido medíocre. Adquirindo-se tecnologia poderemos crescer. Paralelamente há
necessidade de um novo padrão comportamental. O país da caridade tem que dar
lugar à responsabilidade. Inculcando-se em nosso povo o sentimento de
compromisso com a nação de forma a desenvolvê-la com Justiça e trabalho,
poderemos acreditar em um futuro de maior poder. O desafio é fazê-lo em um
momento muito delicado. O Mundo transforma-se rapidamente. O que realmente tem
valor? como aproveitar os novos conceitos de dinheiro e poder?
Em um processo de privatização não poderemos esquecer que
por mais adiantada que a Humanidade esteja em certos aspectos tecnológicos, o
ser humano pouco mudou daquele selvagem que saiu das selvas há pouco tempo. As
nações refletem esse aspecto de nossa personalidade. Um grande exemplo tivemos
na Segunda Guerra Mundial em que o fascismo e nazismo levaram povos
extremamente desenvolvidos a atitudes incrivelmente criminosas. O imperialismo
existe, é uma realidade. A questão é como reagirá à internacionalização da
economia, ao dinheiro eletrônico.
Precisamos não perder mais oportunidades. O nacionalismo
exacerbado precisa dar lugar a um nacionalismo inteligente que tenha como
objetivo o desenvolvimento e a criação de oportunidades para todos.
Evidentemente sempre haverá aqueles condenados ao inferno. Afinal, se devesse
ser outra a realidade do Universo, Deus teria assim determinado e não
estabelecido povos e crentes eleitos para os prazeres da eternidade, jogando
outros ao sofrimento eterno.
O grande desafio é ajustar empresas, leis, normas e
controles a uma sociedade aberta. A simples liberalização é loucura. Não temos
nenhuma semelhança com o Chile, Japão ou França. Cada um desses países têm história e cenários radicalmente diferentes.
Se do ponto de vista de certos analistas são países bem sucedidos, tal se deve
a terem encontrado propostas coerentes com a cultura de seus povos e ajustadas
aos períodos em que se aplicaram. Precisamos analisar e corrigir nosso quadro
institucional. O Brasil poderá crescer, tornar-se um país e uma nação ricos.
Tudo depende do acerto das decisões a serem tomadas no ajuste de um quadro
degradado e incoerente, como o atual.
21. As empresas de energia e sua relação fiscal com o estado
No início do século vimos a implantação das primeiras
empresas de energia elétrica. Naquela época o povo queria energia, não tinha
dinheiro nem base de negociação com as grandes empresas de energia elétrica. O
concessionário tinha a difícil tarefa de importar equipamentos, projetos e
técnicos , instalá-los, fazer com que tudo funcionasse e, após, convencer o
povo a usar a eletricidade, inclusive mostrando-lhe o que era uma lâmpada, um
ferro elétrico ou um rádio, fazê-lo aceitar os termos do contrato e cobrá-lo
contra toda a demagogia que normalmente surgia a serviço dos piores líderes. A
concessão era assunto local. Municípios e estados preocupavam-se com suas
formas e efeitos. As quedas d’água eram propriedade dos donos dos terrenos em
volta assim como o conteúdo do subsolo. O Código de Águas (1934) separou esses
direitos, ou seja, o direito de aproveitamento energético de quedas d’água passou a ser da União.
Os impostos, se existiam, eram mínimos pois o principal era
atrair empresários para a exploração de um serviço pioneiro e ainda muito
precário. Tarifas normalmente denominadas como impostos de consumo eram usadas
para a formação de fundos de investimento em energia elétrica. Com elas muitos
estados começaram seus planos de eletrificação.
O Governo Vargas iniciou um processo de concentração de
poderes na União criando o Código de Águas pelo Decreto 26.234 de 10 de julho
de 1934 e o Conselho Nacional de Águas, CNAE, pelo Decreto-Lei 1.285 de 18 de
maio de 1939. Assim tomava forma a centralização na União do poder de
concessão. Estados e municípios, que antes tinham esta atribuição, a perderam
sem não mais recuperá-la. Vargas tinha consciência da importância da energia
elétrica para o desenvolvimento do país. Governou, entretanto, sob forte inspiração
nacionalista.
O poder da União consolidou-se. A Constituição Federal de
1946, o período militar e a Constituição Federal de 1988 só fizeram reforçar
essa situação. Em cada momento com razões provavelmente bem diferentes mas com
os mesmos resultados.
Lamentavelmente as conveniências dos ditadores ou
presidentes de plantão poderão ser muito diferentes daquelas existentes nos
estados, nos campos e nas cidades. A
super centralização de poderes tirou das unidades federadas autonomia vital ao
desenvolvimento de suas cidades. A qualidade e quantidade do serviço
tornaram-se questões cariocas, antes, e brasilienses, depois. Essa condição era
o reflexo do poder de tarifação e taxação.
A política tributária sobre a energia elétrica mostrou-se um
instrumento de suporte a políticas econômicas do governo federal em detrimento
dos programas de eletrificação do país. Nos estados o ICMS tornou-se uma fonte
de recursos para todos os programas e salários, menos a expansão dos serviços
de energia elétrica, com raras e honrosas exceções.
Afinal atividades essenciais, se pagam impostos, deveriam
sê-lo para que os governos pudessem reinvestir em suas atividades ou compensar
prejuízos com sua exploração. Infelizmente não é essa a nossa realidade.
O serviço de abastecimento de energia elétrica é cada vez
mais importante, exigindo investimentos pesadíssimos. Assim, principalmente com
a realidade tarifária estabelecida em 1964, durante muito tempo o Setor
Elétrico teve recursos para se auto financiar. Os impostos retornavam na forma
de investimentos nas empresas de energia elétrica.
Gráfico mostrando
a evolução da carga fiscal
Gráfico mostrando
a distribuição dos impostos arrecadados
Infelizmente ao final do período militar já tivemos uma
inversão de estratégias. As tarifas de energia deixaram de acompanhar a
inflação. Os planejadores, monitorados por outros interesses, forçaram a
partida de inúmeras obras. Esse programa, não tendo recursos internos, levou a grande
maioria das companhias geradoras a contratar enormes empréstimos. Os dólares
interessavam no fechamento de contas já deficitárias. O Setor de Energia
transformou-se em instrumento contábil. Montanhas de máquinas foram compradas e
estocadas para garantir, em contrapartida, divisas necessárias para cobrir um
dos maiores erros de planejamento de nossa história, que foi o II PND.
E com a abertura democrática permitiu-se que irresponsáveis
estabelecessem novas leis, entre elas o fim dos impostos dedicados. Assim as
tarifas de energia elétrica deixaram de arrecadar recursos necessários ao
autofinanciamento. Passaram a ser instrumento de coleta de impostos para
aplicações externas a suas atividades. Atualmente a carga tributária sobre a
energia elétrica, sobre o consumidor comum, é gigantesca. Salvo os eletro
intensivos, privilegiados de diversas maneiras, entre elas de consumir energia
a preços subsidiados, os demais caíram em custos onde mais da metade do que
pagam é imposto. O ICMS é um bom exemplo. Os estados, além de degradarem suas
empresas com administrações incompetentes ou desonestas, cobram o ICMS a níveis
enormes. Quase um terço da tarifa está neste imposto. Além deste existe a
cobrança de royalties, imposto de renda, IPI, encargos trabalhistas e outros
minando as contas das empresas, inviabilizando-as ou, pelo menos, condenando-as
a baixíssimas taxas de rentabilidade.
A Constituição Federal de 1988 criou situações das quais o
governo tem tido dificuldades de sair. Os custos sociais cresceram muito, principalmente
em conseqüência da já demorada recessão. Serviços prestados a custos
subsidiados redundam em aumento de impostos. A pressão exercida pelos programas
monetaristas e feitos para oferecer excedentes exportáveis cria baixa atividade
econômica, sub emprego, redução de valores arrecadáveis. A solução é o aumento
percentual dos impostos sobre produtos de consumo obrigatório como é o caso da
energia elétrica.
O gráfico a seguir mostra as taxas de imposto de renda sobre
uma empresa de energia elétrica do padrão Copel.
Evolução do imposto de renda sobre a Copel
Sobre o lucro da empresa, antes do Imposto de Renda existe a
Contribuição Social, cuja evolução a partir de 1988 é apresentada a seguir. O
nível de tarifação sobre os lucros das empresas de energia elétrica é
absolutamente incompreensível quando lembramos a necessidade permanente de
investir, de atender populações enormes que ainda tem serviços precários,
quando os têm. Primeiro a equalização tarifária inibindo a produtividade,
depois a carga eqüina de impostos sobre os lucros das empresas, tudo
estimulando a perda de eficácia, o uso político das concessionárias. Apesar do
aparato legal e do desempenho catastrófico de algumas empresas nada se fez para
cancelar concessões. Junto à má
performance, a carga de impostos só cresceu, amealhando recursos sem retorno
para o Setor. Assim as tarifas crescem e os investimentos caem junto com a
qualidade e confiabilidade do serviço. Empresas sob comando político acabam
tendo finalidades diversas daquelas para as quais foram criadas.
Contribuição Social
O ridículo desses impostos é que acabam sendo absorvidos por
imensas repartições públicas, retornando muito pouco em benefício daqueles em
função dos quais foram nominalmente criados.
Além do ICMS e do imposto de renda tivemos, a partir de 1988
aumento das contribuições obrigatórias. É uma carga pesada pois incidem sobre o
faturamento bruto. O gráfico a seguir mostra a evolução desse compromisso
fiscal.
PASEP, COFINS e FINSOCIAL
As empresas de energia elétrica exigem investimentos de
retorno a longo prazo. Suas obras são demoradas. Os custos financeiros são
elevados. Evidentemente a prática de juros altos é mortal a empresas que
dependem de empréstimos para a realização de programas de obras. As oscilações
em torno de cargas tributárias têm sido, recentemente, brutal. A
irresponsabilidade do Governo Federal pode ser perfeitamente ilustrada nos
percentuais de imposto de renda (vide gráfico
). A falta de respeito pelas empresas é inexplicável, pior ainda a
ausência de lideranças dispostas a denunciar tanta falta de seriedade.
O problema dos custos financeiros e da obtenção de crédito
teve na Resolução 1469 (21/03/88) o início de um calvário. Essa resolução, que
se abateu sobre todas as concessionárias, independentemente de seu histórico,
significou o congelamento dos níveis absolutos de endividamento. Reeditada com pequenos ajustes (1718 1 1997 )
tem desde 28 de julho de 1993 o número 2008. Graças a esta decisão do Banco
Central as empresas de energia elétrica menos saudáveis foram obrigadas a pegar
dinheiro caríssimo, agravando suas contas. Como sempre tem acontecido no
Brasil, por falta de autoridade e Justiça, penaliza-se a todos pelos erros de
alguns poderosos.
A privatização desse setor de nossa economia terá a grande
virtude de colocar no cenário político empresários muito ricos, em condições de
comprar apoios e com disposição para resistir aos excessos de certos governos.
O povo brasileiro terá o benefício de conhecer com mais clareza os jogos em
torno de serviços essenciais como os da energia elétrica.
22. A degradação das estatais
Quando na década de sessenta criou-se a base institucional,
que produziu a constelação de estatais atual, pretendia-se ter empresas
públicas com a dinâmica das empresas privadas. Essa condição foi essencial à
montagem acelerada de excelentes companhias, gerando a infra-estrutura
energética brasileira atual. Assim também o Brasil conseguiu instalar
siderúrgicas e diversas indústrias de base no país.
Infelizmente diversas decisões equivocadas geraram condições
para uma desordem monumental, vindo a quebrar o Brasil no início da década de
oitenta. A diretriz bélica e a preocupação de se produzir uma área de
influência na América do Sul levaram a
obras inoportunas. As crises do petróleo recomendavam prudência. O nosso
governo apostou errado. Assim, ao contrário da maioria dos países
desenvolvidos, continuou gastando muito.
Estabeleceu o acordo nuclear com a Alemanha, onde bilhões de
dólares foram desperdiçados de forma absurda. Esse contrato produziu uma usina
ainda em construção ( Angra II ) e unidades industriais inúteis.
Empreendeu a construção da gigantesca Hidroelétrica de
Itaipu, usina que poderia ter sido feita inteiramente em território nacional e
a custos muito inferiores. Em defesa de Itaipu ouvimos com freqüência que se
ela não tivesse sido construída estaríamos sob racionamento de energia. Ela
substituiu dezenas de usinas menores que teriam tido um cronograma mais
racional. O degrau de serviços foi fatal à constelação de empresas, que se
criaram para apoiá-la. Terminada a obra e na ausência de outros grandes
projetos, a elas só restou fechar as portas ou “enxugarem-se” violentamente. O
custo de Itaipu acabou sendo muito maior do que o estimado.
A Ferrovia do Aço foi outro equívoco lamentável. O mais
estranho foi dar partida a essa obra mesmo contra recomendações claras de
muitos especialistas, inclusive de bancos de fomento internacionais.
Na Amazônia, com a maior rede fluvial do mundo, optou-se
pela implantação de rodovias gigantescas. O que custaram teria possibilitado a
consolidação de um grande sistema de transporte fluvial. As obras se sucediam
sem grande respeito para as condições de custo e benefício. Esta situação não
mudou com a abertura política.
Outro aspecto tenebroso foi a corrupção. Dentro dos esquemas
de influência naturais em regimes ditatoriais, os contratos eram assinados sem
maior vigilância. As dúvidas resolvidas em “clubes” fechados. O povo pagava sem
reclamar, até satisfeito com o aparente sucesso dos grandes programas de
desenvolvimento. O ambiente de liberdade do governo JK, quando o Brasil também
teve seus planos, estes muito bem sucedidos, foi substituído pelo clima de
repressão. Neste cenário os magnatas tiveram toda a liberdade de corromper e
agir como o fizeram. A impunidade era a regra, a bajulação aos militares a
forma.
Nas estatais, reproduzindo o ambiente dos quartéis,
estimulou-se o corporativismo servil. O fascismo era o grande modelo. Seus
funcionários, felizes, viam seus contra cheques engordarem Cobrava-se deles o silêncio, a passividade
política e a operosidade na execução de obras que se sucederam freneticamente.
Prioridades e custos eram assuntos secundários, o povo pagava o preço sob uma
distribuição de renda perniciosa ao trabalhador comum. O lado positivo daquela
época foi a formação de especialistas de alto nível, o apoio à tecnologia
nacional, a ampliação e consolidação de uma infra-estrutura vital ao
desenvolvimento econômico do país.
A abertura política não teve melhores resultados. Aconteceu
em pleno período de recessão. As dívidas da década anterior começaram a ser
cobradas com rigor. Os países mais desenvolvidos, às voltas com seus planos de ajustes
econômicos, penalizaram os menos desenvolvidos, aviltando os preços de seus
produtos, cortando créditos e elevando os juros a patamares insuportáveis.
Lamentavelmente os governos eleitos após 1983 não tiveram competência para
sustentar uma política de apoio ao desenvolvimento econômico e tecnológico
nessas condições. Limitaram-se à aplicação de leis burras de reserva de
mercado, condução aleatória de seus projetos, descontinuidades perigosas e
inicio de programas demagógicos. Houve momento em que quase todas as capitais
do Nordeste, além de Curitiba, tinham projetos de “metrô de superfície”,
denominação fantasia para a instalação de bondes. Cada um deles a um custo
total da ordem de 500 milhões de dólares..
O Brasil transformou-se em uma canteiro de obras inacabadas.
As universidades afundaram, a pesquisa reduziu-se ao mínimo. A política,
entrando em cena sob um clima de caos, gerado pela quebra junto aos banqueiros
internacionais ( esses que financiaram as ditaduras sul-americanas ), começou a
produzir seus estragos. Sem pessoas treinadas para assumirem as estatais,
acabou entregando essas empresas aos gerentes de terceira linha da época da
ditadura. Em muitos casos com grande conveniência para o grupo no poder
político, esses executivos tinham por prioridade levantar recursos para
campanhas eleitorais ou simples enriquecimento pessoal. O fisiologismo
tornou-se a grande diretriz político administrativa.
Estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais
amargaram períodos de extrema decadência. Com o agravante da falta absoluta de
vocação administrativa da maioria de nossos líderes, muitas empresas
brasileiras sob comando político entraram na fase da mediocridade. Leis como a
da Informática, restrições tecnológicas e a burocratice crescente, conseqüência
da intenção de “moralizar” as estatais, a falta de crédito, sindicalismo
irresponsável e ingerências demagógicas levaram ao cenário atual.
Outro processo tenebroso tem sido o controle tarifário pela
União. Tecnocratas instalados em Brasília decidem qual deve ser a tarifa de
energia, telefone, transporte, combustíveis e outros em qualquer canto do país.
Por mais competentes que o sejam, carecem de sensibilidade para analisar cada
estado desse imenso país. Assim também a União assumiu o ônus de decisões que
poderia ter evitado. Na maioria dos estados seus governos iniciaram uma cadeia
de inadimplências brutal. Principalmente as companhias de energia começaram a
não ver a cor do dinheiro das contas de energia das empresas de água e esgoto,
prefeituras e repartições públicas. Sem recursos e com tarifas mal
dimensionadas perderam qualidade. Sem recursos pararam os pagamentos às
supridoras. Em presas federais como a Eletronorte, Eletrosul, Itaipu, Furnas e
Chesf têm amargado a descapitalização diante da desonestidade e incompetência
das concessionárias estaduais.
O Setor Elétrico transformou-se em instrumento de
arrecadação de impostos. A metade do que se arrecada nesse setor é imposto
direto. A Constituição Federal acabou com Imposto Único de Energia. Assim a
única fonte de recursos garantida parou de existir enquanto, paralelamente,
permitiu-se cobrar ICM sobre a energia. O Imposto de Renda aumentou
substancialmente e outros apareceram onerando o consumidor e criando a imagem
de custo elevado. A rentabilidade diminuiu e o controle artificial das tarifas
para “combater a Inflação” voltou à plena força.
A Democracia e a ignorância de nosso povo geraram equações
perversas. Na visão da grande maioria de nossos cidadãos existe uma entidade
denominada “governo” que pode fazer qualquer coisa. Qualquer família pode ter
qualquer quantidade de filhos, o governo deverá arranjar comida, saúde,
educação, transporte, energia, água, esgoto para aquele pessoal. O “governo”
paga. Não entrou na cabeça de nossos legisladores e políticos em seus palanques
que tudo têm limites e que o dinheiro, que gastarão, sairá do próprio povo
através de impostos diretos e indiretos. Ou melhor, não dá votos dizer que é
urgente ao Brasil uma campanha a favor do planejamento familiar, de maior responsabilidade
civil, de maior rigor pessoal. Como isto afetou as empresas estatais? os planos
demagógicos de “tarifa social”, de atendimentos a custo zero, de tolerância
tornaram-se rotina, base do trabalho de todo vereador ou deputado. As empresas
viram-se mais e mais oneradas por projetos sem retorno. Eram necessários? a
maioria sim. Inviabilizaram as empresas? Contribuíram significativamente para
tanto. Como resolver essa questão? atacando as causas. A ação paliativa é um
pesadelo. O Brasil precisa com urgência de um gigantesco programa de
reeducação. Esse processo é necessário a todos, pobres e ricos. Precisamos
criar uma nação que tenha senso de responsabilidade pessoal e social.
O corporativismo é outro câncer de solução difícil. A falta
de visão dos objetivos das empresas de que são empregados reflete-se em
decisões tremendamente equivocadas. Pressões salariais acima de qualquer
propósito geraram greves históricas. As esquerdas brasileiras perderam eleições
talvez em protesto do povo que não agüentava mais a ação de sindicatos
irresponsáveis. Cidades são paralisadas antes de qualquer negociação, bancos
param sem outra preocupação que pressionar diretores. Nossa legislação admite
greves mas não estabelece condições de maior seriedade. Qualquer líder sindical
tem o direito de fazer qualquer tipo de afirmação impunemente. Os piquetes se
dão o direito de agredir aqueles que desejam trabalhar. O vandalismo é
tolerado. A justiça não funciona.
Nessas empresas o império da mediocridade é também uma
realidade atroz. Dentro de um espírito burocrático massacrante criam-se grupos
de trabalho e comissões para tudo. Decisões elementares são retardadas de forma
absurda. Ninguém assume qualquer responsabilidade. Empresas que por força de
leis idiotas penalizam qualquer ousadia só poderiam caminhar para a
mediocridade. O Brasil, de uma forma especial, caiu nas garras da fobia
legisferante. Nossos deputados, governadores, senadores e presidentes partiram
para a geração de leis, normas e restrições de toda espécie. Jornalistas
encontraram na busca de falhas administrativas a forma mais rápida de se
tornarem importantes. Partidos políticos têm na denúncia a forma de se
promoverem. Tudo isso afundou a administração pública na mediocridade.
Evidentemente há exceções. Devemos, contudo, assumir posições em cima da
realidade maior. A média do desempenho mostra a maioria das empresas públicas
com mau desempenho. É impossível esperar no processo democrático, expressão da
vontade da maioria, compreensão para as estatais. Até pela inveja das condições
privilegiadas (em certos aspectos) é pouco provável que o povo as defenda.
Vivemos em um cenário em que o trabalhador comum vegeta com salários
incrivelmente baixos. Nossos operários mal podem se sustentar. Querer deles
simpatia às estatais é pedir muito.
Resumidamente podemos dizer que as estatais brasileiras
regrediram por efeito da corrupção, planejamento mal feito, políticas
gerenciais tolerantes, legislação trabalhista super protetora, carga fiscal
excessiva, fisiologismo e desinteresse dos poderes políticos no sucesso dessas
empresas.
23. Condições operacionais das empresas de energia elétrica
As empresas de energia elétrica submetem-se a um grande
quadro de gerência operacional integrada coordenado pela ELETROBRÁS. Os planos
de expansão são negociados. As tarifas e concessões administradas pelo DNAEE.
As empresas têm, graças ao seus portes, condições de participar desses foros de
decisão.
O sistema brasileiro é predominantemente hidroelétrico. Isso
implica na necessidade de coordenação de reservatórios. Usinas de grande porte,
além de terem grande significado energético, poderão causar acidentes
gigantescos se certos cuidados não forem tomados. O resultado dessa
responsabilidade é a mobilização de centenas de profissionais. Permanentemente
analisa-se a evolução da carga, o comportamento dos rios, a probabilidade de
falhas e a solução de questões técnicas mais complexas. A falta de
investimentos em transmissão tende a agravar o risco operacional do sistema
interligado. A operação exige elevados padrões de serviços desde a coordenação
de sistemas de proteção até o escalonamento de chaveamentos. Infelizmente os
piores críticos nunca se deram ao trabalho de conhecer o setor de energia
elétrica brasileiro. Até porque muitos dirigentes dessas estatais também não
conhecem suas empresas, não podendo, assim, expor-se guiando qualquer grupo de
visitantes mais inteligente. De qualquer modo a
entrada de empresas privadas criará questões como o rateio da geração de
Itaipu, a Conta de Consumo de Combustíveis e outros rateios eventuais. A
distribuição de compromissos de geração e transmissão terá que ser equacionada
com a redefinição da ELETROBRÁS e DNAEE, procurando-se uma forma que evite
ingerências e tráfico de influências. A administração energética pode penalizar
regiões em benefício de outras. O risco de racionamento é o mais delicado
podendo causar prejuízos consideráveis a alguma área menos protegida técnica e
politicamente. É muito pouco provável, estando no Brasil, que os órgãos
reguladores e gestores da operação não se deixem afetar pela vontade dos
líderes dos estados mais fortes.
Um aspecto pouco discutido é a manutenção das grandes
centrais existentes. A formação de certos profissionais leva anos, arquivos são
necessários, saber interpretar orientações técnicas não é tarefa simples. A
assistência técnica dos fabricantes não é confiável nem barata. Principalmente
as grandes unidades dependem de alta tecnologia. A confiabilidade das unidades
geradoras assim como de todo o sistema de transmissão é vital à qualidade
necessária aos grandes centros industriais e urbanos. Para tudo há necessidade
de coordenação. Esta condição torna-se essencial em períodos de falta de
energia ou de pouca margem de segurança. Acima de tudo a manutenção tem sido ponto
de destaque de muitas das grandes estatais de energia. Qualquer mudança deverá
considerar a fragilidade de empresas sem experiência, os conflitos e
desentendimentos em um processo de absorção, principalmente se ele fragmentar
as grandes empresas . Em 1994 o governo deu a entender que venderia usinas de
geração de energia elétrica individualmente. Seria um ato de grande
irresponsabilidade do qual felizmente houve um recuo. Antes de privatizar
precisamos rever a gerência técnica do sistema. Privatizar em pequenos módulos
o sistema de geração é loucura. Acreditam que assim poderão estabelecer um
clima de concorrência. Isso poderá acontecer no começo. Logo estarão
organizados em cartéis, sindicatos e associações para dividir o bolo e
maximizar os lucros. Estamos no Brasil, afinal de contas. A subdivisão das
grandes empresas criará o pesadelo da manutenção. O número de profissionais em
certas especialidades é pequeno. Trabalha-se com o ganho de escala. As empresas
atuais têm equipes treinadas e dimensionadas para a assistência técnica a
grupos de centrais, subestações e linhas de transmissão. Ferramentas, veículos
e instrumentos de apoio técnico estão organizados para as empresas em seu
conjunto.
Infelizmente a ignorância dos riscos técnicos é muito
grande. Em um país em que as leis são instrumentos dos poderosos para exercer
seus “direitos” ilimitados, o que se tem visto é um discurso a favor da
privatização selvagem, acelerada. Os grandes grupos industriais querem a
garantia de fornecimento de energia. Para isso trabalham de modo a ter a
concessão de usinas, se possível comprando-as a preços simbólicos, e a garantia
do transporte da energia gerada aos menores custos possíveis. Lamentavelmente
esquecem-se de que a solidariedade é a grande regra de sobrevivência do Setor.
A luta é desigual pois esses grupos dominam a imprensa e os sindicatos só
pensam em salários. O resultado poderá ser a degradação do sistema, do que já
se vê sinais claros. Essa falta de discussão dos aspectos técnicos na
privatização pode ser observada também nos grandes seminários. Administradores,
alguns engenheiros de papel e economistas dominam os debates. Não se faz
comparações, análises de risco técnico, faltam análises profundas dos efeitos
do processo de privatização nos países em que isso aconteceu. É compreensível
pois os donos das companhias privatizadas não iriam permitir o envio de
funcionários seus a grandes seminários para lá dizerem que as mudanças pioraram
o desempenho dos seus sistemas. Isso, por sua vez, em muitos casos não aconteceu
porque os dirigentes políticos trabalharam, como estão fazendo no Brasil, para
degradarem as empresas e seus serviços antes da alienação ( doação ). O Brasil
é um país que exige cuidados especiais. Nossas dimensões geográficas são muito
maiores que as da Inglaterra, França, Japão, Alemanha, Itália e outros países
europeus. Nossa Justiça não tem a eficácia da americana. Nosso sistema tem
usinas do porte de Itaipu, Tucuruí e Ilha Solteira, todas elas muito distantes
dos centros de carga. A operação, manutenção e expansão de nosso sistema de
geração e transmissão exigem cuidados acima da média.
Na área de distribuição de energia o quadro é completamente
diferente. São áreas de baixa tecnologia, de mão de obra intensiva e existente
em quantidade suficiente para resistir até más gerências. É fácil recuperar
decisões erradas. A privatização do setor de distribuição precisa, entretanto,
de grande atenção para os programas sociais. É exatamente aí que a iniciativa
privada deverá ser informada e negociada minuciosamente a sua entrada. A área
rural brasileira, por falha da maioria das empresas existentes, permanece mal
atendida. Há necessidade de um grande programa nacional de energização das
áreas rurais. Outro aspecto importante na relação entre as questões técnicas e
a filosofia empresarial da iniciativa privada é que a área de distribuição
oferece um magnífico campo de aplicação de equipamentos facilmente
industrializáveis no Brasil. Livres das restrições criadas artificialmente
sobre as estatais, os empresários poderão desenvolver uma associação
extremamente produtiva com a indústria. O aspecto mais importante será o perfil
e a natureza dos maiores acionistas. Sendo empreendedores e ligados ao Brasil
poderemos ter o início de grandes indústrias ou o fortalecimento das
existentes.
Na questão “distribuição de energia” a autoridade dos
estados deverá ser respeitada. Um dos absurdos da legislação brasileira é o
excesso de concentração de poder em Brasília. Lá, distantes da realidade dos
estados, burocratas ditam normas e tarifas de forma irresponsável, leviana.
Essa arrogância dos tecnocratas é extremamente prejudicial ao Brasil. A
política de desenvolvimento das unidades federadas deverá ser gerada por elas
mesmas. A distribuição de energia é parte vital nesse processo. Infelizmente
deputados e senadores, mais representante de interesses cartoriais e
corporativos, têm defendido muito mal seus estados. Nossa democracia imberbe
carece de lideranças competentes. Se existissem não estaríamos vendo a nação
jogando com violência para um lado e outro ao sabor de experiências, que mudam
radicalmente a cada quatro anos. Por tudo isso devemos lutar pela entrega aos
estados do poder regulador e de concessão na área de distribuição de qualquer
energia..
Mas, na área de geração e transmissão de energia teremos que
passar por um processo de reorganização delicado e de grande responsabilidade.
Não será simplesmente a criação de entidades burocráticas mas de organismos
reguladores e gestores fortes, independentes e competentes. O processo atual,
que é mais participativo, dificilmente funcionará em um ambiente de muitas
empresas. A característica hídrica de nossas fontes de energia elétrica exige
atenção severa para muitos aspectos operacionais do conjunto de usinas. Uma
depende da outra. Outro aspecto a ser considerado será a entrada em operação de
mais centrais termo elétricas. Muito frágeis, dependerão de padrões mais
severos que os tolerados pelas hidroelétricas. Muitos possíveis investidores
estrangeiros talvez tenham pouca consciência da fragilidade, em futuro próximo,
de nosso sistema de transmissão. Nas interligações entre os sistemas sul e
sudeste haverá a necessidade de reforço. O sistema de transmissão brasileiro
precisa completar-se unindo os quatro quadrantes deste país. O Mercosul sugere
a integração energética dos países da América do Sul. A construção de grandes
linhas de transmissão entre o Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile já
deveria estar começando. Esta interdependência é o melhor aval à consolidação
pacífica dessa união. Projetos que, diante da legislação ambientalista, não
serão tarefa simples. Tem havido na questão das privatizações um enfoque
predominantemente econômico, parece que se esqueceram da engenharia, ecologia,
direitos humanos....
A privatização deveria estar sendo acompanhada de intensas
negociações entre os países do Mercosul e estados brasileiros para a
reorganização técnica e legal da operação e expansão desses sistemas.
Infelizmente Brasília parece não ter consciência das oportunidades e problemas
na área energética.
Há necessidade de atenção para diversas empresas de energia
estaduais. Muitas delas estão em situação muito difícil exigindo grandes
investimentos de imediato. Estados importantes correm riscos significativos de
racionamento de energia pela possível falha de instalações estratégicas. O
Congresso Nacional ou o próprio Executivo deveriam desenvolver um trabalho de avaliação em escala nacional das empresas
existentes. É tipicamente uma questão de segurança nacional.
24. Competição versus monopólio
Mercados perfeitos comparados a mercados imperfeitos geram a
ilusão de terem a resposta para os problemas de eficácia, produtividade e
qualidade denunciados em muitas críticas às estatais. No Brasil, a repugnância
à inflação, conseqüência de anos de descontrole da economia, entronizou
palavras de ordem apresentadas como solução para o desafio da estabilização da
economia. Modernismo, abertura ao capital estrangeiro, desestatização e
competição têm sido argumentos usados à exaustão por lideranças ansiosas por
espaço na mídia.
Infelizmente a iniciativa privada brasileira têm mostrado
com muita clareza como se faz para contornar leis e administrar preços de forma
a evitar-se competições indesejáveis. Trustes, cartéis e monopólios são rotinas
em nossa economia capitalista. Todos são errados? realmente interessa reduzir
ao máximo a rentabilidade de toda atividade industrial e comercial? o que se
faz para melhorar serviços? quais são as prioridades?
Nossa índole e cultura leva-nos a valorizar a competição. Os
heróis esportivos são um bom exemplo desse fascínio. A luta destaca os mais
fortes, os melhor adaptados. A competição é onipresente na natureza. A vida de
um é a morte de outro. A beleza e perfeição tão admiradas na natureza nada mais
são do que o resultado de uma eternidade de processo seletivo contínuo. Já a
segurança, a estabilidade e a tranqüilidade recomendam um ambiente pacífico, de
benefícios distribuídos. Os paraísos têm sido idealizados como ambientes
tranqüilos. No Éden anjos e flores garantirão uma ordem de amor e generosidade.
Os idealistas têm construído as mais diversas lógicas para mostrar a
conveniência desse Mundo Perfeito.
Empresas e famílias são exemplos perfeitos das leis
naturais. O ambiente em que vivem, onde lutam, como conquistam seus espaços
dirá muito da qualidade final de seus componentes, do produto final. A Ford não
teria mudado as cores de seus carros se a concorrência não tivesse existido.
Afinal Henry Ford só admitia construir carros pretos. O grande progresso tecnológico
da Humanidade tem sido conseqüência das guerras e disputas mercadológicas.
Os serviços públicos mostram muito bem o significado da não
competição. Quem já freqüentou filas de repartições públicas sabe muito bem o
pesadelo de ser mal atendido. Funcionários que por melhor ou pior ganhem sempre
estarão atendendo como se prestassem favores. Serviços e burocracias que não
evoluem, técnicas rudimentares...Muitas concessionárias mostram agudamente esse
aspecto de arrogância e desrespeito ao cliente. As empresas de energia não são
diferentes. Muitas acabam sendo espaço de endeusamento dos diretores e gerentes
de plantão, lugar de reivindicações salariais ilimitadas e enriquecimento de
muitas ovelhas desgarradas. Pela natureza do serviço essas entidades não disputam
espaços, apenas cumprem tarefas. O resultado freqüentemente é deplorável. Qual
a solução? procurar-se instalar competições, privatizando por partes e
enfraquecendo conceitos de exclusividade?
E a realidade?
Que forma de competição seria aplicável às empresas
concessionárias? aos serviços públicos?
Na Europa e América do Norte a tendência é a separação da
geração, transmissão e distribuição de energia. Países de altíssima
concentração de carga e geração térmica, de crescimento lento, vivendo sob o
império de leis que se fazem cumprir, dispensam grandes investimentos e
procuram na competitividade imposta pelo poder político reduzir custos. Esses
países precisam encontrar também formas de racionalização do uso da energia. A
poluição e a ecologia impõem restrições crescentes. O crescimento contínuo do
consumo é uma insensatez. Tudo isso levou a uma nova proposta de organização
onde a prioridade não é investir e sim utilizar melhor o existente. Esses
países assim desmantelaram muitas grandes empresas e têm como maior feito o
ajuste comercial. Questões técnicas precisarão ser melhor testadas para se ter
uma avaliação definitiva.
O grande problema na área de energia elétrica é a
dependência de ligações contínuas, físicas. A energia é transportada através de
“dutos” contínuos. Seria impossível, no estágio atual, liberar espaços urbanos
para a construção de linhas e mais linhas de modo a oferecer ligações
alternativas ao consumidor. Ao optar por uma rua, cidade ou região
automaticamente estará vinculado a uma concessionária.
No Brasil o que se procura agora é negociar as concessões. A
nova legislação cria situações de maior fragilidade acenando com disputas na
conquista de espaços. E depois? depois essas empresas estarão na mesma situação
em que vivem as atuais concessionárias. A hipótese do órgão regulador e
fiscalizador forte esbarra no poder de influência e corrupção. Nesse aspecto
não há limites para quem é rico e não depende de empregos.
Apesar do discurso do aumento da eficácia, o governo federal
tem mostrado em suas propostas muito mais a preocupação de aumentar suas
receitas tributárias. A renegociação de concessões servirá para a geração de um
novo imposto, ou seja, a cobrança sobre a autorização de exploração de um
recurso natural. Sob todos os aspectos nota-se a preocupação de obter recursos
para solução de dívidas e divisas.
As grandes lideranças políticas atuais são em grande parte
oriundas de estados falidos e delinqüentes. Em especial os estados de São Paulo
e Rio Grande do Sul dominam o cenário político. Para essas lideranças as
estatais são a origem de todo o mal. Devem ter plena consciência de como os
políticos degradaram os serviços públicos de seus estados. Dentro da visão de
que não são capazes e talvez com grande peso na consciência agora vêem na
privatização e na mudança de formas institucionais a maneira de salvar seus
estados. Se a solução será boa para eles porque não para o Brasil inteiro?
Monopólios devem ser combatidos, competição é a solução. O capital estrangeiro
deve ser conquistado. Afinal precisamos importar carros de luxo...
Por tudo isso, em nossa realidade brasileira o ideal seria
fugir da concentração de poder em Brasília. A dependência de decisões distantes
deu a muitos governadores a oportunidade de serem irresponsáveis. Suas decisões
tinham avais federais. Alternativamente a delegação a estados e municípios do
direito de fiscalização e regulamentação é talvez a única maneira de se criar
modelos, empresas eficazes, soluções inteligentes e ajustadas à realidade de
cada localidade, estado, região. A multiplicação de empresas mostraria o que
poderia ser a melhor solução.
Administrativamente há necessidade de mudanças na legislação
das Sociedades Anônimas de modo que detalhes operacionais, financeiros e
econômicos fossem acessíveis a qualquer acionista. Mais importante que licitar
concessões é estabelecer instrumentos de vigilância popular. Os estatutos
dessas empresas deveriam ter um padrão mínimo, que correspondesse a contratos
de gestão bem delineados. Evidentemente um contrato de gestão não é um estatuto
mas os estatutos das empresas deveriam conter referências e limites
operacionais. Na ânsia de privatizar o governo federal não abriu uma discussão
inteligente das empresas saídas da época da ditadura. Durante o regime militar,
pela própria condição de disciplina, não fazia diferença o que se escrevia nos
estatutos de uma empresa. Em um ambiente democrático e no império das leis é
vital a forma como essas empresas se constituem e se relacionam. O que vimos
foi uma preocupação de amarrar processos, burocratizá-los. O mais lógico seria
vigiá-los, cobrar resultados. As empresas podem quebrar. No Brasil o que
importa é se um documento foi assinado por dois diretores ou se o edital foi
publicado em um jornal x ou y. As assembléias de acionistas são vazias, as
cobranças técnicas quase não existem. Nosso problema não é o monopólio. A
principal falha é que nosso povo vive imerso na ignorância. Não conhece seus
direitos, muito menos seus deveres. Somos um país que demorou para abolir a
escravidão, a estratificação social era natural durante o Império e continuou
na República. Os longos períodos de exceção castraram a nação.
Dentro do estatuto do monopólio existe a garantia de
rentabilidade. Preços tabelados, planilhas de custo, rentabilidade administrada
de fora para dentro. Isso torna essa espécie de atividade econômica de baixo
risco, boa aplicação para poupanças longas. O Mundo tem muitos recursos para
essa forma de imobilização de capital. Mesmo aqui no Brasil pudemos perceber o
interesse de investidores estrangeiros dentro dessa condição. E na modalidade
sob competição? sem garantias de rentabilidade? quem terá interesse de
arriscar-se? o que se tem visto é o interesse de indústrias eletrointensivas
aqui instaladas. Essas não podem escapar da necessidade de energia abundante e
barata. Ë interessante notar que mesmo essas indústrias estão dispostas a
arriscar apenas o dinheiro do povo. Quem virá investir no Brasil seu rico
dinheirinho sem a garantia de rentabilidade em um negócio sujeito a todo tipo
de interferência política?
25. A utopia democrática
A democracia é o império da maioria. Que maioria? qual é a proporção de pessoas sadias em nossa
sociedade? quantos indivíduos poderiam considerar-se cultos e preparados para
analisar planos de governo? quem entende de política? quem sabe o que é uma
estatal? qual a importância do estado investidor? quais seriam as perspectivas
de desenvolvimento? como diminuir a pobreza? o que é distribuição de renda?
Fácil responder !
Será?
O conceito da empresa pública depende, e muito, da aceitação
da “utopia democrática”. A crença de que os processos de consulta popular levam
a decisões em benefício do povo é uma conseqüência da importação de modelos e
da ignorância de fatores, que produziram nos países mais desenvolvidos
instituições sólidas e eficazes. Os Estados Unidos da América do Norte tiveram
em sua origem democrática, há mais de dois séculos, uma elite cultural muito
forte, decisiva na elaboração de sua constituição federal, até hoje um exemplo
de inteligência e bom senso para a Humanidade. Na Europa, um continente com
problemas sociais gravíssimos, a democracia permitiu o aparecimento de
lideranças tais como Lenine, Mussoline e Hitler. Na França, além do período do
terror, a revolução democrática francesa gerou Napoleão, auto proclamado
imperador. A desintegração das ditaduras comunistas mostrou com clareza os
efeitos de um sistema para o qual o povo não está preparado. A América Latina e
a África são tratados de experiências políticas mal sucedidas. A tendência
lógica é a democracia mas dentro de um processo de educação e com todos os
riscos de retrocessos, os piores possíveis.
No Brasil as estatais cresceram e desenvolveram um trabalho
extraordinário durante o período militar. Sob grande disciplina e obedecendo
planos nacionais de expansão, aproveitando recursos oferecidos generosamente
por muitos bancos estrangeiros, o país saiu de uma infra-estrutura incipiente
para um grande e harmônico quadro de empresas, cada uma cumprindo seu papel em
seu estado ou região. Dentro da estratégia adotada havia distribuição de
recursos, estabelecimento de padrões que apoiassem a indústria nacional em
formação (principalmente na área de telecomunicações ), complementaridade ( na
área de energia, principalmente ) e oportunidade. O combate à inflação nos EUA
e o aumento dos preços do petróleo destruíram esse modelo altamente dependente
de poupança externa. Infelizmente as crises mundiais foram mal avaliadas assim
como sucumbimos à megalomania. Uma série de obras gigantescas pararam ou
tiveram atrasos enormes diante da falta de recursos e da recessão. O Brasil
quebrou, as empresas entraram no período de abertura política endividadas e na
última década serviram para muitos outros interesses alheios a suas
finalidades.
Os donos do poder político encontraram nas empresas públicas
o espaço ideal para muita demagogia e solução de problemas menos confessáveis.
Durante a ditadura tivemos o Acordo Nuclear Brasil -
Alemanha, estabelecido em um período em que, de acordo com os autores do livro
“Panorama do setor de energia elétrica no Brasil”, Memória da Eletricidade “O
planejamento a médio e longo prazos foi praticamente abandonado, em detrimento
de uma gestão financeira mais imediata, determinada em ampla medida pela
política econômica governamental e pelas metas globais de planejamento “. Este
programa previa a instalação de oito centrais nucleares até 1990 com
investimentos de 10 bilhões de dólares (na realidade mais de 30 bilhões de
dólares). Sem necessidade, dentro de visões delirantes de desenvolvimento, até
a famosa iniciativa privada alemã embarcou nesse projeto de Brasil Maravilha.
Este e outros programas quebraram o Brasil, jogando-o na humilhante e abjeta
vala dos inadimplentes.
Após a abertura democrática, eleições a cada dois anos e
mudanças pelos motivos mais diversos dentro desse período geraram nas estatais
mais atraentes um clima permanente de instabilidade. Seus diretores, lá
instalados após muita negociação, precisam atender muitos planos e acertos. As
promessas de palanque criam propostas absurdas. Administrar as pressões de
sindicatos e partidos políticos passa a ser o grande desafio de quem assume o
comando de uma empresa estatal. Gerenciá-las estritamente dentro de seus
objetivos de existência não é difícil. Normalmente essas empresas têm
excelentes quadros de profissionais. Em pouco tempo qualquer bom profissional
verá o que fazer para conduzir sua empresa. O pesadelo vem de fora,
principalmente. De Brasília decisões arbitrárias e pouco razoáveis criam um
clima de instabilidade permanente. O Presidente da República acredita poder
definir detalhes para todos os quadrantes desse país. Seus tecno burocratas
ditam tarifas, normas técnicas e administrativas sobre ambientes que
desconhecem e não estimam. O exercício do poder emanado de bases decadentes,
especialmente depois do governo Collor, que destruiu a máquina administrativa
federal, tem sido uma demonstração permanente de irresponsabilidades. Nos
estados as grandes estatais são motivo de inveja e ciúmes. É incrível perceber
a vontade de muitos líderes de destruir as empresas simplesmente porque não as
dominam. Não admitem ter que respeitá-las. Querem-nas na vala comum da
administração direta, que eles conseguiram destruir também. O povo, informado
por uma imprensa nem sempre satisfeita com o que recebe, ouve as piores
notícias com prazer sádico. Em poucos estados as empresas públicas sobrevivem
merecendo a admiração e o carinho do cidadão comum.
Do clima tecnocrático da ditadura caímos no Mundo das
ilusões democráticas. Infelizmente qualquer grande obra leva anos para ser
decidida, construída e colocada em operação. São espaços que ultrapassam o
período de um mandato. Entram em fases de competição eleitoral, transformam-se
em objeto de demagogia, de exercício de oratória. O Brasil corre riscos de
desabastecimento de energia pelo efeito dessa estagnação. A Constituição
Brasileira, talvez a única constituição dinâmica do Mundo, mudando sempre
demonstra a fragilidade de uma nação que ainda não se entendeu.
No processo de ação política em torno das estatais as
esquerdas exploram o aspecto messiânico, a distribuição de benefícios e o rigor
legal. Na plataforma de qualquer candidato esquerdista veremos a oferta de
serviços a preços simbólicos às classes menos favorecidas. Seria muito mais
lógico lutar para que não dependessem dessas espécies de esmolas. Dá mais voto,
contudo, deixar o povo empobrecido e oferecer “ajudas”, principalmente com o
dinheiro dos outros. O denuncismo é outra forma de ação extremamente
prejudicial. Qualquer suspeita vira discurso. As vítimas que se virem para se
defender. Os grupos de direita, mais afinados com o exercício do Poder,
assumiram o discurso neo liberal. Têm dinheiro para comprar as estatais mas
querem fazê-lo ao menor custo possível. Assim contribuem entusiasticamente para
a desmoralização das estatais. No meio desse fogo a eficácia cai. As empresas
param sob o impacto de auditorias, mudanças permanentes de prioridades, falta
de recursos.
A democracia é o governo do povo pelo povo, nem sempre para o povo. Ser para a nação exige honestidade,
patriotismo e competência. Essa condição exige cultura, saúde mental, educação
política. Estamos muito longe desse cenário. Nosso povo tem consciência de
algumas questões básicas. Nada mais lógico que nessas áreas de entendimento o
poder político atue diretamente. Atividades mais sofisticadas, contudo, fogem à
compreensão popular e, principalmente, correm grandes riscos nas mãos dos
políticos e empresários associados. Um grande exemplo disso é a situação em que
se encontram estatais dos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Empresas
que deveriam ser extremamente rentáveis afundaram em dívidas absurdas por
conseqüência da incompetência e / ou desonestidade de muitos dirigentes.
Empresas com excelentes quadros técnicos desintegraram-se nas mãos de
dirigentes impostos politicamente. Em Minas Gerais a CEMIG por pouco não se
perdeu no Governo Newton Cardoso. O pior é que esse indivíduo arrisca voltar ao
Poder. Tem dinheiro para isso. No conceito de disciplina, de obediência à
chefia, vimos muita gente boa fazendo trabalhos que deveriam ter repudiado. O
silêncio e a fuga foi a postura dos menos covardes.
A nação brasileira veio em grande parte de origens servis. A
escravidão demorou a acabar. Sua transformação lenta e pacífica criou uma
personalidade fatalista, passiva. Nas empresas brasileiras poucas se destacam
por terem um clima de luta. Assim como é importante a tranqüilidade para um
ambiente de trabalho sadio, também o é para sustentação dos piores projetos. Em
pleno clima democrático vemos dirigentes de estatais brasileiras tratando suas
empresas como se fossem grandes fazendas. O exercício da autoridade do chefe é
sagrado. Esse iluminado impõe-se pela força do cargo. Gente sem experiência
maior que não a dos corredores dos palácios assume a direção das companhias com
todos os rancores e preconceitos dos gabinetes políticos. Assim vemos por um
lado a designação de pessoas despreparadas ou mal intencionadas e de outro
equipes servis e passivas. Empresas estatais, sem compromisso com o sucesso
administrativo, acabam sendo instrumentos dos piores gerentes. Os líderes que
os nomearam não têm outra preocupação que a geração de mídia e caixa de
campanha, com raras exceções.
A visão política também afeta a administrativa. A tese de
muitos é que a gerência democrática é possível e saudável. Principalmente nas
fileiras petistas vemos o democratismo, o basismo como forma de decisão. Essa
utopia aplicada a companhias, onde a redução de custos e o aumento da qualidade
é necessário, cria um processo lento e ineficaz. Lamentavelmente e naturalmente
o funcionário tem por prioridade seus desejos pessoais. O processo de decisão
sendo de baixo para cima tende a ser corporativo, egoísta. Agravando esse
processo nas empresas de energia, de uma maneira especial, por conseqüência do
altíssimo envolvimento técnico, criam-se facilmente ambientes pasteurizados,
alienados. Vimos seus sindicatos atuando em muitas ocasiões com a maior
insensibilidade em relação à população de modo geral. A democracia dentro da
administração leva à mediocridade, à ineficácia. Segue o nível de inteligência
da média, que não é motivo de orgulho para ninguém. As estatais têm recebido o
impacto de teses políticas pouco eficazes. Entre elas a idéia da gerência democrática.
É uma boa forma de diretores inexperientes entrarem gradativamente no comando.
O discurso dá-lhes tempo, transfere responsabilidades, cria simpatias. A
empresa perde tempo, o povo também.
O maior problema da empresa pública é a subordinação
política. A administração política, afetada por todo tipo de “lobbie”,
inviabiliza-se pela descontinuidade e irresponsabilidade. Principalmente a
nível federal o Brasil caminha para a desorganização total. Cada presidente que
assume vem carregado de compromissos e inspirações as mais irresponsáveis.
Esses políticos e empresários associados têm em seus projetos pessoais o povo
brasileiro como simples instrumento de poder.
Não há empresa que possa ter sucesso em um clima de
instabilidade permanente. A privatização total pelo menos traz a esperança de
vivermos com regras mais estáveis. Menos por maldade e mais pela consciência de
que os políticos do Terceiro Mundo não tem maturidade para conduzir os grandes
projetos é que podemos imaginar a retração de grandes bancos internacionais. A
utopia democrática é uma utopia tanto maior quanto mais ignorante e mal
informado seu povo estiver. Vemos questões as mais ridículos sendo valorizadas.
Falar mal dos funcionários das estatais enche horas e horas de comentaristas
presunçosos. O discurso da falta de recursos é usado descaradamente. O governo
e seus economistas bloqueiam qualquer esforço de viabilização. Querem a
privatização. Que venha. A grande vantagem é que esses indivíduos que hoje
provavelmente faturam o discurso da privatização terão que voltar a falar de
futebol. As empresas privadas serão o que são as estatais com a vantagem de
possuírem administrações mais sérias, indicadas por acionistas que cobrarão
resultados. A empresa pública inviabilizou-se porque democraticamente elegemos
pessoas que assim pretendiam agir. Viva a democracia!
26. O funcionário e a privatização
A maior resistência à privatização vem do corpo funcional
das empresas estatais. Infelizmente muito disso é conseqüência do medo, da
insegurança diante do desconhecido e do desconhecimento dos seus direitos.
O bom empregado, competente, trabalhador, honesto e
responsável só tem a ganhar com o afastamento do governo, política e eleitores
ignorantes. O empresário quer ganhar dinheiro e o faz em cima do trabalho de
suas equipes. Um cavalo de raça tem bom preço e é bem tratado. Um bom
trabalhador é valorizado e respeitado. Perdem os malandros e incompetentes. E
isso é ótimo para o bom funcionário. Não há nada mais irritante do que
trabalhar e ver ao lado um vagabundo, muitas vezes recebendo salário maior e
sendo melhor tratado. Porque é afilhado de algum político ou um bajulador de
gerências tem privilégios inacessíveis ao funcionário honesto. Esses
indivíduos, em empresas públicas, não
são cobrados por seus serviços e sim pela militância em campanhas e palácios.
A visão excessivamente egoísta do trabalho por parte de
grande parte dos trabalhadores é a principal responsável pelo esvaziamento dos
ideais socialistas. É comum perceber-se tanto em empresas estatais quanto
privadas a existência de funcionários que subordinam sua produtividade
exclusivamente à conquista de benefícios pessoais, sem nenhuma preocupação com
a coletividade. Muitos ainda pioram esta condição repelindo qualquer
responsabilidade ou proposta de trabalho mais pesado. Prendem-se ao passado,
alegam doenças ou outras restrições para não fazerem nada. Quem não conhece
algum companheiro que passou anos alegando perseguições, salários baixos ou a
necessidade de luxos impossíveis para simplesmente não trabalhar? Quem nunca
viu um mau líder, espalhando pensamentos negativos contra a empresa em que
trabalha e seus executivos? Infelizmente tornam-se o câncer funcional e
ideológico de empresas e sociedades que poderiam ser muito melhores.
As falhas servem de munição para os maus líderes. A
demagogia permanente encontrou na crítica aos empregados das estatais uma forma
de promover os piores políticos. A imprensa enche páginas e mais páginas com
artigos, que mais contribuíram para derrubar uma referência de salários e
qualidade de vida do que para a racionalização das empresas públicas. A
sensação que se tem é de que o trabalhador deveria ganhar apenas o suficiente
para a cesta básica, não ter férias, passar 12 a 14 horas no local de trabalho,
não reclamar, não lutar para melhorar sua vida. Essa é a mensagem que vemos
todos os dias. Sendo funcionário público ou de estatal a coisa piora. Aí os
adjetivos, as críticas são acrescidas dos piores qualificativos. Adjetivos
justos em muitos casos mas perigosamente generalizados e colocados de forma a
destruir uma proposta institucional, que poderia ter dado certo. Infelizmente a
redemocratização do Brasil coincidiu com a sua quebra. Entramos em um período
recessivo. A falta de crédito impediu que investimentos importantes fossem
feitos. Leis excessivamente protecionistas encareciam ou impediam qualquer
importação, contribuindo para a degradação, a perda de eficiência diante de
empresas do Primeiro Mundo. Pior ainda foi termos tido governantes da pior
espécie logo após a abertura política. Esses fatores adversos, juntos e
esquecidos à medida que o tempo passa, permitiram o cenário em que vivemos.
Cenário este agravado pelos péssimos exemplos de países como a Argentina, Chile
e México onde suas estatais antes da privatização estavam destruídas. A
Argentina, dentro de um clima sindicalista feroz e irresponsável, afundou de
vez com a corrupção e a Guerra das Malvinas. O Chile era teatro da maior guerra
ideológica e o México, escravo de oligarquias inescrupulosas, tem tido em suas
estatais uma forma de apropriação indébita do pobre dinheirinho de um povo
ingênuo. A verdade é que o Terceiro Mundo mostra com clareza os problemas de
populações mal educadas, sem base ainda para o exercício da democracia. Melhor
teria sido se esta parte da Humanidade ainda vivesse sob monarquias. Pelo menos
a definição de classes e a exploração seriam explícitas e não sob a camuflagem
democrática.
Com a privatização os empregados poderão exercitar seus
direitos sem a interferência cretina de muitos dos atuais gestores da opinião
pública. Teremos o que vemos, por exemplo, no transporte coletivo urbano. Nessa
área percebemos até empresários estimulando greves, com o apoio silencioso dos
mandarins da notícia, pois sabem que quanto mais ganharem seus empregados mais
argumentos terão para aumentar tarifas e desta forma faturarem mais.
O importante na privatização será ter sindicatos fortes,
solidariedade e disposição para a luta. Nesse novo ambiente o que se respeita é
a força. As questões éticas do processo político desaparecerão. As leis do
“Gerson” e “do mais forte” estarão cristalinamente presentes. Sem ilusões e com
vitalidade todos sairão ganhando, principalmente os bons trabalhadores.
As famosas relações salariais, limitações em cima de
secretários de estado, ministros, presidentes e outras besteiras típicas do
serviço público desaparecem na iniciativa privada. Alguém questionaria o
salário do Aírton Senna? Pelé? Xuxa? do presidente e gerentes da Ford? não
passa pela cabeça de ninguém que eles deveriam ganhar menos que o presidente da
república. Temos pelés nas estatais mas a esses é crime falar sobre o assunto.
Afinal são empregados do povo...
Os cuidados a serem tomados pelos empregados das estatais
são muitos nesse processo de transformação. Apesar das vantagens mencionadas
algumas questões deverão ser observadas.
A manutenção de fundações talvez seja a questão mais
delicada. Algumas estatais têm esquemas de aposentadoria insustentáveis. Nesses
casos haverá perdas inevitáveis. Noutras as fundações são perfeitamente
justificáveis, viáveis mas perigosamente atraentes a muitos aventureiros. As
negociações deverão ser conduzidas com inteligência e competência até porque os
empregados não contarão com a simpatia
popular para as suas questões. O povo brasileiro foi ludibriado pelos
sucessivos governos federais. A aposentadoria, tão bem estruturada quando da
criação da nova legislação trabalhista há mais de trinta anos, foi perdida na
demagogia da Constituição Federal de 1988, quando milhões de brasileiros entraram
no sistema sem nunca terem contribuído para a formação de seus fundos
previdenciários, e, principalmente, destruída pelas péssimas administrações.
Falar de corrupção é “chover no molhado” mas foi o que vimos e o que fez
evaporar dezenas de bilhões de dólares.
A previdência privada brasileira tem se mostrado frágil.
Muitas propostas foram anunciadas e quais sobreviveram? Aliás nessa área ainda
falta processar ou pelo menos investigar um dos maiores crimes contra a
economia popular jamais feitos no Brasil. Quem ganhou com o golpe dos montepios
militares? onde foi parar o dinheiro arrecadado durante tantos anos? ninguém
será punido? O Brasil é um país estranho. Discute-se à exaustão pequenas
questões, as grandes são olimpicamente ignoradas...
Um grande risco que o próprio povo corre, pois ele é o
proprietário das estatais, será a privatização das partes mais rentáveis,
deixando o “mico” na mão do governo. Isso acontecendo a tendência será deslocar
o corpo funcional para a parte menos rentável, a que ficará estatal. Assim essas empresas residuais morrerão de
inanição junto a seus funcionários. Dentro da própria política de distribuição
de benefícios as estatais têm tido o compromisso de atender áreas mais pobres.
No Setor de Energia Elétrica temos a eletrificação rural e os programas
dedicados a consumidores de baixa renda. Deficitários, existem em compensação
das áreas mais ricas e são atendidas por vontade expressa dos dirigentes
políticos. Evidentemente não constituirão prioridade de empresários privados.
Eles poderão livrar-se dessas áreas e do corpo de funcionários das estatais
deslocando-os para essas empresas assistencialistas.
Para os funcionários das estatais o ideal seria a posse de
parte substancial das ações dessas futuras empresas. Diante da impossibilidade de adquirirem
quantidades significativas, a pulverização do capital acionário entre muito
investidores é desejável para evitar-se
o império de grupos econômicos. É óbvio e inevitável que aqueles que possuírem
o controle acionário ditarão as regras. É claro que se os empregados
constituírem um fundo de participação poderão negociar decisões, participando
da administração da empresa. Quanto antes os empregados das estatais se
organizarem e já em Bolsa de Valores começarem a comprar ações, mais cedo
estarão se organizando para atuarem no processo. Os sindicatos, antes de
proporem lutas inúteis, deveriam estar discutindo formas de entrarem no
processo de forma pró ativa.
Uma questão importante é o ajuste dos estatutos das
empresas. Esses documentos deveriam ser estudados, discutidos à exaustão assim
como a Lei das Sociedades Anônimas. O processo de desestatização é vital à
nação, aos funcionários e aos investidores. Essas três partes deveriam estar
discutindo, estudando com profundidade a
questão privatização. Ela é inevitável, boa para o Brasil. Poderá ser ruim,
perversa, lesiva aos interesses de nosso povo se for mal conduzida. Os
funcionários das estatais, principalmente, até por serem pessoas com boa
formação escolar, devem aprofundar-se nessa questão. Entendendo que a
privatização é necessária diante da constatação de que a democracia não gera
bons gerentes, sabendo que o Brasil precisa concentrar atenção e recursos em grandes programas de
reforma agrária e de recuperação dos sistemas de educação, saúde e segurança,
devemos trabalhar para que a privatização gere o máximo de recursos e reordene
o país de forma a ser mais eficaz.
Será interessante ver o equacionamento de dívidas entre
estatais e com os poderes públicos. Atualmente é natural que empresas de água e
saneamento não paguem suas contas às companhias de energia elétrica. A COPEL (
Companhia Paranaense de Energia ) terminou o ano de 1994 com um crédito de mais
de vinte milhões de reais junto à SANEPAR (Companhia de Saneamento do Paraná) .
No Maranhão a CEMAR (Centrais Elétricas do Maranhão) tinha a receber mais de
cem milhões de reais da empresa de água e esgoto ao final de 1994. Prefeitos
consideram natural não pagar contas de luz e água. A inadimplência faz parte de
nossa cultura. Honrar compromissos parece não preocupar um povo, que aprendeu
bastar um ato religioso para obter o perdão de seus pecados...Empresas e
empresários terão relações mais duras e realistas. Talvez essa seja a grande
contribuição do processo de privatização, ou seja, fechar essa porta do
messianismo, da visão milagreira. Nosso povo precisa aprender que nada acontece
de graça. Tudo tem seu custo. Qualquer benefício concedido à alguém, outro terá
de pagar. Os empregados das estatais
sabem como são forçados a atender pedidos venais de autoridades. Do alto de
seus cargos consideram-se livres para não respeitarem qualquer regra ou lei.
Esses grandes corruptores terão seus espaços reduzidos. Quem irá substituí-los?
A grande responsabilidade dos funcionários das estatais é a
vigilância cívica para que esse processo seja honesto e competente. Aqueles que
trabalham em empresas de energia sabem melhor do que ninguém a complexidade e
os riscos de instalações tão complexas e importantes. Nosso povo não tem
consciência do significado desse patrimônio público. Nossos líderes políticos
não têm dado demonstrações de seriedade suficiente. Isso tudo aumenta a
responsabilidade dos empregados dessas empresas. Organizados, em sindicatos e
associações, deverão ter participação ativa, positiva, inteligente e
responsável na privatização que corre seu curso, até agora cheio de pontos
nebulosos, mal explicados. A polêmica maniqueísta tem contribuído para a perda
de oportunidades importantes. Os trabalhadores devem compreender que
continuarão trabalhadores independentemente se dentro de estatais ou empresas
privadas. O que precisam é organizar-se para defender seus direitos. Terem
força para negociarem e obterem o máximo de benefícios. As mudanças são
naturais, fazem parte da dinâmica da natureza. Nada é eterno, inclusive as
instituições tão sagradas aos conservadores.
27. Fundações, assistência médica e salários
É válido aprofundar um pouco mais a discussão sobre
fundações, salários e assistência médica. São questões importantes no bem estar
e segurança dos funcionários, merecendo o máximo de cuidado no processo de
privatização.
À semelhança de grandes companhias multinacionais, no início
da década de setenta as empresas de energia elétrica criaram suas fundações. À
época o Brasil vivia um clima de exceção, facilitando processos que
interessassem ao poder estabelecido, feitos, contudo, sem os cuidados normais
em países sob o império da lei. De qualquer modo começaram timidamente,
ganhando força mais adiante, estabelecendo planos altamente privilegiados mas
dentro de estruturas extremamente frágeis. Muitas fundações praticamente
quebraram em conseqüência de decisões no mínimo irresponsáveis. Não fecharam
porque, também dentro do clima de tolerância existente, as patrocinadoras
assumiram o ônus de suas recuperações, repassando os custos aos consumidores e
contribuintes. Infelizmente ainda hoje a maioria delas dá a seus
administradores, indicados pela direção das empresas (e esses pelo governo
correspondente), o poder de estabelecer negócios capazes de destruir a saúde
financeira de suas entidades em poucos dias.
A liberdade de decisão, a autoridade que o maior acionista
tem sobre as fundações é muito grande. Com diversos instrumentos de pressão
impõe sua vontade em prejuízo, principalmente, dos dependentes dessas
entidades. Isso pode ser corrigido. Todos os associados a fundações de empresas
estatais deveriam estar promovendo discussões sobre seus estatutos para
torná-los mais eficazes, permitindo controles importantes sobre suas
administrações. Questões como o número de membros dos conselhos de
administração e fiscal deveriam ser levantadas, aumentando-se o número de
representantes dos aposentados e do quadro funcional. Deslocando o poder para
os funcionários e aposentados, o uso das fundações para atendimento a
interesses estranhos aos beneficiários seria inibido, não impedido totalmente.
Há necessidade urgente de se estabelecer maior equilíbrio e
cuidados na maioria dessas entidades. Sabemos que são alvo constante de todo
tipo de corruptor. Lembrando a fragilidade do ser humano, a facilidade com que
se deixa envolver por todo tipo de atenção cortês, fica fácil entender a
necessidade de máxima vigilância. Elas movimentam milhões de dólares
diariamente, aplicam em bolsas de valores, artifícios bancários, compra de
imóveis, negociam benefícios e deveres que despertam todo tipo de interesse.
Infelizmente o processo de participação nem sempre é eficaz.
Muitas corporações têm critérios estranhos de decisão, colocando em cargos de
grande importância pessoas sem preparo técnico e base moral para tomar decisões
coerentes com os postos conquistados. É terrificante ver e ouvir manifestações
de indivíduos despreparados nesses cargos de direção. Representando os
trabalhadores diante dos acionistas mostram níveis de indigência mental
surpreendentes. Isso significa a necessidade de conscientização das
responsabilidades de cada indivíduo. Principalmente aqueles que pretenderem
participar de processos eletivos, será importante estudar, preparar-se para
votar e ser votado. Adquirimos uma visão irresponsável do processo democrático.
Tão sem respeito pela importância do sistema que o tornamos obrigatório nas
eleições públicas. Nossos constituintes de 1988 cometeram erros incríveis.
Mostraram que não estavam preparados, que um congresso somando as funções de
legislador e constitucionalista é frágil às pressões das piores conveniências.
Uma constituição é um documento de altíssima responsabilidade, não poderia ter
sido feita como o foi em 1988. Dentro de nossas empresas temos paralelos ao
ambiente externo. Lideranças, filosofias e comportamentos refletem a cultura do
povo. Há necessidade de maiores cuidados quando sabemos estar em um país que
saiu recentemente de uma ditadura, onde grande parte da população é
semi-analfabeta. Nas estatais, com lideranças filtradas pela ditadura, vimos
teses mesquinhas serem defendidas com ardor. O corporativismo tornou-se um
câncer no meio de pessoas que pouca sensibilidade possuíam dos problemas
sociais.
Resumindo, há necessidade de atenção especial ao futuro das
fundações. A negociação para a privatização deverá incluir a estruturação
dessas entidades de modo a preservar direitos adquiridos.
Outro aspecto delicado a ser analisado é a continuidade dos
planos de saúde. Eles têm custos. Quem paga? como? Algumas empresas
desenvolveram programas extremamente liberais, elas terão que ajustá-los à nova
realidade. Ninguém faz milagres, o combate à inflação exige do administrador de
concessionárias de serviço público muita austeridade. Estabelecer limites
decentes do que as empresas poderão fazer é um desafio delicado, importante.
Normalmente no ardor das assembléias sindicais perde-se referências. Os mais radicais vencem na
emoção. Os líderes acabam tendo que defender propostas caras. O resultado é o impulso
irresistível rumo à automação. A preservação de empregos exige mantê-los a
custos suportáveis. No Brasil temos milhões de trabalhadores ganhando salários
miseráveis. Não há como justificar moralmente benefícios extraordinários a uma
parte do contingente operário. A tendência é o crescimento dos níveis menores
em detrimento dos maiores. O mais prudente é ter-se uma vida regrada,
acumulando-se uma poupança para a aposentadoria, para a hipótese do desemprego
e para poder tratar-se dignamente em caso de enfermidades maiores.
Na iniciativa privada a equação “custo X benefício” é
respeitada rigidamente. O bom empresário segue esta matemática com rigor.
Qualquer possibilidade de aumento dos lucros é procurada e exercitada com
avidez. A sobrevivência das empresas depende dessa condição. Greves históricas
e pretensões absurdas demoliram as esquerdas brasileiras. O povo, estarrecido,
sentia-se lesado por aqueles que, de cima de postos de trabalho essenciais,
exigiam salários muito acima dos níveis praticados em outros setores. A
dificuldade em demitir e o respeito a esses movimentos no serviço público e nas
estatais foi uma motivação forte a favor da privatização. O trabalhador das
futuras empresas privadas precisa conscientizar-se que a disciplina e as
cobranças serão maiores em companhias privadas. Os salários e outros benefícios
terão sempre como referência os valores de mercado.
O grande segredo do trabalhador é valorizar-se sempre
estudando, aprimorando suas qualidades profissionais, preparando-se continuamente
para competir em qualquer mercado de trabalho.
28. Patrimônio humano
O debate maniqueísta e insensato entre a esquerda e direita
tem ignorado o tremendo patrimônio técnico humano produzido pelas empresas
estatais. Trabalhadores, que dentro delas encontraram espaço para se
desenvolverem, tornarem-se grandes profissionais. É extremamente doloroso ouvir
os comentários de lideranças alugadas pelos grandes grupos hostis às estatais.
Alguns com grandes indícios de pertencerem a esquemas meganacionais de poder
tem a desfaçatez, o cinismo e desonestidade de sistematicamente ignorar e até
agredir milhares de brasileiros, que deram a vida pelo progresso desse país. Em
qualquer empresa pública encontraremos pessoas abnegadas, fiéis ao contrato que
assinaram com o povo brasileiro.
É interessante notar a
ausência de críticas àqueles que aplicam seus recursos fora do Brasil. O
volume de dinheiro de “brasileiros” em bancos estrangeiros e em outras espécies
de aplicações é da ordem de muitas dezenas de bilhões de dólares. Contra esses
indivíduos pouco se ouve nas emissoras de televisão, rádio e jornais.
A verdade é que o Brasil em suas empresas estatais gerou
centenas de milhares de excelentes profissionais. Engenheiros, técnicos,
advogados, administradores e outros tiveram a oportunidade de crescerem, adquirirem consistência
técnica. Esses profissionais têm um grande potencial de realização. A grande
maioria deles não é mais produtiva por absoluta falta de oportunidade.
Ao adotar-se o modelo imposto pelas grandes potências, o
Brasil abandonou o caminho de se desenvolver com seus próprios recursos.
Liberando importações inúteis obrigamo-nos a desenvolver uma política
exportadora. Ao não criarmos uma base para nossas indústrias e a própria
lavoura e pecuária, esse potencial exportador cai na redução cruel de custos,
no empobrecimento do povo. Na conversa das fronteiras abertas, escravizamo-nos
a regras impostas pelos mais fortes. Optamos pela produção de matéria prima,
minérios, produtos manufaturados de baixo valor agregado. O Brasil defende
idéias que só existem no discurso dos liberais mais ortodoxos das grandes
nações.
Mas no período em que o Brasil foi prioridade criou-se uma
base técnica respeitável. Caminhávamos rapidamente para bons padrões técnicos.
Essa base gerou profissionais excelentes que agora simplesmente procuram formas
alternativas para sobreviverem. O risco da absorção das estatais por empresas
estrangeiras será a transferência para o exterior do trabalho de engenharia,
administração e finanças. Este mercado de trabalho garante a existência no
Brasil de profissionais extremamente importantes. Durante as Grandes Guerras o
Brasil sentiu em toda a sua profundidade o que significa ser relegado a um
nível de prioridade inferior. Vivemos períodos de racionamento por falta de
produtos e, em muitos casos, por falta de capacidade de produzi-los aqui.
O desafio de criarmos uma sociedade empreendedora passa pelo
aproveitamento desse potencial tecnológico, criado nas empresas públicas de
administração direta e indireta. Dentro das novas regras de mercado precisamos
criar estímulos à atividade empresarial, estímulos fortes para o pequeno
empresário industrial e agrícola. O engenheiro, o técnico de uma estatal que se
afasta de sua empresa mãe tem base para ser um pequeno industrial, consultor,
fazendeiro. Ele precisa de alguma orientação e facilidades para se estabelecer.
O grande problema é o desconhecimento de nosso povo dessa
riqueza. Em uma nação ignorante sob todos os aspectos a demagogia encontra
espaços inimagináveis em países mais desenvolvidos. Aqui a estupidez é tão
grande que os mais humildes votam a favor daqueles que os mantém na miséria.
Não pela força das armas ou de qualquer outra espécie de coação mas pela
simples ação de uma mídia muito inteligente. Nação de subnutridos físicos e
mentais, não consegue encontrar o caminho de sua própria redenção.
O Brasil tem uma grande riqueza. Tivemos o ouro, a madeira,
a borracha, a cana de açúcar desde o início de nossa história e o café como um
produto que durante muito tempo marcou o Brasil. Poderíamos dizer que hoje
possuímos milhões de jovens preparados para o mercado de trabalho. Não seria
errado relembrar que em nossas estatais milhares de profissionais atingiram
excelentes níveis de produtividade e qualidade. Como aproveitá-los? o que no
processo de privatização será valorizado? como ter esses recursos em sua
plenitude? o grande desafio da privatização é termos um processo que aumente o
valor de nossa população, que reduza a miséria, que contribua com o aumento da
felicidade da nação.
As empresas de energia elétrica, principalmente, têm em seus
quadros grandes especialistas em muitas artes. Mecânicos, eletricistas,
químicos, biólogos, matemáticos e outros padrões de especialistas estão maduros
para produzir. Infelizmente uma parte da estratégia de privatização das
estatais é desmoralizá-las. Restrições de toda espécie, aliadas à uma
vigilância burra, tem contribuído para uma regressão técnica. A mediocridade
dos grandes dirigentes é incrível. Leitores das piores cartilhas falta-lhes
qualquer inspiração.
No processo de privatização dever-se-á atentar para a
distribuição de tarefas. O grande patrimônio de qualquer povo é a sua cultura.
Não podemos perder o que conquistamos na área técnica. O Brasil desprendeu-se
de muitas amarras. Getúlio Vargas, tendo vivido muitas guerras, determinava
caminhos de independência. Nossa geopolítica, como talvez teria dito Golbery,
exige soldados armados de cálculos e ciências as mais diversas. Esses
profissionais formaram-se nas estatais. Empresas mais preocupadas com o
desenvolvimento de suas áreas do que com possíveis lucros investiram em
treinamento além de terem propiciado ambientes de grandes experiências. Isso
não pode ser perdido. Não podemos ser ingênuos acreditando que o Mundo mudou.
Não podemos imaginar uma Humanidade altruísta. Ela não o é. Preservar e
valorizar nosso especialista é garantir nossa independência, a soberania de
nosso país.
29. O cidadão e a privatização
Qual o maior
benefício para o cidadão comum? o que ele ganhará com a privatização? e
o que perderá?
Um aspecto importante da privatização será acabar com o
argumento de que o Brasil está mal porque há muita empresa estatal. Esse
argumento, já tradicional dos formadores de opinião, terá que ser substituído.
Eles passarão à defensiva ou descaradamente, como é habitual entre eles,
simplesmente mudarão de bandeiras. A alegação de que as estatais são as
responsáveis por todas as mazelas desaparecerá com elas. O governo terá que
explicar-se sobre compromissos diretos, básicos. Nosso povo finalmente verá que
seus problemas sociais devem-se a propostas equivocadas, a gerências erradas, a
questões estruturais e culturais muito mais profundas do que o salário de algum
técnico. Finalmente poderemos discutir o tamanho do Brasil, as teses religiosas
de produção de anjinhos, a má distribuição de renda, direitos e deveres.
A privatização, se bem administrada, produzirá recursos
importantes. O dinheiro arrecadado, poupança popular, poderá ser aplicado em
setores carentes de recursos. O orçamento da União e estados poderá ser visto
com mais clareza.
Corremos o risco do desperdício. Muitos governantes, para
ganharem o aplauso de turistas e estrangeiros defendem projetos “ecologistas”,
a construção de monumentos, o enfeite puro e simples das cidades. O turismo é
uma grande indústria e gera muitos empregos. Deve-se cuidar, entretanto, para a
redução da mortalidade infantil, ainda muito alta. Escolas, saneamento básico,
hospitais, estradas e a conservação da infra-estrutura existente são
prioridades absolutas.
O processo de alienação tem por objetivo obter recursos para
projetos mais importantes que a ampliação de serviços pelas concessionárias.
Essas empresas deverão atrair recursos privados. O que significa a aplicação de
grandes investimentos sobre os quais os investidores esperam um retorno
razoável. A que taxas? a rentabilidade
dessas aplicações dependerá de tarifas realistas. Nossos consumidores estão
dispostos a pagá-las? e o combate à inflação? o governo permitirá ajustes sob qualquer
disciplina? existe a expectativa de redução de custos. Esses ganhos refletirão
em redução de custos para os consumidores? não tem sido habitual no Brasil o
consumidor ganhar alguma coisa diante dos grandes trustes, cartéis,
monopólios...
Tudo isso significa a
necessidade de vigilância cívica. Nunca foi tão importante estar atento
ao processo político. A Justiça é o grande instrumento de defesa do cidadão nos
países civilizados. Nós ainda não o somos. Existe Justiça no Brasil? o que
existe funciona? está a serviço dos mais fracos ou dos mais ricos? aqui vemos a
Justiça da mesma forma que a Medicina, existe para os ricos e poderosos. O
resto é o resto.
A privatização aumentará a responsabilidade do cidadão
comum. Ele já não poderá desculpar-se dizendo que o que tem foi decidido nas urnas. Sua luta será
contra grandes grupos econômicos, que ele deverá enfrentar na Justiça, nos
guichês, nas ruas sem outra forma de ação que não a de um cidadão contra
outros, lutando diretamente. A sociedade capitalista é um ambiente de lutas.
Vence o mais forte. Não existe espaço para fantasias. A competição é a regra,
inclusive a disputa por direitos, benefícios. Quem pagar mais levará.
Dentro de uma sociedade desestatizada teremos o conflito
real entre empresas. No ambiente brasileiro, onde vemos a convivência de
diversos tipos de organizações institucionais, o povo é logrado ao colocar
recursos a serviço de grupos econômicos, que apoderam-se de serviços a custo
simbólico, compram e vendem produtos em condições privilegiadas. A privatização
total fechará portas a espertezas já tradicionais em nosso país. Aqui temos vivido a lógica de que se todos
roubarem um pouco, alguns poderão roubar muito sem resistências. O brasileiro
viverá dentro de um Mundo mais realista, sem concessões e facilidades
demagógicas. A nação estará em um clima mais duro e justo. O conflito de
interesses entre empresários, todos defendendo avidamente seus lucros, existirá
em um ambiente em que as regras do jogo são muito claras. Ao cidadão caberá a vigilância,
a cobrança de direitos, a qualidade e abundância de serviços.
Ao cidadão comum será importante a existência de competição
sempre que possível. O ambiente monopolista era compreensível, quando partia-se
do princípio de que certas áreas seriam estatais. Não havia lógica do governo
competindo com ele próprio. Privatizando-se entramos no cenário em que o lucro
é o fator determinante das decisões gerências. Evidentemente a tentação de
maximizá-lo é grande, mesmo em prejuízo da nação. A quebra de monopólios é,
pois, lógica e necessária a todas as atividades privatizadas.
Uma exigência a ser feita pelo nosso povo deverá ser a da
agilizarão da Justiça, principalmente dos institutos de defesa do consumidor.
As grandes empresas sempre têm um suporte jurídico apreciável. Enfrentá-los
será o desafio se quisermos qualidade e preços justos.
30. O estado mínimo
As diversas experiências vividas pelo povo brasileiro e a
realidade mundial levam-nos a entender a necessidade de privatização e o
aproveitamento dos recursos obtidos para desenvolvimento de áreas abandonadas
ou carentes de recursos.
Sob o ambiente democrático brasileiro as estatais se
inviabilizaram. Com raras exceções, elas sofreram o impacto da demagogia, da
descontinuidade administrativa e de ingerências corrosivas. Cumpriram o seu
papel principalmente durante o período militar, quando sob a coordenação severa
típica da época e sob grandes planos de desenvolvimento fizeram o seu papel.
Agora, depois de uma década infernal, à medida que o Brasil reencontra sua
normalidade econômica, descobre também milhões de brasileiros sem maiores
expectativas de vida do que o subemprego, a fome, a falta de moradia e de
dignidade. Nossa prioridade agora deve ser educar, salvar, recuperar essa
multidão quase indigente. Para isso precisamos de um estado mais concentrado
nessas questões básicas. Estado fiscalizador, arrecadador de impostos,
normativo e que gaste seus recursos nas questões mais importantes à
sobrevivência de nosso povo. A iniciativa privada, assumindo serviços, pagará
para fazê-lo. A elite capitalizada comandará a implantação de nossa
infra-estrutura diretamente, sem intermediários. A burguesia deverá encontrar
outros “bodes expiatórios” para suas frustrações. O trabalhador continuará na
sua condição mas agora lutando contra autênticos empresários. O povo , esse
conjunto de pessoas de todas as classes, terá a oportunidade de ver com mais
clareza o que funciona ou não.
Nossa esperança está nas dimensões continentais de nosso
país, no potencial de um povo que apesar de todos os pesares tem sabido sair de
embaraços perigosos sem grandes violências, um povo criativo e trabalhador.
O importante nesse processo de alienação será a maximização
de benefícios para a nação. Impõe-se severa vigilância pois os “lobbies” estão
atuantes. Nossos legisladores adoram ser paparicados. Eleitos viram
autoridades, entendem-se acima do cidadão comum. Esses deuses narcisistas e
verborrágicos são, infelizmente, o grande risco de um desvio perigoso. O povo
mais humilde não se faz representar de forma mais agradável além do próprio
voto. Não tem como ficar pelos corredores de Brasília fazendo convites para
jantares ou fins de semana em fazendas e iates. É interessante notar com que
facilidade na mídia as elites denunciam a ação de sindicatos e associações,
quando se atrevem a procurar em Brasília a defesa de seus interesses. Não
ouvimos, entretanto, reclamações contra os lobistas das eletrointensivas, da
indústria do papel, dos empresários da siderurgia etc...
Mas precisamos confiar no patriotismo e seriedade da maioria
de nossos políticos. Se assim não o fizermos estaremos rejeitando a democracia.
Por piores que sejam foram eleitos e têm o direito de decidir em nome do povo
enquanto de posse de um mandato. Se errarem o povo terá como corrigir suas
decisões não os reelegendo, colocando no Congresso pessoas mais afinadas com
seus desejos. E hoje é claro que a nação não se preocupa muito com a sorte de
suas estatais. A privatização é desejo da
maioria dos que tem a preocupação de pensar a respeito. Se chegaram a
essa opinião por efeito de campanhas de lavagem cerebral é outra questão.
Democraticamente espera-se a desestatização de nossa economia. Para isso muito
contribuíram as centrais sindicais. Ambientes de pessoas nem sempre conscientes
de suas responsabilidades, as centrais têm feito movimentos grevistas danosos
ao conforto e segurança de nossa população. Infelizmente no Brasil partiu-se
para um jogo em que primeiro se faz a greve e depois se diz o que se quer. O
resultado é a desmoralização dos movimentos
reivindicatórios. Nele muitos ainda teimam em raciocinarem como se
estivessem em uma guerra em que o patrão é o inimigo. O resultado tem sido
negativo ao próprio trabalhador.
A privatização e a regulamentação deverão ser feitas de modo
a ficarem o mais distante possível dos palácios as principais decisões. Dentro
da frieza de empresários, na cobrança de consumidores e tendo a Justiça como
principal instrumento de arbitragem o Brasil poderá caminhar para um estado
mais sadio e coerente.
O governo, concentrado nas grandes questões sociais, poderá
aplicar-se com melhores resultados naquilo que dele se espera : criação de uma
nação justa e sadia.
A desestatização, levando a um cenário de convivência e
competição, será um estímulo ao respeito às leis. Em um ambiente estatal a
arbitrariedade é compreendida como expressão democrática, natural. Une-se o
poder econômico ao político. O direito do cidadão é visto através da ação
política e não de forma natural, pacífica. O paradoxo é que no início haverá um
ambiente de muita luta. As grandes empresas procurarão impor suas planilhas,
suas novas regras. Se estivermos suficientemente educados, preparados, teremos
um povo questionante, combativo. A luta
trará com o tempo a acomodação necessária. Teremos aumentos de tarifas.
O empresário não tem como escapar dessa condição. A estatal pode ficar
inadimplente. A receita orçamentária dos estados e da União cobrem períodos de
déficit. Em um cenário sem esse patrocínio o povo sentirá os verdadeiros custos
dos serviços. Em algumas atividades haverá redução de tarifas. Isso poderá
acontecer principalmente naquelas empresas alienadas muito abaixo do custo, do
seu valor real. Sem custo sensíveis de capital poderá começar com tarifas
pequenas. Na seqüência a modernização, racionalização e moralização permitirão
ganhos substanciais. A privatização dos portos com certeza reduzirá seus custos
operacionais.
No Brasil, de uma maneira especial, vemos em Brasília um
poder colossal a serviço de interesses distantes de muitas regiões. Grandes
estatais, de ação nacional, ficam nas mãos de grupos identificados com uma ou
outra região. O Sul do Brasil, por exemplo, tem perdido sempre. Sem grande
presença política na administração do país após 83 e com a imagem de região
rica, vê seus projetos preteridos. A
degradação da infra-estrutura é evidente. O poder está acima do rio
Paranapanema. Até aqueles sulistas, que conquistam algum lugar em Brasília,
para se manterem em seus cargos acabam virando as costas para suas origens...
31. O empresário e a privatização
Uma questão intrigante é saber como pensam agir os futuros
concessionários. O empresário internacional raciocina com uma taxa mínima de
15% de retorno ao ano, fora a inflação. O nacional está habituado a lucros
maiores. As estatais da área de energia, as melhores, estão com taxas de
retorno menores que 5% ao ano, e isso sobre um patrimônio sub avaliado. As
tarifas têm sido mantidas abaixo dos níveis razoáveis, principalmente em
estados de baixa densidade demográfica onde os custos são certamente muito
maiores que os possíveis em cidades como São Paulo, por exemplo. Como pretendem
ser compensados pelos investimentos a serem feitos, e são muito grandes?
No passado vimos muita gente pegando dinheiro do BNDES,
administrando empresas de fachada ou de forma a transferir recursos, quebrando,
devolvendo a sucata ao BNDES e indo viver muito bem em outros lugares. Será
essa a estratégia de muitos?
Outra preocupação será a demolição das empresas absorvidas.
O novo proprietário assume, vende o que puder, investe apenas no que for
altamente lucrativo e, não tendo melhores resultados, devolve ao estado o que
não interessar mais.
Alguns empresários poderão ter apenas interesse na garantia
de atendimento a suas indústrias. A concessionária será um suporte para tudo,
menos para atender o povo.
Para ter sucesso, a privatização deverá permitir a formação
de empresas rentáveis em sua própria atividade direta. A atual política
tarifária é impossível. A lei 8631 (vide anexo) viabilizava a privatização, tornando-a
um negócio atrativo. As intervenções posteriores do malfadado Ministério da
Fazenda, todo poderoso e incompetente, quebraram essa porta. Na área de
combustíveis, a Petrobrás que tinha uma estratégia de custos para os
combustíveis automotores viu tudo mergulhando dentro da demagogia do presidente
Itamar Franco. Diminuíram o preço ao consumidor da gasolina e do álcool. O
resultado foi entupir estradas, aumento da poluição, esquecimento do transporte
coletivo que poderia ter sido beneficiado com os lucros excedentes da Petrobrás
e redução da atratividade das ações da PETROBRÁS.
O preço baixo da gasolina e do álcool são uma demonstração
eloqüente da imprevidência nessa área. O transporte individual ganhou força. Em
poucos meses as cidades transformaram-se em um pesadelo viário. O transporte
coletivo firmou-se que opção dos mais pobres e vê-se obrigado a competir com
automóveis de todo tipo em ruas que não estavam preparadas para tanto trânsito.
Somando-se os investimentos necessários para a solução deste problema, haveria
a necessidade de dezenas de bilhões de dólares para a construção de viadutos,
túneis, alargamento de avenidas além da necessidade de antecipar obras de
metrôs em diversas cidades. A insensatez deu a vitória nas eleições a FHC mas
mergulhou o Brasil em uma crise monumental.
O interesse da iniciativa privada em investir em empresas
hoje estatais dependerá diretamente da expectativa de lucro. Não existe ninguém
que queira gastar suas economias para ter prejuízo. O governo federal teima em
não explicar essa questão à população. Ou seja, as tarifas vão aumentar após a
privatização. Para que isso não ocorra intensamente algumas faixas de
consumidores (os mais humildes) já estão com tarifas maiores.
É importante também lembrar a necessidade de estabilidade
institucional. O Brasil precisa mostrar ao Mundo que é um país estável. Até
agora isso tem sido impossível. Nossa Constituição Federal muda sempre.
Incrível, o que deveria ser um conjunto de leis sagradas, permanentes, é quase
um Código Civil com detalhes do tipo idade de aposentadoria e número de dias
que se deve ficar em casa quando se tem filhos. O plano Collor de estabilização
da economia mostrou violentamente o desprezo pelos direitos dos cidadãos. Somos
um país que se deixa governar por medidas provisórias. Vivemos um misto de
ditadura e democracia. E o pior, como é uma ditadura que depende do voto, é
escrava da demagogia, do populismo, da mídia. Será que algum grupo econômico
está disposto a investir bilhões de dólares no Brasil? Talvez por absoluta
falta de opção isso viesse a acontecer.
A privatização de estatais como a Vale do Rio Doce poderá
trazer muito dinheiro para o Brasil. Seus produtos não são tabelados,
controlados. Tem mercado fora do Brasil. Não dependem de nossa capacidade de consumo.
Os bancos também poderão render um bom dinheiro, afinal somos o paraíso da
agiotagem. Mas empresas de energia, água e esgotos, portos, ferrovias e
telefonia são de grande risco para o investidor. Quem vier a assumir empresas
dessa espécie deverá estar preparado para desenvolver trabalho de cooptação de políticos e
burocratas do governo ( principalmente do MMF ) para exercitar tarifas
rentáveis ou estará agindo com outros interesses. Os grandes investidores conhecem
muito bem o Brasil.
A desestatização exige um novo Brasil. Precisamos vir a ser
um país de leis estáveis e respeitadas. As concessões de serviços públicos
devem ser objeto de contratos minuciosos e inteligentes. A Justiça deverá poder
com rapidez e competência julgar qualquer dúvida ou pendência. Em benefício do
empresário e do povo há necessidade de aprendermos a negociar e estabelecer
contratos estáveis, acima das variações de cor política e impulsos demagógicos.
Talvez a privatização contribua para a criação desse espírito, que perdemos nos
palanques e gabinetes mal iluminados.
Mas o sucesso do processo privatizante passa pelo
convencimento de empresários sérios e interessados em realmente investir no
Brasil. Será que estamos nessa condição? será que um país que a cada três meses
muda o discurso e as regras econômicas conseguirá convencer alguém de fora?
será que o objetivo é espantar investidores de fora para que os mesmos de
sempre se apropriem do restante das empresas estatais brasileiras?
Precisamos ter esperanças na moralização da nação. Em muitos
aspectos é importante dizer “nação” . O Brasil precisa mostrar que a figura do
Zé Carioca não corresponde a do nosso povo. O Brasil não é apenas um Rio de
Janeiro ou uma São Paulo em seus piores aspectos. Quem conhece nosso país em
seus diversos cantos sabe que nosso povo é sério, trabalhador, valente. O que
tem acontecido não é justo. É terrível ver o que acontece em ambientes
brasilienses onde muitos simplesmente não respeitam esse povo, que entre seus
defeitos tem a ingenuidade de eleger tantos crápulas.
Se tivermos a felicidade de receber um novo Brasil do Congresso e do presidente
Fernando Henrique Cardoso, sairemos para uma nova organização, uma nova estruturação social e econômica. O
Brasil é um país com um potencial econômico gigantesco. Precisa apenas que não
se perca em teorias e fantasias improdutivas. Não tivemos guerras, não vivemos
grandes catástrofes naturais, nossa tragédia tem sido antes de mais nada a
incompetência de lideranças apaixonadas por teses e discursos inúteis.
O empreendedor esbarra em uma sociedade que valoriza o
irresponsável, o inútil. Nossas religiões pregam a caridade. Necessária diante
de fatos consumados mas perniciosa, quando aceitamos como forma de bondade não
trabalhar contra tolerâncias, que enchem as ruas de indigentes e crianças
abandonadas.
Devemos valorizar o empreendedor mas colocando-o em um
ambiente de vigilância severa e sob leis estáveis e inteligentes.
A privatização racional do Setor Elétrico só acontecerá de
forma eficaz se vier a ser um bom negócio para investidores e consumidores. Os
investidores querem ter lucros razoáveis e estabilidade institucional para
assegurarem a todos os sócios deste empreendimento uma receita compatível com
os riscos e mercado de capitais. Ao consumidor interessará a privatização se
ela aumentar a eficácia das empresas de energia elétrica, melhorando a
qualidade dos serviços. Ao consumidor só terá sentido pagar mais pela energia
elétrica se a alienação das estatais terá significado melhores serviços
sociais, mais estradas, portos, mais riqueza e saúde.
32. Prioridades na privatização
O processo de alienação de estatais deve ser feito de modo a
se obter o máximo de benefícios à nação. O governo precisa resistir a apelos
ideológicos ou emocionais e conduzir o processo com inteligência, competência e
honestidade. Lobistas e radicais atuam
de modo a prejudicar um processo, que poderá trazer inúmeros benefícios ao
país.
É importante ao Brasil que o povo venha a ter o máximo de
vantagens pois não haverá uma segunda oportunidade. Não se vende o mesmo
produto duas vezes.
O que se pretende com a privatização?
Partindo-se da visão positiva do processo podemos relacionar
o seguinte : obter divisas, reais, maior eficácia nos serviços, ampliação da
infra-estrutura, geração de empregos, desenvolvimento industrial, maior
estabilidade econômica e redução do poder político e sindical sobre atividades
essenciais ao país.
O outro aspecto importante é livrar o governo de uma
responsabilidade para a qual não tem demonstrado competência suficiente e,
ultimamente, respeito. Alvo de todo tipo de interesses, muitas estatais
extremamente complexas pela natureza de suas atividades, acabam gerando
problemas difíceis de serem administrados pelo governo. O discurso dos
gabinetes é que essas empresas são domínios dos tecnocratas, ambientes
corporativos. O que os políticos não dizem é que esse ambiente existe pela
qualidade e competência do corpo técnico das empresas e necessidade de ação
dentro de rígidos princípios técnicos. Não podendo interferir, não tendo
capacidade de modificar decisões internas, repudiam e denigrem as estatais
resistentes aos apelos de abertura à demagogia e ao clientelismo. O resultado
acaba sendo a colocação na direção dessas companhias de pessoas estranhas aos
quadros técnicos. Esses “executivos” assumem com o único compromisso de atender
seus padrinhos...
Vemos no Brasil o que representa uma democracia em uma nação
ignorante e alienada. O povo é descaradamente ludibriado, submetido a todo tipo
de desinformação. Em sua falta de condições culturais de estabelecer uma
vigilância severa sobre os seus eleitos, passa por dificuldades desnecessárias.
Somos uma nação que sonha com milagres, esmolas e prêmios. Não percebemos que
só o trabalho constrói. Assim não valorizamos o produto de nossos melhores
trabalhadores. Efetiva-se o leilão de patrimônios gigantescos e para a grande
maioria dos brasileiros isso é menos importante que o resultado do jogo de
futebol do domingo.
Quem não luta pelo que tem, não o merece.
Além das considerações políticas devemos analisar diversos
aspectos das empresas, entre eles a complexidade, o caráter estratégico,
segurança nacional, capacidade de absorção pela iniciativa privada, ganhos
industriais possíveis.
Merecem destaque aquelas empresas que são monopólios
naturais. São serviços sem alternativa de atendimento. Assim é, por
exemplo, a distribuição de energia. O
consumidor ficará submetido a uma empresa, que lhe ditará uma série de
condições de desenvolvimento. Grandes regiões brasileiras não têm como suportar
empresas sensíveis à energia elétrica porque, mesmo a possuindo, não oferecem
qualidade de atendimento suficiente. O mais grave é constatar deficiências
graves na formação de equipes, na capacidade de obtenção de recursos e na
cultura dessas empresas. Veremos que dificilmente sairão do padrão em que se
encontram a menos que mudanças gerenciais radicais aconteçam.
O setor petroquímico é o mais complexo e merecedor de imensa
cautela.
A produção de petróleo, principalmente das plataformas
continentais, é o espaço mais crítico. A qualquer tempo as grandes potências
poderão questionar a soberania brasileira sobre essas áreas. A descoberta
eventual de grandes jazidas estimulará a ação das grandes empresas
petrolíferas. Se ainda o Mundo estiver passando por dificuldades de
abastecimento, será pouco provável que respeitem decisões unilaterais como o
foi a extensão da área de domínio no Brasil. O ideal será manter esse setor
estatal.
A privatização das refinarias, deixando-as livres para
adquirir o petróleo onde julgarem melhor, abriria esse setor à iniciativa
privada estimulando uma competição saudável entre empresas e diminuindo um
pouco o poder dos sindicatos, à medida que os novos patrões forem mais
competentes e severos. Um aspecto interessante seria o governo federal deixar
totalmente à iniciativa privada inclusive a escolha do local para a construção
das futuras refinarias. Se vamos
privatizar, comecemos pela próxima refinaria a ser construída no Nordeste.
A área petroquímica como um todo exige, contudo, a
vigilância do Estado. Assim como sentimos a explosão das importações de
automóveis, uma política deliberada das grandes multinacionais poderá fazer do
Brasil um país mais dependente da importação de derivados do petróleo. Os
países do Oriente Médio, em especial a Arábia Saudita, estão investindo muito.
Nada impede que a qualquer momento faça parte da estratégia desses países o
monopólio da produção petroquímica. Decisões dessa espécie podem ser tomadas
sem grande alarde e ser implementadas gradativamente, longe da percepção de
países tão alienados como o nosso. Carecemos de uma lei anti-truste eficaz.
Devemos evitar a repetição de cenários que já conhecemos muito bem aqui dentro.
A privatização começando pelo setor de mineração tem a
grande vantagem de afetar pouco a vida do país e ter um grande potencial de
retorno, tanto pelo seu valor de alienação quanto pelas possibilidades de
aumento da produção à medida que os novos empresários tiverem mais facilidade
de acesso ao mercado. As negociações para alienação deste setor deveriam impor
condicionantes, tais como investimentos para a exportação do minério já com
certo grau de industrialização.
A desestatização dos portos brasileiros impõe-se como forma
de colocar nessas instalações administrações com maior poder e mais capazes. A
transferência de responsabilidades, entregando os portos aos maiores
interessados, os produtores e exportadores, após licitação e sob um severo
contrato de melhoria de serviços, poderá resolver um problema gravíssimo e
muito antigo do Brasil. O mau desempenho da estiva onera estupidamente as
exportações e importações, contribuindo para penalizar o povo brasileiro em sua
totalidade. A situação atual é injusta e criminosamente danosa ao país.
Evidentemente haverá um movimento político pesado contra esse processo mas,
custe o que custar, deverá ser implementado. De qualquer modo o Brasil ainda
tem lugares onde poderão ser desenvolvidos outros portos. O custo dessas novas
instalações, contudo, será elevadíssimo até porque, para repetir os recursos
dos atuais onde existe toda uma infra-estrutura de acesso complexa e caríssima,
haverá necessidade de grandes investimentos. É muito remota a hipótese de
saneamento dos portos brasileiros dentro de um ambiente estatal. Em torno deles
existe uma tradição de clientelismo e tolerâncias consideradas naturais pela
população portuária.
O setor de energia elétrica poderá privatizar sua expansão
da geração e transmissão. Com parcerias as empresas atuais poderiam contribuir
agregando a experiência adquirida e a capacidade de participação em todos o
foros de discussão e trabalho. Isso simplificaria a coordenação operacional e
facilitaria a administração técnica das novas instalações. A privatização das
empresas distribuidoras de energia não oferece grandes dificuldades. São áreas
de baixa tecnologia e lógica de trabalho muito simples. As empresas que atendem
grandes centros urbanos poderão dar um grande retorno pois contam com mercados
privilegiados. A desestatização dessas companhias imporá mais seriedade nas
relações que lhes afetam. Atualmente, por serem em grande maioria estatais,
acabam servindo de suporte financeiro para o governo em detrimento de seus
próprios investimentos. O ideal seria a abertura de capital e venda gradativa
em bolsa das ações em poder do estado. O problema é que para terem um bom valor
há necessidade de uma política tarifária estável. O que temos visto é o
contrário. O resultado é o aviltamento dos preços e a perda de atratividade.
Talvez faça parte das intenções do governo exatamente isso. Dentro, quem sabe,
de um grande processo de doação do patrimônio público o governo cria um clima
de redução do valor das ações de suas estatais, promove a privatização e depois
relaxa no controle de tarifas, propiciando aos futuros proprietários dessas
empresas um ganho astronômico. O que se percebe é a incoerência das decisões de
Brasília. Na situação atual, primeiro semestre de 1996, a privatização de
qualquer empresa de energia elétrica dará um retorno pequeno. Os investidores
deverão ter muita confiança na capacidade de seus lobistas. Não temos plano ou
política para coisa alguma nessa área. Na área de geração há necessidade
urgente de iniciar-se novos projetos. A lentidão em questões vitais para a
viabilização de novas usinas e ampliação do sistema de transmissão é um risco
muito grande à garantia de fornecimento de energia a médio prazo. Esse setor,
que poderia ser privatizado rendendo ao povo dezenas de bilhões de dólares,
hoje vale muito pouco.
No setor elétrico a prioridade para privatização deveria ser
sobre aquelas empresas em que seus respectivos acionistas públicos demonstraram
maior incapacidade de administrá-las. Muitos estados brasileiros, pelas mais
diversas razões, estão com suas empresas de energia elétrica endividadas,
desestruturadas e desmoralizadas. Já endividados, não têm recursos para a
recuperação dessas companhias. A população precisa de serviços decentes para
poder desenvolver-se, ter indústrias, viver com segurança. Assim a privatização das estatais dos estados
e municípios, que não demonstraram condições de gerenciá-las, é uma medida
sensata, necessária e até urgente.
O setor ferroviário é um pesadelo administrativo e técnico.
Envelhecido, sem grandes esforços de modernização, sem investimentos e distante
da boa vontade do governo federal mostra sua ausência em grandes regiões.
Graças ao rodoviarismo, à crise econômica e à prática de tarifas subsidiadas a
RFFSA carece de charme para ser privatizada. O que provavelmente acontecerá
será a manutenção pela iniciativa privada dos ramais mais atraentes e pressões
para fechar os demais. O governo deveria apenas licitar a operação e manutenção
da Rede conservando a propriedade do sistema atual. A privatização poderá
acontecer na expansão. Haverá interessados? algum grupo econômico estará
disposto a colocar recursos próprios nesse tipo de atividade? ou será apenas o
dinheiro do povo (BNDES) que entrará nesse serviço?
A área de telecomunicações tem despertado o máximo de
interesse da iniciativa privada. É uma mina de ouro que o governo não tem
sabido explorar. Sua atratividade é tão grande que sente-se na própria Bolsa de
Valores qualquer avanço ou recuo do governo nesse setor. A verdade é que existe
um mundo de oportunidades para exploração na área das telecomunicações. Essas
áreas de investimento têm sido prejudicadas pelo monopólio. As estatais não têm
feito e têm impedido outros de o fazerem. Não é culpa dessas empresas mas de
seus maiores acionistas, ou melhor, do maior acionista, o Governo Federal. A
incapacidade de atender os desejos da população e a vontade de investidores em
aplicar recursos nessa área a tornam prioridade de privatização. Se feita com
competência poderá render bons dividendos à União.
Um aspecto importante a ser tratado no processo privatizante
é a distinção entre diversos padrões de parceria e de entrega à iniciativa
privada. Algumas empresas exigem investimentos que dependem de subsídios. Ou
seja, as tarifas não pagarão nunca os investimentos feitos. Em estados
pioneiros, de baixa densidade populacional ou muito pobres, não se conseguirá
implantar água, esgotos, energia elétrica e outros serviços a custos reais.
Nesses ambientes o ideal será a privatização do serviço mantendo o patrimônio
na condição de estatal. Sob contratos de prestação de serviços, essas empresas
poderão ter gestão privada e patrimônio total ou parcialmente público. O
problema sempre será a corrupção e a falta de quem defenda os interesses dos mais fracos. No Brasil temos
partidos de esquerda fortes mas a Justiça não funciona. Esse “pequeno” óbice
entrava as expectativas de grande sucesso de qualquer estrutura institucional.
A privatização total é desejável e lógica em atividades não essenciais e melhor
que a hipótese estatal em serviços essenciais não monopolizáveis. Empresas
dedicadas a monopólios naturais poderão ser privatizadas mas com muitos
cuidados para evitar-se o abuso de poder e a perda dos objetivos sociais.
A abertura do capital
das estatais, o ajuste de seus estatutos de modo a valorizar os acionistas
minoritários, a elaboração de contratos de concessão inteligentes e honestos, a
participação eventual do governo como acionista minoritário, a implantação
urgente de políticas tarifárias decentes e a racionalização dos programas
sociais, a revisão da Leis das S.A. e a valorização do “Código de defesa do
consumidor”, do Tribunal de Pequenas Causas, ajustes na Legislação Trabalhista
e Previdenciária, vigilância na remessa de divisas para o exterior são algumas
das condições necessárias para a privatização sensata e saudável ao Brasil.
Ao promover a privatização antes de torná-las empresas
atrativas o governo recebe menos do que poderia obter. Muitas são empresas com
excelente perfil, de grande valor potencial. Colocando-as em condições de maior
estabilidade e lucratividade o valor crescerá bastante. Não fazê-lo é
preocupante. De qualquer forma talvez o resultado final venha a ser muito
melhor do que mantê-las na condição atual e de passado recente.
33. O que o governo federal tem feito
O Governo Federal privatizou o setor siderúrgico. Quanto
arrecadou? qual foi o preço pago? como foi realizado o leilão de cada empresa?
que argumentos o governo tem usado para a privatização?
Um dado marcante no processo de alienação do patrimônio
público tem sido a crítica aos funcionários das estatais. O corporativismo e o
sindicalismo dos trabalhadores brasileiros é pequeno se comparado ao de muitos
países europeus. Lamentavelmente talvez essa tenha sido uma estratégia adotada
para esconder a incompetência de nossos políticos na gerência das estatais. O conflito entre os
sindicatos e partidos esquerdistas contra a direita conservadora e o próprio
governo foram excelentes para a condução obscura do processo. No debate
ideológico as questões práticas foram mal analisadas. A legislação sobre as
S.A. continua permitindo muita sujeira, o acionista minoritário tem pouca
força, os projetos de cunho social e estratégico perdem-se, a vigilância
política sadia confunde-se em questões de menor importância. A radicalização
pouco inteligente é instrumento de ambições políticas. Lideranças que deveriam
estar discutindo com isenção, profundidade e objetividade o aprimoramento de
nossas instituições aparecem com bandeiras “históricas” e ultrapassadas.
Bandeiras vencidas não por um processo de mudanças oportunistas mas pela
demonstração no laboratório da vida. É bom o que funciona, o que dá bons
resultados. Atentos ao histórico de nossas empresas teremos um espelho de nossa
cultura. Isso não tem interessado nem ao Governo Federal, mais aplicado em
projetos político partidários, nem à oposição, refém de discursos impensados e
nocivos ao Brasil.
Infelizmente praticamente só a classe dominante tem tido
acesso aos meios de comunicação. Vemos em nossos noticiários muito pouco do que
deveria ser informado ao povo brasileiro. Para cada palavra a favor da visão
socialista da nação vemos e ouvimos dezenas contra. O resultado tem sido a
tolerância e a emocionalidade negativa ao que se deseja para o Brasil. Por quê
sindicatos e associações de base popular não recebem concessões de rádio e
televisão? A verdade preocupa! mas tudo também tem acontecido porque nossa
população em sua ignorância e pobreza material e cultural tem aplaudido as
decisões mais rudimentares. “A privatização é necessária porque os empregados
das estatais ganham muito e tem boas aposentadorias”, essa expressão é
facilmente ouvida em muitos lugares. Muitos esquecem que justamente as estatais
acabam sendo referência de salários e benefícios, por isso incomodam seus
empregadores. Não discutindo as verdadeiras motivações das privatizações assim
como as boas razões para fazê-lo perdemos uma oportunidade histórica para
corrigir os rumos de nosso povo.
A preparação das empresas tem consistido em demissões e
campanhas de desmoralização. O valor considerado para efeito de alienação é o
contábil. Essa figura esdrúxula, criada para o cálculo de impostos, viabilizou
a doação de grandes empresas. As consultoras não apontam o valor de
oportunidade da exploração do serviço a longo prazo, ou melhor, o povo
desconhece o que essas consultorias dizem em detalhes.
A instabilidade institucional, a grande vilã de nosso país,
talvez tenha sido a principal responsável pelos baixos preços atingidos em
muitos leilões realizados. A mistura “combate à inflação, reforma
constitucional, pagamento de contas externas, imaturidade política e
desonestidade generalizada” foi o veneno que degradou todo o processo.
Coloca-se a questão da privatização como sendo de urgência.
A imprensa reclama ações espetaculares. De fato nosso povo está cansado de
sofrer com uma crise econômica que parece não ter fim. No desespero acredita em
qualquer coisa.
A Bolsa de Valores, espaço do pior e do melhor dinheiro
internacional, precisa dessas oportunidades para especular, movimentar milhões
de dólares no jogo da ambição e do ganho fácil.
Em torno do artigo 175 da Constituição Federal e a sua
regulamentação tivemos as piores visões colocadas. Grandes líderes,
representantes de estados em que suas estatais não apresentavam bom histórico e
desempenho, defenderam mudanças rápidas e substanciais para o Setor Elétrico,
talvez temendo a implosão de seus estados nas mãos de seus companheiros.
Infelizmente as decisões de Brasília valem para o Brasil.
Corremos o risco de mudanças atabalhoadas e extremamente danosas ao Brasil. Aos
lobistas dos eletrointensivos e “empresários predadores” não interessa o
destino de nosso povo e sim a forma mais rápida de faturar. Assim vimos
esforços dos eletrointensivos para se apoderarem dos melhores aproveitamentos
energéticos, os tradicionais grupos econômicos querendo comprar usinas e
empresas de energia com o dinheiro do BNDES ( ! ) e campanhas contra as
fundações e outros benefícios dos empregados das estatais. Conseguiram muito na
aprovação de uma regulamentação deplorável do artigo 175. O Congresso Nacional
não é destaque de objetividade e responsabilidade, o resultado foi prejudicial
ao país. É interessante a falta de atenção do Poder Executivo. Tendo proposto e
conseguido a aprovação da Lei 8631 que estabelecia uma política tarifária
decente em resultado da qual as ações das empresas de energia subiram a níveis
excelentes na Bolsa de Valores, permitindo aí uma privatização inteligente e
conveniente ao Brasil, teve seus efeitos destruídos pela ação emotiva do
Presidente e enterrada na regulamentação do Plano Real. A Lei 8631, obra
inspiradíssima do ex ministro Elizeu Rezende, permitia a desequalização
tarifária e sua correção sobre custos demonstráveis ao DNAEE. Essa
diferenciação de tarifas mostraria os diferentes padrões de qualidade e
eficácia das empresas. Teríamos a verdade gerencial de muitos governos.
O Governo Federal não resiste ao intervencionismo. As
tarifas de energia elétrica, resultado de muitos fatores, constituem-se em
instrumento de demagogia e, quem sabe, de retribuição a contribuições de
campanha. O resultado é a demolição de empresas extremamente importantes.
Outra questão discutível tem sido a decisão do Governo
Federal de não defender suas empresas. Na regulamentação do SINTREL (decreto
1.009, de 22/12/93) a malha de transmissão de alta e extra alta tensão das
concessionárias federais foi colocada à disposição do esquema de livre
comercialização da energia elétrica a preços simbólicos. É lógico que o efeito
é a perda de rentabilidade dessas empresas e a falta de recursos para ampliação
do sistema. Como será o sistema dentro de dez anos? quem investirá? Cria-se um
país de fantasias e querem que viabilize - se a realidade. Na forma
estabelecida o SINTREL, a licitação e exploração de concessões de energia e
muitas outras coisas beneficiam os estados mais ricos, em especial o triângulo
Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Nesses estados, local de existência
de grandes indústrias, a acessibilidade à energia é facilitada no momento em
que seus recursos naturais aproximam-se do esgotamento. Até agora o quadro lhes
era conveniente pois suas estatais tinham onde encontrar o que precisavam. O
novo quadro abre as portas dos estados menos desenvolvidos aos interesses dos
grandes. Afinal somos uma colônia desses
estados...
Para enterrar de vez as estatais o Governo Federal, através
do Banco Central, impediu-as de contraírem empréstimos. A resolução 2008 do
Banco Central tem sido um garrote vil em torno
de muitas obras. O discurso dos neo liberais é que existem muitas obras
paradas. Pararam por falta de autorização para que as empresas contraíssem
empréstimos necessários à conclusão, mesmo e principalmente junto ao BNDES.
Assim e lembrando que a obra mais cara é aquela que não se termina criou-se o
argumento da incapacidade de conduzir um
programa de construção de usinas. É terrível ver tanta má fé! O governo
federal, a serviço dos piores interesses, destrói toda uma estrutura, que
poderia estar servindo à nação e sendo instrumento de sua capitalização. E essa
decisão do Banco Central tem afetado todas as estatais brasileiras, desde as de
água e esgotos até as mais sofisticadas.
O artigo 175 da Constituição Federal tem sido uma excelente
ferramenta dos detentores do poder federal contra as concessionárias.
Aproveitando a falta de atenção dos dirigentes dessas empresas em 1988,
aprovou-se como condição de concessão o processo licitatório sem maiores
condições. Este artifício, extremamente bem intencionado, acabou sendo o
pesadelo maior. Muitas companhias, tendo concessões vencidas, arriscam-se a
perdê-las arbitrariamente. É óbvio que não vencerão uma licitação para
mantê-las. Têm estruturas dimensionadas para grandes áreas, muitas com
eletrificação rural, milhares de consumidores de baixa renda e créditos
incobráveis ( prefeituras, repartições, empresas de água e esgotos, autoridades
). O resultado é a desvalorização e falta de competitividade. Exatamente no
momento da privatização dá-se ênfase ao desmonte. Alguém é capaz de entender? A
regulamentação do artigo 175 aconteceu com as leis 8.987/95 e, para o Setor
Elétrico, com a Lei 9.074 e o Decreto 1717. Felizmente o radicalismo inicial
deu lugar ao bom senso. A licitação de concessões vencidas ganhou tempo via
aplicação do artigo 42, parágrafo 2. Assim as empresas ganham pelo menos dois
anos para se prepararem a reconquistar suas áreas vencidas. O não
estabelecimento de prazo máximo para licitação dá oportunidade a negociações
políticas e técnicas importantes.
Sobre as empresas federais, principalmente, o golpe maior
foi tirar-lhes concessões não exploradas. O argumento questionável foi de que
não tiveram capacidade de concluir obras. Ainda bem que não o fizeram. Graças à
péssima administração financeira do país quebramos no início da década de
oitenta e estamos tendo dificuldades para ver o Brasil em condições razoáveis.
Se essas usinas tivessem sido concluídas teriam representado um custo adicional
elevadíssimo. Não haveria carga para elas. Nossa dívida teria crescido pois
mais equipamentos teriam sido importados. Quanto ao crédito o próprio governo
federal impediu que essas empresas tivessem acesso às fontes tradicionais de
recursos, inclusive do BNDES. De
qualquer forma, entre concessões a empresas privadas e estatais, em abril de
1995 foram extintas 33 concessões, algumas outorgadas desde a década de trinta.
Pela mesma legislação os titulares de concessões com dificuldades financeiras e
apontando atrasos nos prazos de conclusão de suas obras receberam ordens para
apresentar planos de conclusão de seus empreendimentos. O Ministério das Minas
e Energia empenha-se na retomada do ritmo de investimentos, que agora devem,
prioritariamente, serem assumidos pela iniciativa privada.
A resolução 2.008/93 reafirmou limitações severas ao crédito
para empresas públicas, estatais e autarquias. Sem condições para captar
recursos no Brasil e no exterior as empresas estatais estão abandonando
projetos importantes. No passado, tarifas instáveis e normalmente baixas
levaram o Setor Elétrico a uma condição precária e de endividamento crescente.
Agora, diante de novas diretrizes, partem para transformações enormes.
Esse “jeitinho” brasileiro de mudar suas
empresas merece os piores adjetivos. Algum dia saberemos com mais detalhes o
que está acontecendo...
Decisões administrativas têm contribuído para criar um clima
de terror e desesperança. Tudo é proibido. A imprensa alienada ou mal informada
aproveita os “ganchos” para denegrir os funcionários do serviço público, das
estatais e o próprio governo. Não viajar, baixar salários, degradar
instalações, aposentadorias devem ser contidas e reduzidas e assim por diante,
o objetivo é comparar essas equipes com aquelas que por incompetência de nossos
legisladores e empresários vivem no limiar da miséria, jogando o povo contra as
estatais.
O setor de energia é complexo, exige coordenação severa e
competente, os projetos demandam boas equipes de análise, coordenação, operação
e manutenção. A operação desmonte do governo Collor foi um desastre. Na
irresponsabilidade brutal de seus mentores desfez-se equipes valiosas e
colocou-se o Brasil na situação de baixa qualidade em que nos encontramos.
Todo esse processo infelizmente teve também argumentos
poderosos a favor dos piores detratores da administração pública. Denúncias de
corrupções gigantescas nunca foram devidamente apuradas. A incompetência de
alguns também contribuiu para a degradação das empresas. A pior foi dar partida
a um programa de obras no início da década de oitenta muito acima do
recomendável. Previsões excessivamente otimistas ou convenientes a certos
ministros e grupos econômicos geraram compromissos, que se tornaram impagáveis
com a quebra do país junto aos banqueiros internacionais. Infelizmente esses
irresponsáveis, com o dinheiro que “ganharam” na época, agora posam de
moralistas e críticos do estado. Eles o conhecem bem...
A reserva de mercado, a favor de empresas e empresários, que
temiam a concorrência internacional, foi outro pesadelo nesses últimos quinze
anos. Enquanto o Mundo civilizado disparava tecnologicamente, o Brasil pisou no
freio. Ficamos reféns da indolência, incompetência e desonestidade de grandes
empresas. A informática, por exemplo, inacessível pelo seu custo e pouco
recomendável pela má qualidade do produto “made in Brazil”, fez muita falta.
Deixamos de implantar técnicas de trabalho modernas porque simplesmente
faltava-nos ferramentas adequadas. Nas concorrências os cartéis “faziam a
festa”. Os preços hiper faturados não eram percebidos pois faziam parte do
histórico das obras nacionais. Agravando
tudo vivemos um longo período de inflação elevadíssima. As mudanças aceleradas de preços confundiam a
maioria dos observadores. Comparar preços como? quando? com que moeda? e o
custo financeiro? e os custos administrativos pela necessidade de cálculos
diários? Tudo isso pesou sobre a imagem das estatais. O resultado foi agora
estarmos desmoralizados. Sem acesso aos melhores recursos tecnológicos,
obrigados por lei a utilizar prioritariamente ferramentas e equipamentos
fabricados no Brasil, as empresas públicas não puderam apresentar os mesmos
resultados de empresas equivalentes estrangeiras. Qualquer componente ou
aparelho com características mais sofisticadas demandava anos de burocracia
para ter a guia de importação aprovada. Quando
chegava ao Brasil já estava desatualizado ou não era mais necessário. Os
custos administrativos eram e ainda são enormes.
E os sindicatos? entidades corporativas mostraram bem sua
natureza egoísta. Um grande erro tem sido classificá-los de esquerdistas. O
correto teria sido designá-los de egocêntricos, expressões corporativas de uma
categoria. Não pela natureza mas pelo que têm mostrado ser. Sindicatos de
trabalhadores e patrões são iguais em caráter. Uns utilizam a técnica
masoquista, de serem “vítimas”, outros o poder do dinheiro. Refletem a vontade
daqueles que participam de assembléias e quem as conhece sabe como têm a
capacidade de reunir os piores interesses de certos grupos de trabalhadores. As
decisões mostraram com muito sofrimento para a própria população o que
representa o poder nas mãos de pessoas irresponsáveis. E os desvios administrativos das
empresas? Os problemas denunciados pela
imprensa, neste aspecto sensacional, têm sido mostrados principalmente por
algum herói anônimo. É raro ver uma central sindical atuando em benefício do
povo, do bom desempenho do país. Os
desvios técnicos e morais que desmoralizaram as estatais poderiam ter sido
evitados. Tudo isso poderia ter sido denunciado, impedido se os próprios
funcionários das estatais tivessem tido coragem de posicionar-se contra as
extravagâncias governamentais. Mas não foi o que aconteceu. Movimentos, greves
e manifestos, com raras exceções, só por salários e outros privilégios da
própria categoria. É importante registrar que os sindicatos não têm sido nem
melhores nem piores do que qualquer outra entidade de classe. Eles refletem a
natureza humana. As prioridades começam muito claramente nos interesses
individuais aumentando a cada círculo de contorno do indivíduo. A família, a
rua, o bairro, o sindicato, o clube e daí por diante...
Basicamente o Governo Federal prepara o Setor Elétrico para
a privatização. Aumentou substancialmente as tarifas dos consumidores de baixa
renda, imobilizou suas estatais, continua com programas de terceirização de
serviços, lança alguns editais para a construção de novas usinas e, para
completar, deveria estar preparando a população para o racionamento de energia
elétrica. Talvez percebendo sua marcha lenta queira agora acelerar a construção
do gasoduto Brasil / Bolívia pois termoelétricas a gás podem ser instaladas a
curtíssimo prazo. Deveria acelerar também a ampliação da interligação elétrica
com a Argentina. Seria uma forma de se obter maior confiabilidade e energia.
34. Imperialismo interno
A ocupação do território que viria a ser o Brasil foi feita
sem qualquer respeito aos povos nativos. Os portugueses criaram aqui uma grande
colônia inteiramente dedicada às necessidades de além mar. Nossa futura pátria
não podia desenvolver qualquer atividade que contrariasse os interesses de seus
patrões, Portugal e Inglaterra. Principalmente após a atuação dos inconfidentes
mineiros fomos proibidos de tudo o que pudesse despertar qualquer idéia
autonomista. Grande parte de nosso povo, acostumado à escravidão e ao
absolutismo da corte portuguesa, aceitava essa condição normalmente.
As guerras napoleônicas empurraram a família real para sua
colônia americana. Aqui os portugueses coroados se instalaram no Rio de
Janeiro, consolidando uma liderança geográfica até hoje sensível, apesar de
enfraquecida. A cidade de São Sebastião do Rio de janeiro teve ajustes
importantes por ordem de Don João VI, criando um padrão cultural e político
superior. O Brasil ganhava uma base para se consolidar como nação independente.
Nos anos em que estiveram escondidos de Napoleão, precisaram
desenvolver uma base mínima, que estimulou o espírito libertário. A
independência veio nas mãos de D. Pedro I e o Brasil formou-se como um império.
Era propriedade por graça divina da família de Orleans e Bragança. Em torno da
Corte criou-se o espírito servil de muitos e autoritário daqueles poucos que se
julgavam donos do Brasil. Como é próprio de monarquias, pessoas e terras eram
divididas entre dignatários do Poder que assim dispunham das riquezas desse
país continente. Os estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro eram a
base territorial e cultural desse domínio. Em volta deles o Brasil
consolidou-se com as dimensões atuais. Fora desse triângulo o poder reduzia-se
deliberadamente. Não havia interesse da Coroa em criar dissidências perigosas.
Em um ambiente de maior liberdade provavelmente nossa terra teria sido dividida
em vários outros países. As diferenças eram e continuam sendo muito grandes.
O Tratado de Tordesilhas, a agressividade das florestas
tropicais e de seus habitantes naturais, os conflitos de fronteira e a vocação
marítima dos portugueses também influíram muito para fixação no litoral. As
qualidades da região em torno do Rio de janeiro somaram-se a tudo o mais para
sua condição hegemônica. A autoridade política dos monarcas precisava de uma
base forte e centralizada.
A monarquia criava um espírito de aceitação ao comando do
rei sem estimular polêmicas filosóficas como os direitos das províncias pois
até os cidadãos “pertenciam” ao monarca. Mesmo assim tivemos, entre outras, a
Revolução Farroupilha, que por pouco não teve um desfecho separatista. A
proclamação da República não mudou essa situação. Bizarramente ela, em nome da
liberdade, veio um ano e meio depois da Lei Áurea, principalmente como uma
vingança das oligarquias à libertação dos escravos. Ao redor de alguns
idealistas caímos em outras formas de dominação e servilismo. A princípio, nas
lutas contra levantes monarquistas, federalistas ou simplesmente separatistas,
tivemos a imposição à mão de ferro do poder central. A base do domínio das
elites paulistas, mineiras e cariocas consolidava-se na formação de um novo
Brasil.
O cinismo dessas oligarquias gerou a bico de pena a famosa
“República do Café com Leite”. Naturalmente revoltas aconteceram e terminaram
por colocar no poder um gaúcho, que até hoje mora no coração de muitos
brasileiros, Getúlio Vargas. Seu governo impôs-se por seus méritos pessoais,
culminando, infelizmente, com a ditadura do Estado Novo. Getúlio procurou
inibir os regionalismos forçando o respeito ao governo central e ao ideal de uma
pátria única, sem bandeiras regionais, estaduais ou municipais. Sua
administração coincidiu com um período difícil da história da humanidade e,
lamentavelmente, deixou-se levar pelos ideais fascistas. Foi, contudo, um
período de governo com uma visão mais brasileira e menos regionalista. Em
muitos momentos, contudo, teve de ceder à pressão das oligarquias dos estados
mais fortes.
Os períodos democráticos têm reforçado o poder dos estados
mais organizados e fortes.
Após 1946 vimos as lideranças SRM (São Paulo, Rio de Janeiro
e Minas Gerais) assumirem o comando político e administrativo do Brasil. No
período de 1946 a 1964 tivemos uma grande influência dos ideais americanos, do
New Deal de Franklin Delano Roosewelt. A estratégia norte americana para resistir
ao comunismo era o desenvolvimento com o apoio de programas como a Aliança para
o Progresso e créditos via EXIMBANK, BID e BIRD. Os planos de desenvolvimento,
com o apoio desses bancos e outras formas de crédito deram uma base importante
a nosso país. Engenheiros, economistas, planejadores da região Sudeste souberam
aproveitar bem essa época, promovendo grandes investimentos na região. No resto
do Brasil teve-se muito pouco do que foi distribuído, talvez muito mais por
incapacidade de seus líderes do que pela esperteza do pessoal em torno de nossa
capital federal. O grande impulsor dessa fase foi JK. Mineiro, tinha suas
referências nas Alterosas e de lá trouxe seus principais auxiliares, que
souberam muito bem tirar partido dessa liderança política.
O crescimento das esquerdas com sua base gaúcha no Poder
(João Goulart) levou ao movimento de 1964. Mesmo no regime militar e com
presidentes externos a essa área, os grandes ministérios acabavam nas mãos
diretas ou indiretas dos políticos e técnicos da Região Sudeste. Os grandes
planos de desenvolvimento atendiam com especial carinho a essa Região. O
programa siderúrgico, a indústria automobilística, grande parte da
petroquímica, os pólos tecnológicos ficaram entre os estados de São Paulo, Rio
de Janeiro e Minas Gerais. O Sul do Brasil foi uma região desprezada pelos
planejadores, atendida residualmente. O Nordeste usou mal sua SUDENE. A Região
Norte precisaria de outros tipos de investimentos de modo a conciliar suas
condições ambientais aos padrões de geração de empregos modernos. O projeto
Carajás, bem mais tarde, um dos melhores que o Brasil já produziu, veio de
alguma forma compensar os muitos erros que aconteceram e persistem em algumas
áreas. O Centro Oeste engatinha, carecendo de um grande plano estratégico.
A Constituição Federal de 1988 e seus ajustes e reformas têm
mostrado a influência e competência do time SRM e das novas diretrizes norte
americanas. Nota-se que tudo favorece a concentração de investimentos nesses
três estados e, externamente, a abertura para os capitais estrangeiros.
Ao entregar à União o poder de dispor dos recursos naturais,
ao entregar aos burocratas de Brasília poder de vida ou morte sobre todos os
aspectos de nossa economia, os estados perderam autonomia em questões vitais ao
seu desenvolvimento.
Com a dimensão política que Região Sudeste possui
naturalmente, acaba ocupando cargos importantes nas estatais federais. O
resultado é que, por exemplo, o Sul do Brasil fica distante dos gasodutos, com
estradas e portos em péssimo estado, vendo seus recursos energéticos sendo
gastos para atender o Sudeste, enfim, um retorno ridículo em relação à sua
contribuição ao Brasil. Podemos dizer o mesmo em relação a outras regiões
brasileiras. O estado da Bahia, por exemplo, é um grande exportador de energia.
Petróleo e energia elétrica tem saído daquele estado em benefício da União.
Ainda conta com divisas do cacau ao turismo, muito bem aproveitadas para a
importação de produtos de interesse do resto do Brasil. No Paraná encontraremos
Itaipu gerando uma fábula de energia para a Região Sudeste e deixando uma
receita ridícula neste estado, além dos problemas sociais e ecológicos criados
pelo alagamento de seu reservatório e imensas favelas como herança da obra.
Lamentavelmente em muitos estados os seus melhores
governadores, na ambição de se elegerem presidentes da República, omitem-se nas
lutas em defesa dos direitos de seus eleitores. Um exemplo flagrante de falta
de atenção foi a alteração do artigo 25 da nossa última Constituição Federal.
Governadores, deputados e senadores tiraram dos estados um dos poucos poderes
que possuíam, ou seja, o monopólio sobre a distribuição local de gás
canalizado. O resultado é que a Petrobrás recuou em seu empenho para participar
e atender esses estados.
A regulamentação do artigo 175 não teve o empenho das
lideranças estaduais em valorizar suas terras de origem. Os artigos 20 e 21
deveriam ser motivo de mobilização forte de modo a se compensar as perdas
acumuladas.
Os processos de “parceria” e privatização de usinas
propostos pelo governo federal favorecem a entrada de empresas distantes da
região produtora. O SINTREL, apresentando custos simbólicos para a transmissão
de energia a longa distância, facilita o uso dessa energia nas grandes regiões
consumidoras. Os estados em desenvolvimento perdem este trunfo para o seu
desenvolvimento.
A seção III da nossa Carta Magna merece atenção especial. A
isenção estabelecida pelo artigo 155 da Constituição Federal é uma demonstração
inequívoca da falta de atenção das lideranças dos estados produtores de energia
e menos desenvolvidos. Ao estabelecer que não incidirá ICMS “sobre operações
que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis
líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica” tira dessas unidades
da Federação o poder de estabelecer uma recompensa justa pelo uso de seus
recursos naturais ( os “royalties” são uma compensação irrisória, diante do que
representaria o ICMS ). Paralelamente permite a cobrança sobre o consumo final,
premiando os estados consumidores em detrimento dos produtores, inibindo
qualquer interesse na racionalização do uso da energia. Sempre é bom lembrar
que as regiões mais desenvolvidas são as grandes gastadoras. Esta condição
tende só a aumentar a receita de impostos dos estados mais fortes enquanto os
demais, exaurindo seus recursos energéticos, pouco terão ganho com a
mobilização de seus potenciais a favor dos mais ricos.
Assim diversos fatores importantes para o estímulo à
descentralização econômica do Brasil vão sendo perdidos.
O império da Região Sudeste acontece também de forma muito
sutil. A Petrobrás, por exemplo, tem sido um instrumento servil nesse ambiente.
Para o Sul do Brasil vemos essa empresa movimentar-se com uma lentidão
impressionante. O gás tem faltado na base industrial da região enquanto sobra
até para os carros de passeio do Sudeste. Essa visão da “matriz energética” do
governo federal não é questionada, é aceita passivamente. Esta região perde
indústrias por deficiências de infra-estrutura de responsabilidade da União
O subdesenvolvimento de imensas regiões brasileiras deve-se
a essa concentração de atenção. O Governo Federal alega não ter dinheiro que
sobra para socorrer as estatais da Região Sudeste. O caso BANESPA é
impressionante. Discretamente o Estado de São Paulo conquista um crédito de
mais de seis bilhões de dólares enquanto o resto do país clama por
investimentos urgentes.
O comportamento das estatais paulistas é uma demonstração
inequívoca de uso do poder político de forma injusta e arbitrária. Não
respeitam leis, não cumprem acordos que lhes prejudiquem, agem dentro de uma
forma lamentável e prejudicial aos demais estados. No setor elétrico vemos, em
reuniões de toda espécie, o bairrismo e o ufanismo paulista prejudicando
trabalhos importantes. A visão corporativa radical e a já cultura de rebeldia
inviabiliza qualquer processo de saneamento das empresas de energia elétrica.
Nunca a espada de Dâmocles teve um correspondente tão óbvio quanto as canetas e
cabeças daquele estado. Infelizmente muitos dirigentes na área federal dependem
da simpatia desse pessoal e o resultado é uma luta inglória pela normalização
das relações setoriais.
Nesse quadro a privatização é uma esperança de mudança de
diretrizes. Os grandes empresários não estarão preocupados com planos políticos
eventuais e sim com a lucratividade de suas companhias. Certamente lutarão para
derrubar barreiras a esse propósito. Estarão mais atentos às regiões que
atenderem pois, ganhas as concessões, poderão concentrar-se em suas finalidades.
Sabem que a satisfação de seus clientes será vital ao sucesso. Principalmente
as empresas de energia elétrica e de telecomunicações poderão integrar-se
formando com outras indústrias pólos de desenvolvimento das regiões que
atenderem. Aos empresários deverá ocorrer a preocupação de maximização da
utilização de recursos humanos e oportunidades de outros investimentos,
aproveitando o grande mercado cativo que terão com suas empresas
concessionárias.
Na situação existente até agora qualquer regulamentação só
tem significado se atender os interesses dos governantes dos estados mais
poderosos. Temos visto desrespeito
sistemático a decisões e acordos importantes. Não temos uma Justiça neutra. Ela
é ineficaz e espaço para discursos, teses e processos que não terminam nunca,
tornando-se absolutamente ineficaz contra os mais fortes. A criação de empresas
concessionárias privadas separará o poder político de grandes poderes
econômicos representados pelas empresas de energia. Elas serão mais frágeis.
Terão necessidade de uma boa convivência com outras empresas e com o Poder
Concedente. Não terão exércitos de policiais a defendê-las.
O poder do governo central é importante para manter unida a
nação brasileira, é ruim quando instrumento de exploração.
Concluindo, acreditamos que a privatização, sendo feita de
forma competente, contribuirá para a diminuição do poder econômico e
administrativo dos grandes estados, viabilizando a formação de outros grandes
conglomerados industriais e de serviços.
35. Cuidados importantes no processo de privatização
A irreversibilidade do processo privatizante neste momento
da história política e econômica é uma realidade sensível. Lutar contra este
movimento não evitará sua realização. Analisando tudo o que aconteceu em
estados considerados desenvolvidos, chega-se à conclusão que dificilmente uma
privatização honesta e inteligente dará piores resultados que os obtidos no
Brasil em muitas de suas empresas estatais nesses últimos anos. Um povo precisa
evoluir politicamente e atingir certos níveis de cultura para ter capacidade de
se governar. A miséria intelectual e moral de nossas elites políticas não as
recomendam para o controle de empresas tão poderosas como o são muitas
estatais. Com a privatização viveremos ambientes mais severos de cobrança de
resultados. De um lado o governo fiscalizando e tendo mais autoridade para
exigir qualidade nos serviços. Do outro assembléias de acionistas querendo
seriedade e competência. O povo poderá aproveitar melhor a poupança acumulada
durante anos em projetos importantes ao seu desenvolvimento. Outras estatais
poderão surgir para o desenvolvimento de serviços pioneiros. O estado deve
continuar a ser empreendedor. É mau empresário, não é bom administrador mas
existem áreas de atuação importantes que não despertam interesse de
investidores.
Um aspecto importante na privatização será ter-se maior
estabilidade e continuidade administrativa nas empresas concessionárias. Com
projetos normalmente de longo prazo de maturação, precisam de coerência ao
longo dos anos para terem sucesso em seus empreendimentos. O custo de capital é
elevado. Atrasos em obras têm transformado excelentes projetos em pesadelos
contábeis. Temos casos de equipamentos caríssimos e complexos permanecerem por
muitos anos em almoxarifados (Angra dos Reis, Ferrovia do Aço, Candiota entre
outros), aguardando o dia da instalação, quando não apodrecendo nos locais de
destino sem serem energizados por falta de detalhes finais de obra. Nossos
governos têm tido a suprema capacidade de desprezarem obras importantes porque
foram iniciadas por seus adversários políticos. Na área de energia elétrica há
diversos canteiros parados por efeito de omissão criminosa de nossas
“autoridades”. Infelizmente esses casos, que deveriam ser motivo de processos
criminais, pouco mais que notícias esporádicas geram em nossos noticiários.
Em companhias de administração privada os efeitos das
variações políticas na gerência de pessoal são desprezíveis. O funcionário tem
que estar sintonizado à visão política e administrativa dos executivos de suas
companhias, indicados pelos maiores acionistas, que têm prazos diferentes e
normalmente maiores que os estabelecidos pela legislação eleitoral.
Há vantagens e desvantagens na comparação entre existir
dentro ou fora do ambiente de uma estatal. Na migração de uma condição para
outra algo se perde e ganha. Toda transformação gera incertezas e riscos nem
sempre desprezíveis. No caso brasileiro, de uma maneira especial, tivemos
experiências duras no setor metalúrgico.
Apesar de todo o impulso a favor da privatização deve-se
cuidar para que tudo aconteça com diversos cuidados. Uma concessão tem muito
valor. Ela oferece ao concessionário uma oportunidade de trabalho com lucro
garantido, sem grandes riscos, se for competente.
O transporte coletivo é um bom exemplo da mina de ouro que
certas concessões representam. Pessoas hábeis politicamente conquistam direitos
de exploração, que se eternizam enriquecendo seus detentores. A qualidade dos
serviços e seus custos são, via de regra, camuflados, fazendo com que o usuário
desses serviços pague mais por menos. Administrados através de controles sobre
a opinião pública, o povo muitas vezes acaba pagando muito mais do que seria o
necessário para a utilização daquele serviço. Assim é importante analisar o
prazo de concessão e os termos de rescisão. No caso do Setor de Energia
Elétrica o DNAEE terá capacidade legal e política para cassar a concessão de
uma grande empresa de energia elétrica? Será que esse órgão instalado em
Brasília tem competência técnica para fiscalizar a prestação desse serviço em
todo o território nacional?
Quanto mais próximo do eleitor estiverem os responsáveis
pelas concessionárias mais eficaz será a pressão por melhores serviços. A
presença de entidades normativas e fiscalizadoras próximas contribui para
melhores resultados. Um bom exemplo é o ambiente nos estados. Quando uma
empresa estadual tem mal desempenho ela contribui para a derrota dos candidatos
governistas. Já a nível federal fica difícil o povo associar o mau serviço à
Brasília. Quantas pessoas mudam seus votos para presidente da República pela
situação de nossos portos e rodovias federais?
O povo precisa exercer o seu poder democrático de impedir a
continuidade das más equipes administradoras. Assim cobrar-se-á qualidade nas
urnas. É impossível imaginar algo mais democrático, apesar de todas as falhas
de nossas frágeis instituições. Junto ao processo de privatização há
necessidade de politização da nação e o aprimoramento de sua cultura social.
O valor do direito de exploração de um serviço público
precisa ser discutido à exaustão. Não apenas no Congresso mas em bares, grupos
de amigos, salões e assembléias de cidadãos independentes. O Brasil é um grande
país que já errou muito. Não podemos viver eternamente um clima de improvisação
e de projetos mal conduzidos. Não podemos nos submeter a Constituições
provisórias, a medidas provisórias e a filosofias transitórias. Precisamos
construir uma base sólida para o nosso desenvolvimento sustentado. Agora temos
a oportunidade de levantar recursos importantes ao sucesso de nosso país. A
alienação das estatais dará um fôlego importante principalmente aos estados.
Parece que a União prefere gastar o que arrecada no pagamento de juros
especulativos...Os estados, contudo, poderão obter recursos para a recuperação
de estradas, portos, escolas e hospitais, entre outras áreas degradadas. A
reforma agrária poderá encontrar aí a grande oportunidade de deslanchar.
A privatização deverá ser monitorada e os recursos obtidos
canalizados para serviços e projetos importantes ao saneamento do Brasil. Isto
também exige atenção para o valor das empresas públicas. E a opinião pública é
vital à formação de preços. Sindicatos, associações, clubes de serviço deverão
empenhar-se na divulgação de informações que não costumam ter destaque na
grande mídia nacional. Qual o valor de uma Vale do Rio Doce? se depender dos
investidores, agora, nada. Quanto mais desmoralizada, desvalorizada, mais
facilmente será comprada. Somos vendedores. Queremos obter recursos importantes
ao desenvolvimento do Brasil. Como acreditar em análises de compradores? Com
toda a competência e honestidade possível deveremos conhecer nossas estatais.
Sem a intenção de inviabilizar o processo precisamos estabelecer parâmetros. A
avaliação do patrimônio, prazos de concessão, dívidas e créditos, patrimônio
intelectual e potencial de maior aproveitamento de recursos humanos e materiais
têm que ser estimados e apresentados a investidores.
Antes de vender a
primeira ação é importante estabelecer-se uma estratégia de sustentação e, se
possível, valorização. O ideal é anunciar logo o interesse em privatizar. A
partir daí as negociações para a maximização dos benefícios. Infelizmente
preconceitos e medos impedem muitos governantes a dizê-lo claramente.
Anunciando a determinação em deixar de ser o maior acionista de uma estatal, o
governo estará aumentando, e muito, o valor de suas ações. É vital uma mídia
positiva forte. Vemos, ao contrário, governantes dizendo que privatizarão
porque as empresas não prestam. Desvalorizam seu patrimônio antes de
transformá-lo em dinheiro. Nosso Brasil merece figurar nas piadas e não outras
nações como tão saborosamente contam os gozadores em mesas de bar.
A dimensão do Setor Elétrico é gigantesca. O gráfico a
seguir mostra esta situação em termos econômicos com informações entregues pelo
DNAEE.
Neste gráfico podemos concluir que o processo de venda das
ações das estatais de energia elétrica do Brasil poderá render muito dinheiro
ao nosso povo. Tudo dependerá da habilidade em fazê-lo. Um processo mal
conduzido significará a doação de um patrimônio imenso. É importante não ter
pressa, aproveitando-se períodos positivos de mercado será possível atingir
níveis interessantes a nosso povo.
A venda dessas empresas a grupos estrangeiros significará a
remessa de lucros a volumes gigantescos. O ideal será distribuir esse
patrimônio entre nosso povo através de um padrão de poupança vinculado às ações
das estatais. Se as estatais forem vendidas a grupos estrangeiros voltaremos a ter
as preocupações do início do século, quando o aumento de tarifas significava
pressão por mais divisas. A contenção tarifária levou à estagnação das
empresas. Assim ou elas serão vendidas a valores compensadores ou será melhor
deixá-las como estão.
Dados
Econômicos das Concessionárias Brasileiras
O Brasil é um grande território para investimentos
saudáveis. Somos um país continente. Nosso povo é trabalhador, humilde,
disciplinado. “Aqui em se plantando tudo dá”, essa frase de nosso primeiro
escriba vale para tudo. Com a privatização criaremos espaços importantes ao
desenvolvimento de capitais necessários à vitalização de nossa economia como um
todo. Fugindo das amarrações criadas sobre as estatais, transformando-as em parte
de complexos industriais, o Brasil ganhará potencial de produção, ambientes de
melhor utilização de nosso potencial tecnológico. Os acionistas terão a
oportunidade de unir empresas formando nossos “keiretsus”. O empregado da
estatal poderá mostrar toda a sua competência e ser remunerado sem as
limitações “burras” do serviço público. Os mais produtivos poderão ser tratados
diferenciadamente, premiando-se o esforço e competência. Os menos afeitos ao
trabalho terão que mudar comportamentos ou procurar outros espaços de
sobrevivência.
Os trabalhadores das empresas públicas deverão lutar pela
mudança de imagens. Criou-se o discurso da incompetência e da desonestidade.
Políticos oportunistas, para esconder suas piores decisões nas oportunidades de
exercício do Poder, acusam os profissionais das estatais das falhas de sus
empresas. A grande mídia os apelidou de “marajás”, parasitas etc. Não merecem
esses adjetivos. Devem mostrar que estão errados. Tomando a iniciativa a favor
da privatização mostrarão que não a temem. Ao contrário, ganharão à medida que
puderem mostrar aos futuros acionistas o valor de suas equipes.
É importante no processo de privatização que essas empresas
tenham administrações profissionais e submetidas à legislação existente. Os
concursos públicos de admissão, a vigilância ao respeito do direito das
mulheres, a tolerância religiosa e política, a aceitação dos direitos do
trabalhador exigirão a fiscalização de todos aqueles capazes de defender o ser
humano empregado. O respeito aos direitos do trabalhador deverão fazer parte
destacada dos contratos de concessão e o não cumprimento desta condição
constituir-se em crime grave, sujeito à cassação de concessão. Não podemos
perder esse espaço democrático de trabalho que é, atualmente, constituído pelas empresas públicas.
O patrulhamento ideológico em muitos países exclui das
oportunidades de trabalho pessoas que têm a coragem de se manifestarem com
teses contrárias aos interesses das elites. Na privatização acordos de
acionistas são importantes para que se estabeleçam regras saudáveis de
convivência entre patrões e trabalhadores.
Principalmente nas estatais clássicas (energia,
telecomunicações, transporte, água e saneamento) o estado deverá reter um
volume de ações que lhe permita representação a nível de diretoria e conselho
de administração. Essa presença será muito útil na inibição de decisões lesivas
ao interesse público. A vontade popular é testada nas eleições, no prestígio de
dirigentes políticos. Assim eles têm a preocupação de respeitá-la e não deverão
fugir à responsabilidade de máxima vigilância sobre suas concessionárias.
Acreditar que órgãos distantes poderão fazê-lo é iludir-se. A nossa realidade
tem mostrado a fragilidade dessas repartições públicas.
Não podemos esquecer que o maior investidor pode e deve ser
o povo brasileiro. O governo deveria estar estimulando a criação de fundos de
pensão para a formação de bases para aposentadoria decente de todos aqueles,
que pretendessem algo além do que oferece o governo. A criação de entidades investidoras
geraria a base para a transformação do acionista compulsório, resultado da
existência de empresas estatais, em acionistas voluntários, resultado da
aplicação de poupanças em empresas de interesse público. Seria importante,
contudo, evitar-se os desastres criminosos que foram os montepios ditos
militares. CAPEMI, Montepio da Família Militar e outros representaram alguns
dos maiores golpes contra a economia popular brasileira. Estranhamente esses
crimes caíram no esquecimento. Com leis mais específicas e severas e
fiscalização intensa poderíamos criar no Brasil o que existe em todo o Mundo
civilizado, ou seja, instituições de previdência privada sadias e responsáveis
por volumes de investimento gigantescos. Sendo entidades que investem para
retorno tão seguro quanto possível e a longo prazo, não tendo por prioridade os
investimentos mais lucrativos e de alto risco, poderiam participar do processo
de privatização valorizando-o e mantendo no Brasil divisas importantes.
Para maximização dos lucros com a privatização, não se
deverá permitir que aconteça fragmentando-se as empresas existentes. Elas têm
grande valor em seu conjunto. Algumas partes valerão mais se isoladas mas o
soma dos valores dessas partes, com certeza, será menor do que o possível de arrecadar
pela privatização das empresas em sua forma maior. Não podemos esquecer que o
isolamento das piores partes significará a sustentação delas pelo povo após a
privatização pois nenhum investidor terá interesse nelas. No Setor Elétrico
temos a eletrificação rural, os consumidores de baixa renda e outros que
poderão vir a ser objeto de atenção de futuras empresas inviáveis. O serviço
prestado pelas atuais concessionárias estatais deverá ser mantido pelo menos
com o padrão atual. Não tem sentido imaginar que alguns consumidores sairão
penalizados. A privatização deverá ser instrumento de aprimoramento, de
melhoria de serviços e não o contrário. Para os funcionários das estatais este
cuidado também é importante. Contribuíram durante anos para o sucesso de suas
empresas. Trabalharam, arriscaram suas vidas, afastaram-se de suas famílias
para a construção, manutenção e operação de usinas, subestações e linhas de
transmissão. Não seria justo agora verem suas bases ruírem, suas fundações
desaparecerem no desmonte de empresas que, muitas delas, souberam honrar a
confiança adquirida.
As fundações de previdência construídas pelas estatais
merecem considerações específicas. Em algumas os benefícios estabelecidos são
insustentáveis dentro de uma visão liberal e honesta. O padrão de respeito a um
funcionário tem limites. O melhor está em colocá-lo dentro de um nível de
equivalência a uma média de tratamento prestado por empresas semelhantes a
nível internacional. Se olharmos o Brasil poderíamos levantar os benefícios prestados
por grandes empresas privadas existentes aqui. De qualquer modo há casos
absurdos em que a contribuição do funcionário durante sua vida ativa era
simbólica em relação aos benefícios estabelecidos quando de sua aposentadoria.
É uma questão grave e que, certamente, exigirá atitudes drásticas na
moralização dessas companhias. A nível internacional as fundações dão garantias
de uma aposentadoria digna e são suporte para a vitalização do mercado
acionário, contribuindo com recursos importantes à atividade econômica desses
países. Os países nórdicos mereceriam ser imitados. Lá a propriedade de grandes
empresas é pulverizada entre milhares de acionistas e as fundações são parte
importante nesse processo que lhes dá estabilidade e sucesso. No Brasil
precisaríamos ter uma proposta de normalização dessa questão. Os trabalhadores
deveriam tomar a iniciativa de estudar e propor soluções honestas e
inteligentes para a previdência privada, complementar à oficial (INSS).
O principal objeto de respeito no processo de privatização
das estatais tem que ser o povo brasileiro. A honestidade impõe-se pois foi com
muito sacrifício do cidadão comum que se desenvolveu esse patrimônio
gigantesco. O operário, trabalhador rural, o funcionário público, o pequeno
empresário, todos viram seus rendimentos aviltados para que o país pudesse
exportar alimentos e importar máquinas. Dizia-se ser necessário primeiro
crescer para depois promover-se a distribuição de renda. A nação encontra-se
esgotada por décadas desse esforço que privilegiou parte da população. A má
distribuição de renda e a recessão tornaram grande parte de nossa população
indigente.
Todas as discussões sobre nossas instituições devem ter como
propósito o enriquecimento de todos, sem exceções odiosas. Com a privatização
governos municipais, estaduais e o federal terão recursos para alavancar uma
nova fase de progresso, de trabalho. Principalmente os governadores poderão
cumprir suas promessas de campanha. O grande risco será o desperdício desse
patrimônio. Haverá necessidade de grande vigilância cívica.
Precisamos entender que a condição “estatal” é
circunstancial. Democraticamente eleito o governo tem autoridade para utilizar
os investimentos feitos em suas estatais em setores com maior significado
social. Compreendendo essa condição todos deveriam estar conformados com
decisões radicais, desde que honestas e sensatas. O funcionário de uma estatal,
diante dessa realidade, deve trabalhar para que os processos de ajuste
aconteçam de forma competente, respeitando-se direitos e deveres.
Basicamente devemos entender que é muito diferente
transferir o controle acionário de indústrias. A privatização de siderúrgicas,
refinarias, minas e petroleiros, tendo problemas, significarão a necessidade de
busca de alternativas, importação ou recomeço de empresas. A falha em serviços
essenciais reflete-se em prejuízos imediatos a todos os seus usuários. Uma
empresa de energia elétrica não pode parar. Qualquer degradação em seus
serviços causará muitos e imprevisíveis prejuízos. Não é brincadeira entregar
grandes usinas a empresários acostumados a lidar com fábricas ou bancos.
Nossa pior falha é a inoperância de nossa Justiça. Não
podendo contar com a ação no domínio das leis, o que o povo fará se for mal
atendido?
36. A privatização selvagem e o desmonte das estatais
Certas lideranças têm defendido a privatização radical,
intempestiva. Ouvimos e vemos suas manifestações, mostrando-se revoltados
diante da cautela do Governo Federal. A elas parece que o Brasil será destruído
se as empresas públicas não passarem imediatamente para o controle privado.
Muitos desses políticos e empresários fizeram fortunas gigantescas com o
dinheiro público, principalmente durante o longo período de reserva de mercado.
Aproveitando-se da ingenuidade de muitos de nossos líderes usaram de forma
criminosa o direito de não ter concorrentes. Agora querem comprar as empresas
que lhes deram tanta riqueza.
Grandes grupos empresariais organizaram-se formando cartéis
poderosíssimos. Dominam a mídia e tudo o mais. Têm dinheiro para comprar
consciências. Nosso povo, em sua miséria, reage ao gosto dos especialistas em
marketing, muito bem pagos pelos poderosos. Esses grupos lutam contra alguns
descuidos do passado, como, por exemplo, a propaganda política gratuita no
rádio e televisão. Correm o risco de ouvirem coisas que não lhes interessam.
Surpreendentemente os partidos mais à esquerda têm se mostrado muito pequenos
diante das grandes questões nacionais. Alinhados com corporações mostram que na
política tem-se apenas lutas pelo poder e jogos de interesses bem mesquinhos.
O cenário técnico e jurídico existente até há pouco era
próprio a empresas concessionárias sob controle forte e sem concorrentes. Os
instrumentos de vigilância e controle de tarifas estavam ajustados a um país
com poucas e grandes concessionárias, tarifas administradas e ausência de órgãos de defesa do consumidor. A
privatização e a multiplicação de empresas exigirá alterações, no Setor
Elétrico, em órgãos como o DNAEE, ELETROBRÁS, GCOI, GCPS, CODI, CCON e outros. A
estrutura, normas e atribuições deverão ser ajustadas ao novo modelo.
Nosso sistema é em grande parte interligado. As usinas
hidroelétricas foram construídas sobre rios importantes. Grandes barragens
precisam de operação coordenada, manutenções e inspeções severas. O rompimento
de uma barragem poderá causar a morte de milhares de pessoas. Em alguns casos o
risco estende-se aos países vizinhos. O rompimento de uma barragem como a de
Furnas poderá levar de roldão até Itaipu. Convém pensar na importância, no
significado de um acidente destas proporções. A malha de transmissão é enorme,
uma linha dependendo da outra para que o sistema como um todo tenha um bom
desempenho. As subestações, se tiverem acidentes maiores, deixarão cidade
inteiras no escuro por muito tempo. A recessão impediu investimentos a favor da
confiabilidade. A qualidade operacional tem sido mantida graças a trabalhos
pesados de equipes altamente treinadas. A falta de investimentos é sensível até
em áreas de grande responsabilidade. Não podemos esquecer a crescente
dependência da energia elétrica. As grandes cidades inviabilizam-se em poucos
dias de falta contínua de energia elétrica. O serviço de águas e esgotos, a
sinalização de trânsito, elevadores, a iluminação pública e comunicação são alguns
lembretes da alta dependência dessas companhias. Os riscos existem e são
grandes. Elas não poderão correr riscos de descontinuidade técnica e
operacional.
Os planos de incentivo a aposentadorias desfalcaram o
serviço público, faltando técnicos experientes para a reconstrução
institucional do Setor Energético. Valeria a pena verificar com muita atenção
quem está sendo contratado para fazer os serviços, que antes eram executados
internamente às empresas, e qual o custo desses contratos.
Tudo recomenda prudência. A energia mais cara é aquela que
faltar sem aviso. Ninguém garante que os futuros concessionários agirão com
prudência. Poderão aproveitar-se de poderes os mais diversos para fazerem
fortunas a curto prazo e depois, candidamente, devolverem suas empresas ao
governo alegando incapacidade financeira, tarifas irreais ou qualquer outra
coisa. Interrupções desta espécie poderão condenar grandes regiões brasileiras
ao atraso. A única vigilância confiável será a do próprio consumidor. Há
necessidade de uma grande e permanente campanha de esclarecimento a todos os
brasileiros de seus direitos e de como deve proceder para garanti-los. A
privatização transfere muitas responsabilidades ao cidadão comum. A nação
brasileira precisa ser preparada para essa responsabilidade. Isso significa não
aceitar processos acelerados de alienação das estatais.
As crises mexicana e argentina, aliadas aos problemas
brasileiros, fizeram com que as ações das estatais desses países caíssem muito.
O Brasil tem base para se recuperar, consolidando um cenário de maior
confiabilidade para os investidores. As reformas constitucionais, terminando
por ajustar o país a um quadro de maior seriedade e realismo, farão com que as
ações se valorizem. A privatização agora só se justifica em casos extremos.
Estados falidos ou declaradamente incompetentes só lucrarão se entregarem à
iniciativa privada suas estatais, dificilmente ficarão piores do que estão.
Terão recursos para pagar suas contas e deixarão de administrar empresas que
não mereceram possuir. Já os estados em melhor situação financeira e com melhor
histórico administrativo deverão aguardar momentos melhores para iniciar o
processo de venda das ações de suas estatais. Nesse processo o ideal é definir
um preço mínimo de alienação, a contratação de uma corretora competente e o
estabelecimento de um plano inteligente de aplicação dos recursos a serem
obtidos. Sem pressa há a expectativa de bons negócios a médio prazo.
Infelizmente as propostas indecorosas não se limitam à
privatização acelerada. Aproveitando o clima de confusão criado em torno das
teses privatizantes alguns governos poderão estar degradando suas empresas
públicas. Mostrando programas alternativos de participação da iniciativa
privada, estariam pagando dívidas de campanha abrindo as portas de suas
estatais a associações nocivas aos interesses do estado. Com o suporte de uma
mídia cativa estariam entregando o ouro aos bandidos debaixo dos olhos do
contribuinte alienado. Percebe-se alguns casos extremamente graves de avanço
sobre as empresas públicas. Bons projetos, os mais rentáveis, com a
aquiescência do poder político e a falta de atenção do povo estariam sendo
entregues a grupos privados sem uma compensação razoável.
Empresas estão sendo criadas em paralelo às existentes de
modo a que estas novas entidades apropriem-se sem grande esforço do acervo
técnico desenvolvido durante muitos anos e a altos custos para o consumidor. Em
tese assim estaria acontecendo a formação de serviços concorrentes, trazendo a
tão desejada competição. O que não é justo é ver-se esta transferência de
recursos de forma camuflada, sem um debate público, sem o esclarecimento à
população do que poder-se-á ganhar ou perder com este processo. Com o poder que
possuem, censuram a imprensa, envolvem políticos e impõem suas negociatas.
Nosso povo está carente de lideranças que o defendam.
Grandes líderes do passado recente mostram sinais de decadência cívica. Quando
muito usam bandeiras antigas apenas para a conquista de simpatias, esquecendo
discursos e propostas de um mundo melhor. Evidentemente não se pretende deles a
defesa burra de utopias mas, pelo menos, uma demonstração de idealismo a favor
do povo, lutando para que as transformações sejam honestas e produtivas.
O egoísmo não é privilégio dos mais
ricos. A falta de preocupação sadia com a população é uma conseqüência de uma
educação precária que aflige a nação brasileira. Agora, com a privatização
surge a oportunidade de uma transformação com inúmeros benefícios a todos. É um
processo que deveria estar na mente de todos, em todas as discussões, ser
assunto de debates objetivos e profundos. A omissão, contudo, é a regra. O
risco que corremos é ter um retorno pífio dessa poupança gigantesca que é o
patrimônio das estatais.
Precisamos criar instrumentos de participação popular na
compra das ações das empresas hoje estatais. Principalmente as fundações de
previdência deveriam ser estimuladas a participar do processo. Outras deveriam
ser criadas com trabalhadores e empresários das cidades e do campo de modo a
que viessem participar da construção do Brasil. Criaríamos assim um sistema
previdenciário paralelo e matematicamente visível. O INSS está longe de
oferecer a garantia que procura oferecer. Maus governos podem destruir o
sistema previdenciário oficial, deixando toda a população desamparada. A quase
falência do sistema público de aposentadorias vem desta condução eminentemente
política do INSS. A falência dos montepios dito militares foi, talvez, o maior
golpe contra a economia popular brasileira na história recente. Com as lições
aprendidas poder-se-ia criar uma legislação e órgãos de fiscalização que
viabilizassem a previdência privada.
Tudo isso leva tempo e muito trabalho técnico e político.
Isso significa que a privatização açodada é um grande risco à nossa população.
Paralelamente deve-se cuidar para se evitar o assalto a essas empresas. Muitos
governos, mancomunados com grupos econômicos fortes, poderão promover a
degradação das estatais, deixando-as, ao final do processo com os piores
serviços e transmitindo silenciosamente, sem custos, imensos acervos técnicos e
recursos materiais sob a desculpa da parceria, da associação que sempre houve
sob outras camuflagens entre o estado e as empresas privadas brasileiras. O
antigo modelo aparece sob a desculpa de certas parcerias, ou seja, a
privatização do lucro e a estatização do prejuízo. Principalmente aqueles que
dizem ser contra a privatização poderão estar promovendo o desmonte de suas
estatais dessa forma.
O cidadão comum não tem dinheiro para fazer lobbie. Ele é
poderá ser a principal vítima do processo de privatização se essa transformação
for mal feita. As tarifas subirão, o serviço piorará e o poder político de
certos grandes grupos econômicos crescerá substancialmente. Ele não deve
esquecer que as estatais forma construídas com o trabalho dele e de todos os
brasileiros. Elas pertencem ao povo e ao serem vendidas deverão render o
suficiente para compensar o enfraquecimento político da nação, à medida que ela
vier a ser dominada pelos grandes empresários, muito acima das leis do cidadão
comum.
A privatização , diante do que constatamos, é necessária na
maioria dos estados brasileiros. Noutros poderá constituir-se em excelente
negócio à medida que for instrumento de obtenção de recursos para projetos mais
importantes. Há necessidade, contudo, de muitos cuidados para não vir a ser um
imenso golpe contra a nação.
O essencial é termos atenção para não sermos logrados e não
corrermos riscos evitáveis. Principalmente o Setor Elétrico possui muitas
fragilidades e uma imensa responsabilidade. Há que ser cauteloso mas com
diretrizes claras para não haver desvios desnecessários.
37. Extratos da Constituição Federal
37.1
Artigos constitucionais relativos à exploração de energia elétrica
Artigo 20. São bens da União:
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em
terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com
outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem
como os terrenos marginais e as praias fluviais;
Artigo 21. Compete à União:
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização,
concessão ou permissão:
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o
aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados
onde se situam os potenciais hidroenergéticos
Artigo 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
IV - águas, energia, informática, telecomunicações e
radiodifusão;
Artigo 23. É competência comum da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos municípios:
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de
direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus
territórios;
Artigo 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre:
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,
defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da
poluição;
Artigo 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:
I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes,
emergentes e em depósitos, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as
decorrentes de obras da União;
Artigo 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal
instituir impostos sobre:
II - operações relativas à comercialização de mercadorias e
sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
# 2. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
X - não incidirá:
b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo,
inclusive lubrificantes, combustíveis
líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica;
Artigo 175. Incumbe ao Poder
Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias
de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação,
bem com as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou
permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.
Artigo 176. As jazidas, em
lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica
constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou
aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade
do produto da lavra.
# 1. A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o
aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente
poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse
nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma
da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se
desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.
# 2. Não dependerá de autorização ou concessão o
aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida.
Artigo 84. Compete
privativamente ao Presidente da República:
XXVI - editar medidas provisórias com força de lei, nos
termos do art.62;
Artigo 62. Em caso de
relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas
provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso
Nacional, que estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se
reunir no prazo de cinco dias.
Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia,
desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a
partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações
jurídicas delas decorrentes.
37.2
Conclusões sobre a Constituição Federal
1. A União tem o poder de legislar soberanamente sobre a
exploração dos serviços de energia elétrica.
2. Apesar do artigo 21 da Constituição Federal mencionar a
necessidade de articulação com os Estados na exploração energética dos cursos
de água, não acrescenta mais detalhes a respeito. Este artigo da C.F. deveria
ser regulamentado.
3. O poder da União
na área energética é reafirmado em diversos artigos da C.F..
4. A única forma de
pressionar a União na exploração dos recursos naturais é na gerência das
Secretarias de Meio Ambiente dos estados. Pressionando através das licenças
necessárias, poder-se-á obter vantagens a respeito.
5. O ideal seria
emendar a C.F., transferindo para os Estados o direito de legislar sobre os
serviços de distribuição de energia elétrica.
6. A Constituição Federal remete para a lei comum os deveres
do Poder Concedente para com as empresas concessionárias. O respeito à lei federal 8631 seria
suficiente à recuperação das concessionárias de energia elétrica. A falta de
disciplina do governo perante uma política tarifária é danosa a toda
concessionária de serviço público. O mais assustador é verificar a tendência do
Presidente a editar medidas provisórias, sempre que entender haver algum
problema maior. O Plano real foi um bom exemplo. Em sua edição a lei 8631
perdeu sua eficácia ao impedir os ajustes tarifários tão esperados.
7. O principal efeito
é colocar os recursos naturais existentes nos estados, que compõem a União, a
serviço daqueles com maior poder político e econômico. Esse efeito é sensível
no estabelecimento do SINTREL e na regulamentação do artigo 175 da Constituição
Federal assim como na regulamentação do Produtor Independente.
8. O emprego abusivo
de medidas provisórias sem maior reação do Congresso e da Justiça cria um clima
de insegurança, que deve assustar os investidores.
38. Capitalização das empresas de energia
A análise do desempenho das empresas concessionárias de
energia mostra que dois fatores contribuíram para a degradação delas em
diversas épocas de nossa história. Tanto as estatais quanto as empresas
privadas tiveram retrocessos por falta de recursos para a expansão e para a
manutenção de suas instalações. A descontinuidade de recursos é um problema
grave para as companhias de energia e termina sendo um pesadelo para os
consumidores. Não podemos esquecer o problema econômico e social representado
pela falta de energia elétrica, principalmente em grandes centros urbanos e
industriais.
O gráfico a seguir, com dados fornecidos pelo DNAEE, mostra
que alguns ajustes no Setor Elétrico poderiam gerar somas fabulosas,
necessárias à ampliação de serviços e de qualidade.
Gráfico
mostrando desempenho das Concessionárias entre 1993 e 1995
A continuidade de serviços com qualidade é uma questão de
segurança nacional e todos os cuidados deverão ser tomados para que as
transformações institucionais aumentem a confiabilidade dos serviços e não os
seus riscos. Precisamos introduzir o
risco empresarial mas não permitir a degradação das concessionárias sob a
desculpa ideológica da liberdade empresarial. Tem-se agora a oportunidade
de um salto qualitativo. Tivemos experiências as mais diversas. Precisamos
aproveitá-las para o bem de nosso povo. O governo federal e os estaduais
poderiam compensar aumentos de custos com a redução de impostos não aplicáveis
ao Setor (muito pouco provável).
As companhias de energia estatais têm um compromisso de
grande conveniência política que é não pararem, não deixarem de atender
consumidores e respeitarem a população de modo geral. Assim seus executivos
conduzem programas de obras independentemente de haver ou não remuneração
adequada a seus investimentos. A qualidade, cobrada politicamente, apresenta-se
sem contrapartidas. As estatais desenvolvem seus programas de eletrificação até
com rentabilidade negativa pois as urnas não perdoam. É uma situação ruim
porque esconde problemas. O dinheiro acaba saindo de algum lugar, normalmente
do bolso do contribuinte que vê seus governos deslocando verbas para suas
empresas, abandonando programas mais prioritários e menos visíveis.
A principal forma de capitalização de uma empresa é pela
justa remuneração de seus serviços e produtos. Na área energética acrescente-se
que o exercício de tarifas a preços muito baixos leva ao desperdício, o que não
é conveniente sob qualquer aspecto. A produção e mesmo o consumo de energia
criam problemas ecológicos e ambientais já muito sensíveis diante da dimensão
atingida pela civilização humana. A educação conservacionista e mesmo a
inibição compulsória do uso da energia impõe-se pela responsabilidade social de
todos.
O exercício de tarifas justas é fundamental à atração de
investidores. A demagogia tem que ser contida. A melhor forma de fazê-lo seria
desenvolver jurisprudência e leis severas contra a veiculação de notícias
mentirosas. O judiciário eficaz sobre leis justas é o principal instrumento de
desenvolvimento de uma sociedade civilizada. Tarifas corretamente dimensionadas
atenderão condições de mercado financeiro. Inexistindo ou rareando os
financiamento haverá necessidade de se retirar da receita operacional os
recursos para novos investimentos, manutenção do sistema etc. Não pode haver ilusões. Não se faz
milagres.
Os gráficos apresentados a seguir dão uma idéia de como as
tarifas têm se comportado a nível mundial. Note-se que após um período de
elevações tiveram uma redução de custos, talvez pela necessidade de seus países
terem competitividade nas suas indústrias, redução de custos gerais e mudanças
estruturais. Os dados mundiais são extraídos da “Power Plants Technology &
Maintenance, jan/feb 1996 “. Sem indicações da carga fiscal. As tarifas mais
baixas estão nos países de geração abundante e hidroelétrica
O gráfico de tarifas mundiais para a indústria não mostra o
efeito da cobrança de demanda, o que aumenta substancialmente o seu valor
dependendo de horário e local. De qualquer forma fica evidente que as tarifas
brasileiras não são as menores para os consumidores residenciais. Maior retorno
poderá ser obtido em outras faixas de consumidores, o que deve ser ponderado
pelos futuros investidores.
As tarifas brasileiras são de final de 1995 e início de
1996. Deverão aumentar em termos reais dentro da política governamental de
redução de “subsídios”.
Gráfico
apresentando tarifas residenciais em diversos países
Gráfico
apresentando tarifas industriais, sem demanda, em diversos países
Gráfico
apresentando tarifas residenciais em diversos estados brasileiros
Com a desestatização espera-se a reabertura dos créditos a
baixo custo. Eles serão essenciais à expansão de serviços e aumento de
qualidade. Os banqueiros terão maiores garantias do que emprestando para
governos. Sobre as empresas privadas poderão exercer seus direitos de cobrança.
Contra estados e nações não existem leis. A inadimplência tornou-se um padrão
nos negócios com os países do Terceiro Mundo. Desculpas morais sempre existiram
para dar aos devedores aspectos de vítimas. Seus povos acabaram pagando, e
muito duramente, este tipo de comportamento. BID, BIRD, EXIMBANK e outros
equivalentes terão um espaço imenso de aplicações no Brasil se suas estatais
forem privatizadas. Os bloqueios via Banco Central e a retração dos grandes
bancos internacionais inviabilizaram as empresas estatais mais do que qualquer
outra atitude. A corrupção, a irresponsabilidade e a incompetência deram os
argumentos para essas decisões.
No passado tivemos excelentes resultados com os impostos
dedicados e fundos específicos para investimentos. No setor elétrico, leis
estaduais permitiram a capitalização constante de suas empresas de energia. A
nível federal o Imposto Único sobre Energia Elétrica foi criado pela
Constituição Federal de 1946 e a aplicação desses recursos operacionalizada
pela criação em 31 de agosto de 1954, Lei 2.308, do Fundo Federal de
Eletrificação, gerido a partir de novembro de 1956 pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico, BNDE, criado em 1952. Eles permitiram a realização
de grandes projetos e deram ao setor elétrico uma relativa tranqüilidade. Agora
podemos observar os efeitos do FINEL. Principalmente as empresas menos
rentáveis e com necessidade de grandes expansões, o dinheiro a taxas
privilegiadas e com prazos de carência grandes são a única esperança de
desenvolvimento.
Existindo recursos vinculados, as coisas têm que acontecer.
Os desvios de verbas podem ocorrer mas são crimes administrativos, com todos os
riscos decorrentes do delito.
Esses recursos captados sobre a tarifa, sendo federais,
colocam nas mãos da União decidir onde serão aplicados. Tem sido uma forma de
evitar desvios mas também de manifestação de prioridades político-partidárias.
Os estados mais poderosos têm mais chances de obter esses capitais enquanto os
menores politicamente batalham para conseguir quirelas. Os grandes estados têm
se recusado a pagar, quando o imposto não reverte integralmente em benefício
deles.
Precisamos gerar capacidade de investimentos nas unidades
federadas. O ICMS, cobrado sobre a energia elétrica, não é dedicado ao setor.
Há espaço para a geração de uma taxa sobre o consumo de energia para aplicação
exclusiva como investimento nas empresas de energia. Esse tributo seria
compulsoriamente aplicado na formação de capital das concessionárias de atuação
no estado. Assim teríamos a garantia de capitalização das empresas de energia
dedicadas à distribuição, forçando os acionistas a contribuições semelhantes
diante do risco de se tornarem minoritários ao longo do tempo. Dois por cento
da receita bruta de energia seria o suficiente para sustentar um programa
permanente de expansão dos serviços distribuição ou de investimentos para
aumento de qualidade. Essas ações formariam um fundo bloqueado, só podendo ser
negociado após dez ou quinze anos e na proporção da entrada dos capitais.
Note-se que a posse de ações preferenciais dá direito a seu proprietário de
renda garantida, sob risco de poder transformar suas ações em ordinárias se a
empresa não lhe pagar dividendos por três anos sucessivos. Uma situação como
essa evitaria longas e custosas ações judiciais se a concessionária viesse a
ser omissa em suas obrigações. Sem alardes legais o estado gradativamente voltaria
a ser o maior acionista na falta dos demais. Evidentemente algumas leis teriam
que ser ajustadas a essa condição mas valeria a pena procurar-se algo parecido
para assegurar-se a nível estadual e federal a expansão dos serviços de
distribuição de energia elétrica. Esse dinheiro poderia, inclusive, sair do
próprio ICMS através de leis estaduais e acordos de acionistas, quando da
privatização
Os estatutos das empresas de energia e as planilhas DNAEE
para concessão de tarifas precisam estabelecer parâmetros rígidos para
aplicação em manutenção. Um grande erro administrativo é penalizar a manutenção
de equipamentos e instalações em períodos de aperto financeiro. Privatizando-se
as concessionárias, elas terão liberdade para ajustarem suas despesas de modo a
que não falte dinheiro para atividades essenciais. Esses recursos, contudo, sob
pena de cassação de concessão, deverão ter aplicação extremamente vigiada.
Muito da degradação das concessionárias vem da absoluta
ignorância de executivos empossados por efeito de favores políticos. Precisamos
tornar os Conselhos de Administração mais atuantes. O número de membros do CAD
precisa ser maior, seus componentes precisam ter experiência e cultura mínimas
atestadas e as reuniões deveriam ser públicas. As assembléias de acionistas e
as reuniões dos Conselhos de Administração deveriam, salvo em assuntos de
segurança nacional, ser acessíveis, na qualidade de ouvintes, a qualquer
cidadão atendido pela concessionária. O povo precisa ter segurança e
conhecimento das decisões que afetam suas vidas. Assim a aplicação de recursos,
os planos de investimentos e políticas estratégicas gradativamente seriam do
conhecimento daqueles cidadãos mais atentos às questões públicas.
Além da criação e manutenção de impostos vinculados seria
importante dar a essas empresas mais liberdade de captação de recursos no
exterior. Sentimos que o Banco Central e o Ministério da Fazenda tem tido
critérios no mínimo discutíveis para a liberação de operações de interesse dos
estados menos importantes. Sensíveis a conveniências brasilienses atrapalham
mais do que ajudam. O governo federal tem que parar de atrapalhar.
Dentro de um ambiente de serviços privatizados o risco maior
é dos empresários. Ao governo deve caber a vigilância sobre os padrões mínimos
exigíveis em cada serviço. Evidentemente se o processo envolver aval da União,
aí haverá necessidade de muita cautela pois normalmente na área energética os
valores envolvidos são enormes.
Outro instrumento de captação de recursos poderá ser a
aplicação compulsória de parte dos recursos dos fundos de previdência com
atuação no Brasil em ações das concessionárias de energia. As empresas de
energia elétrica são companhias de retorno a longo prazo mas muito seguras,
saudáveis até, se comparadas com a grande maioria de nossas empresas privadas.
Evidentemente para isso todas deverão ter ações em bolsa de valores, serem de
capital aberto. A abertura de capital é muito importante para a transparência
dessas empresas.
Nossos legisladores deveriam dedicar-se a definir formas de
aplicação compulsória de recursos em atividades essenciais. O orçamento de
cidades, estados e da União não pode continuar livre para deleite do executivo.
Fundamentalmente o poder político, representando os
interesses da nação, não poderá ser ingênuo. A privatização deverá ser
acompanhada de instrumentos de retomada de gerência estatal, sempre que a
iniciativa privada não for capaz de atender as necessidades essenciais,
vinculadas ao objeto da concessão. Vimos e vemos os debates ideológicos,
doutrinários. Acima de tudo o Brasil e seu povo precisam ser pragmáticos, como
o foram nas décadas de cinqüenta a sessenta, quando as grandes empresas
estatais foram formadas diante da incapacidade das concessionárias privadas
atenderem a demanda de energia. O governo é mau gerente, tem dificuldades de
atingir altos graus de eficácia. As empresas privadas também estão sujeitas a
más gerências.
O setor energético, à semelhança do militar, apesar de todos
os seus defeitos é essencial. Uma falha no desenvolvimento dessa área
estrutural comprometerá tudo.
39. Gerência energética
Com a privatização das empresas de energia torna-se vital
aos estados a existência de um órgão sob comando político para a administração
energética. Impõe-se, assim, a criação de uma Secretaria de Energia (SE) em
cada unidade da federação ou algo equivalente.
Esta Secretaria atuaria principalmente como gerenciadora dos
recursos para apoio aos programas estratégicos. Eletrificação rural e
atendimento a consumidores de baixa renda são áreas de atuação deficitária,
exigindo subsídios. O sistema de transmissão e transformação de energia poderá
atender conveniências de desenvolvimento, fugindo a critérios de custo e
benefício diretos. Serviços públicos são eternos problemas, cobrando muitas
vezes recursos extra tarifários para serem mantidos. O governo deverá ter
verbas orçamentárias para dar suporte a esses programas em convênio com as
concessionárias de energia elétrica. Uma grande vantagem desta matemática é
tornar transparentes muitos custos ocultos na grande contabilidade de uma
empresa de energia. Isto será saudável à educação de nosso povo, tão crente em
milagres.
Uma segunda aplicação de uma SE seria o desenvolvimento e
manutenção de uma equipe de fiscais, de técnicos equipados e treinados para
analisar o desempenho das concessionárias de energia. O consumidor comum, o
pequeno empresário e até as entidades públicas desconhecem seus direitos. Mesmo
conhecendo-os existe a dificuldade de avaliá-los. Nesse sentido uma SE, fora da
esfera de influência da concessionária, será um grande ganho em relação à
situação atual. Sendo o governo o maior responsável pela gerência das empresas
de energia elétrica, ele procura inibir qualquer ação legal em defesa do povo
contra as companhias de energia. Até os órgãos de defesa do consumidor têm
comandos indicados pelo próprio governo.
Os estados e até as grandes cidades tendo órgãos para
fiscalização técnica, o DNAEE permaneceria como fórum de último recurso. O
cidadão comum teria, além disto, os muitos caminhos da Justiça Comum. Um time
bem treinado e equipado, especialista em ensaios e medidas, lado a lado com
especialistas em direitos e deveres do consumidor, poderia ser muito útil.
No acordo de acionistas entre o governo estadual e os
futuros comandantes, ao vender o controle acionário da concessionária, o
governo deverá estabelecer contratualmente formas de vigilância de custos e
qualidade. A análise de planilhas será importantíssimo para se evitar abusos.
Principalmente nos países do Terceiro Mundo os grandes grupos econômicos
costumam abusar. Sabem da fragilidade da população, de como é fácil enganá-la.
Sempre dentro de uma lógica de custos e benefícios o poder político deverá
estar atento aos serviços das empresas de energia. Não esquecendo que a qualidade
tem custo, que a relação é exponencial, há elementos matemáticos e de
engenharia para definir e controlar o padrão de serviço oferecido.
Devemos lembrar que as empresas de gás, petróleo (gasolina,
diesel, álcool, querosene e outros derivados combustíveis), carvão, lenha e
eletricidade são empresas de energia, não apenas as de eletricidade. Todas elas
precisam ter maior controle técnico em nosso país. Os abusos são freqüentes e
só não chamam mais atenção pela ignorância de nosso povo e também diante da
descrença na efetividade de nossa Justiça. Em cima do serviço das
concessionárias há muito que ser vigiado. Além dos custos a questão
confiabilidade, segurança, estabilidade de tensão e freqüência são itens a
serem monitorados. O documento legal a ser estabelecido, em complementação às
exigências ridículas a nível de DNAEE, as cidades e estados deverão acrescentar
itens importantes de avaliação das empresas de energia. Não é assunto para
principiantes mas há cultura técnica para defini-los.
No processo de privatização haverá necessidade de muita
competência e racionalidade para que a transferência de controle acionário das
estatais não elimine um problema e crie outros. Até a década de cinqüenta o
Brasil viveu pesadelos na área de energia elétrica em seus maiores centros
industriais. Imensas regiões brasileiras não se desenvolveram por absoluta
falta de energia. Todo o cuidado deverá ser tomado para que as empresas de
eletricidade não se transformem em companhias distantes dos objetivos para que
foram criadas.
Uma deficiência gravíssima no quadro institucional
brasileiro é a ausência de uma entidade que defenda, planeje, proponha soluções
de racionalização energética. Uma SE deverá ser parte obrigatória dos grupos de
planejamento urbano, econômico e todos aqueles que tiverem efeitos sobre o
consumo de energia. O Brasil é o país do desperdício. Detalhes que poderiam
inibir o desperdício são ignorados. O carro velho paga menos impostos,
consumindo muito mais combustíveis que o possível dentro de uma técnica moderna.
O preço da gasolina foi reduzido, estimulando seu consumo sem maiores cuidados.
As indústrias têm até redução de preço no consumo de energia elétrica, sem
qualquer penalização pelo mau uso, exceto o aumento linear da conta. O horário
de verão é ridículo , quando aplicado em regiões acima de São Paulo. Os
horários de indústrias, escolas, repartições públicas, comércio etc não é
planejado e coordenado de modo a ter-se ganhos energéticos. No Brasil perdeu-se sensibilidade para o
planejamento. Anos sucessivos de crise econômica desmobilizaram inteligências.
Nas escolas de engenharia e arquitetura o ensino de técnicas
de racionalização energética deverá ser matéria obrigatória. Nos graus menores
o uso com inteligência de qualquer produto deverá ser instilado nos jovens e
crianças. As próximas gerações serão obrigadas a saber economizar água, luz,
combustíveis e tudo aquilo que contribuir para degradar o meio ambiente. Além
disso esses recursos tendem a ser mais caros, raros e agressivos.
Nossos especialistas deveriam somar as áreas cobertas por
canaviais e reservatórios, acrescentando a esse número as áreas cobertas por
asfalto, estacionamentos e tudo o mais exigido para a produção de energia e
pelos equipamentos que a consomem. Só o que é gasto para o uso de automóveis já
representaria um número assustador. Isso seria importante para termos idéia de
quanto já degradamos o meio ambiente na preocupação de produzir energia e
quanto usamos para dispor, por exemplo, de veículos de transporte individual.
Não podemos esquecer que a questão energética só tende a
agravar-se, com períodos de tréguas enganosas. A questão ambiental, a ecologia
e a própria escassez crescente de fontes de baixo custo forçarão a adoção de
técnicas conservacionistas.
A produção de energia elétrica é agressiva ao meio ambiente.
Se for através de hidroelétricas, demandará a construção de barragens. A
quantidade de florestas sob águas de barragens no Brasil já é significativa. Os
melhores aproveitamentos já foram feitos. As próximas usinas tendem a ser
piores, mais caras. As termoelétricas, qualquer que seja a técnica empregada,
contribuem para a degradação atmosférica. As termonucleares são bombas atômicas
em potencial. O uso de combustíveis líquidos agride diretamente narizes e
ouvidos. Tudo isso recomenda que se tenha disciplina e máxima racionalidade em
tudo que exigir energia, em todas as suas formas.
Com a Secretaria de Energia e a privatização das empresas de
energia elétrica o governo retoma seu papel normativo e de vigilância. Não comprometido
com a parte executiva, terá mais liberdade para cobrar resultados.
O novo estado brasileiro deverá ser baseado em um judiciário
eficaz, ágil e que seja capaz de resolver as grandes e pequenas questões de
conflito de interesses entre empresas concessionárias, monopolistas por
natureza, e seus clientes, consumidores muitas vezes extremamente frágeis,
humildes. Em paralelo ao processo de privatização o Poder Judiciário deveria
ser motivo de intenso trabalho de aprimoramento.
Opiniões ao longo do tempo
40. Perguntas e respostas
1- A privatização é válida?
Sim. Desde que honesta e feita de forma competente.
2- Quando a privatização é conveniente?
Quando o estado precisa de dinheiro e o preço de alienação
compensar.
3- Quem deve privatizar?
Principalmente o estado falido e/ou incompetente.
4- Quando privatizar?
Ao se ter consciência da incapacidade de se obter melhores
resultados na situação estatal e na convicção de se conseguir melhor desempenho
privatizando.
5- Como saber disso?
Verificando o fluxo de divisas, restrições burocráticas
severas, incompreensão popular das razões políticas, degradação corporativa,
excesso de ingerência política.
6- Como privatizar?
De modo a obter-se o máximo de recursos para o Tesouro e
garantir-se a continuidade e qualidade dos serviços a custos razoáveis. Abrindo
o capital das empresas, pulverizando o controle acionário, ajustando estatutos
e órgãos de normalização técnica e vigilância. Operacionalizando o “Código de
defesa do consumidor”.
7- Quanto privatizar?
Se possível, tudo exceto a PETROBRÁS.
8- Por quê?
O povo, através de seus representantes, é mau gerente e a privatização poderá render dezenas de
bilhões de dólares extremamente úteis à saúde, educação e desenvolvimento do
Brasil. Esse é um fato constatado a nível mundial, levando a maioria dos países
a privatizar suas empresas estatais.
9- Como valorizar as estatais?
Criando-se um ambiente de estabilidade e garantias de
respeito às empresas.
10- O que se perde de mais importante na privatização?
Um espaço de empregos sem preconceitos e o domínio sobre
programas de cunho social, além de soberania sobre muitas empresas e serviços.
11- Qual a prioridade para privatização entre setores?
Considerando a necessidade de divisas o Brasil deveria
iniciar seu processo pela Vale do Rio Doce e continuar com a área petroquímica.
A estabilização e ajustes institucionais valorizarão as empresas
concessionárias e de serviços públicos. Por isso seria importante não
privatizá-las a qualquer preço.
12- O que definir publicamente antes da privatização de
empresas concessionárias?
Os contratos de concessão e os estatutos das empresas.
13- Que leis deveriam ser modernizadas antes do processo de privatização?
A “Lei das Sociedades Anônimas” e as relativas à
responsabilidade civil.
14- A PETROBRÁS produtora de petróleo deve ser privatizada?
Não. É uma empresa de valor estratégico incalculável com
áreas de exploração politicamente sensíveis aos interesses das grandes
potências.
15. O que será necessário ao desenvolvimento pacífico da
privatização?
Competência, honestidade, seriedade e transparência.
16. O que os trabalhadores deveriam fazer imediatamente?
Iniciar um grande fundo de participação nas estatais,
comprando, na medida do possível e de forma organizada, as ações das estatais.
Estabelecer um processo de discussão objetiva da privatização de cada estatal.
17. O setor energético está pronto para ser privatizado?
Não.
18. O que falta às empresas para serem vendidas?
Política tarifária realista e efetiva, ajuste em estatutos,
normalização das concessões, abertura de capital, novas regras operacionais,
política de expansão do sistema.
41. Conclusões
As estatais brasileiras merecem respeito. Em sua grande
maioria cumpriram suas finalidades, tiraram o Brasil do impasse em que se
encontrava há meio século. Volta Redonda, a CHESF , FURNAS, Petrobrás e Vale do
Rio Doce são marcos de nossa história. O desenvolvimento industrial brasileiro
só aconteceu porque teve o suporte dessas empresas. Outras companhias surgiram, entre elas vimos
no Paraná a COPEL, TELEPAR, SANEPAR e BANESTADO cumprirem com extrema
competência os programas e metas colocados em seus programas de trabalho.
O desempenho das estatais paranaenses mostra que estados,
que tiveram a felicidade de terem bons governadores, hoje podem mostrar suas
empresas como companhias competentes e respeitadas. Essa situação é a
confirmação de que a condição de serem empresas públicas não lhes impediu de
serem eficazes.
Infelizmente a legislação gradativamente transformou-se em
um garrote sobre as empresas de capital misto. Na origem submetidas a uma
legislação semelhante a de qualquer empresa privada, agora vivem sob controles
e regras típicas da administração direta, tornando-as lentas e ineficazes, se
comparadas com empresas privadas similares. As estatais são obrigadas a longos
processos burocráticos na esperança de torná-las mais seguras diante dos
corruptores e corruptos. Simplesmente perdem eficácia sem impedir os esquemas
tradicionais de envolvimento.
A democracia teve um efeito pernicioso sobre a administração
do serviço público. Diversas “conquistas” na Constituição Federal de 1988 e
práticas demagógicas quebraram os estados e a União. Diante de evidências da
impossibilidade de continuar dentro do modelo estabelecido em 1988, o governo
federal propôs-se a mudanças na Constituição Federal. A União e muitos estados
brasileiros, principalmente em conseqüência da incompetência administrativa,
estão falidos ou concordatários. Precisam
de dinheiro para acertar contas antigas. Têm dificuldades para pagar os
compromissos mais elementares. Evidentemente os desmandos de governos
anteriores recaem sobre os dirigentes atuais. O povo acostumou-se a ver
milagres. Quer obras, salários, serviços. Sob esta pressão é natural que procurem
recursos. O mais lógico, até diante da irresponsabilidade de seus antecessores,
com grandes chances de voltarem ao poder, é privatizar tudo o que for possível
para evitarem a degradação maior dessas entidades privatizáveis e conseguirem
recursos para realizarem pelo menos parte de suas promessas.
Gráfico
mostrando diagrama de questões / decisões
Estamos, assim, em processo de ajustes institucionais,
econômicos e financeiros e os governos precisando alienar empresas para poderem
atender os programas prioritários.
As estatais podem ser privatizadas. Sendo concessões estão
sujeitas a controles e contratos onde o produto delas poderá ser bem definido e
vigiado. O aprimoramento da Justiça, necessário sob diversos aspectos,
permitirá a aplicação eficaz de leis de proteção ao consumidor e de cobrança de
responsabilidade civil. Este é um requisito urgente no aprimoramento do estado.
Com a transformação do Setor Elétrico em uma área de
negócios convencionais, teremos o conflito sadio entre empresários preocupados
com a lucratividade de suas concessionárias e os interesses estratégicos de
governo e população. Esse relacionamento dialético terá por efeito a
racionalização e moralização do Setor, afastando-o de ambientes degradados pelo
poder arbitrário de governos irresponsáveis.
Existe também o argumento da oportunidade de negócios, de
saneamento de contas públicas. Muitos estados da federação encontram-se em
situação deplorável. Precisam de recursos com urgência para recuperar estradas,
hospitais, escolas, serviços de saneamento e distribuição de água. A
privatização permitirá aos governadores se concentrarem nos programas básicos e
tirará das costas deles empresas complexas, normalmente muito distantes das
culturas desses líderes políticos. O desafio de administrar a super empresa que
é um estado é tarefa muito complexa, sendo natural os problemas vistos.
A privatização poderá ser a solução de muitas questões à
medida que servir como instrumento de levantamento de recursos para projetos
prioritários e liberar as concessionárias do quadro legal específico existente.
Sob administração privada poderão integrar-se a indústrias, darem suporte à
pesquisa e usarem os recursos mais modernos da tecnologia, sem as restrições
temperamentais do ambiente político estatal.
O bloqueio creditício desaparecerá e, ao contrário, contará
com o apoio programático e ideológico dos grandes banqueiros. Com o capital
aberto e ações em bolsa haverá possibilidade de captação de recursos sem as
eternas suspeitas contra as empresas públicas.
Os contratos de concessão deverão ser feitos com cláusulas
severas de proteção ao consumidor e sem inibir a capitalização dessas empresas.
De alguma forma elas deverão ser protegidas da demagogia barata e demolidora.
Qualquer empresa precisa dar lucro, dividendos, do contrário não terá
investidores. O ideal será atrair o poupador comum, o cidadão brasileiro,
levando-o a aplicar suas economias nessas empresas. Assim ele terá razões para
não lamentar os níveis tarifários elevados, absolutamente necessários para
cobrir os custos operacionais, os investimentos, a distribuição de dividendos
e, a parte do leão, pagar a imensa carga tributária.
Órgãos de regulamentação e fiscalização federais não
funcionam adequadamente. Estão muito distantes do Brasil e muito perto de
Brasília, onde estão sujeitos a lobbies poderosos. Essas entidades deverão ser
mantidas como entidades de recurso final e de controle dos grandes sistemas, de
interesse regional ou internacional. Os estados devem ter autonomia para regulamentarem
os serviços de distribuição de energia. A definição de suas tarifas é questão
estratégica, parte de planos de desenvolvimento e justiça social. A geração e
transporte de energia de efeito predominante em suas áreas de concessão é
problema a ser decidido no estado e não em Brasília ou Rio de Janeiro. O
governo federal tem sido, ingenuamente, responsável por custos que não domina.
A cadeia de inadimplência perderá sentido se o mesmo poder que define tarifas
de água, esgotos e outros vier a ter o controle das tarifas de energia a
consumidor. O DNAEE deverá limitar-se à fiscalização evitando abusos. Exercendo
controle técnico rígido sobre as concessionárias cuidará da qualidade e
segurança dos serviços assim como de sua continuidade, tendo atratividade a
investidores do setor. Ser um grande tribunal em defesa do cidadão e da boa
empresa deveria ser o seu objetivo.
O fim da tutela inútil da União é fundamental à
racionalização do serviço de abastecimento de energia elétrica a cada cidadão.
Ele e mais ninguém deverá decidir sobre o que pretende. O custo do serviço e
sua qualidade é uma questão local. Cada um sabe de si. O DNAEE e os Ministérios
da Fazenda e o das Minas e Energia têm que parar de atrapalhar. O Brasil é um
arquipélago de culturas e economias muitas diversas. Não tem sentido a
submissão atual a uma repartição brasiliense
Os estados brasileiros precisam impor-se à União. Têm sido
instrumento dos mais poderosos. A área energética, com o esgotamento dos
recursos naturais dos estados mais desenvolvidos, poderá ser um grande
“handicap” a favor da industrialização de muitas regiões. Dentro do espírito do
artigo 21 da Constituição Federal e deixando de ser ingênuos terão a
oportunidade de ditar regras, se forem politicamente competentes.
Evidentemente estaremos inibindo um ambiente mais livre de
trabalho. O estado perderá o poder que essas empresas lhes emprestam. Os
programas sociais deverão ser negociados e compensados de alguma forma. As
contas de energia serão cobradas, inibindo a inadimplência tão comum entre
empresas governamentais e repartições públicas.
A discussão dessa migração será benéfica à nossa cultura. O
que o povo brasileiro deseja? Quanto está disposto a pagar para ser um país
decente, realista? Atualmente vemos dois mundos. O estatal e o privado. No
primeiro há respeito rígido a todas as leis trabalhistas, há uma cultura
socialista. No segundo vemos o capitalismo
mais feroz, selvagem. Qual deles desejamos? Haverá um meio termo?
Principalmente as grandes centrais sindicais deverão aprofundar
esse debate com as associações de empresários. O debate honesto, menos
politiqueiro e maniqueísta é necessário. Talvez seja uma utopia imaginar esse
grau de civilidade. É necessário, urgente, contudo, o estabelecimento de
diálogos construtivos para não se repetir o fiasco da constituição de 1988. Mal
concluída e tampouco regulamentada, torna-se uma questão de salvação nacional
modificá-la profundamente. O Brasil perdeu tempo, gerou miséria, desemprego,
perdeu oportunidades extremamente valiosas porque perdeu-se em fantasias e
utopias.
A privatização significará dar ao governo a oportunidade de
concentrar-se em questões vitais à sobrevivência de nosso povo. A grande base
da educação que precisa ser construída deveria estar sendo motivo de análises
diárias. A saúde e segurança de nosso povo, a reforma do Judiciário, a
descentralização administrativa e o seu aprimoramento são temas que precisam de
espaço. Nossos governantes, que não têm demonstrado aptidão administrativa, não
podem continuar com o controle de empresas que não entendem e usam como
instrumento de politicagem.
O grande desafio será proceder a essa transformação de forma
honesta e competente.
O gráfico a seguir dá uma idéia da situação a nível mundial.
Alguns desses países sustentam programas de privatização e outros, como é o
caso da França, permanece sem grandes alterações, dentro de uma filosofia
estatal.
Gráfico
mostrando a participação de empresas públicas nos sistemas elétricos
Este gráfico foi construído com informações extraídas do
“Colloquium of study committee 37”, CIGRÉ, realizado em Tóquio , dia 17 de maio
de 1995, sobre os arranjos institucionais no Setor Elétrico (Institutional
Arrangements in the Electricity Supply Industry). Nota-se nas conclusões desse
encontro a informação de que muitos países procuram otimizar suas estruturas,
muitos deles procurando formas de concorrência entre empresas, reestruturação,
privatização. Não há, contudo, um modelo dominante visível, por enquanto.
Nós, brasileiros, conhecendo nosso ambiente político, social
e econômico, devemos nos conscientizar que o modelo atual é prejudicial ao
país. A privatização é necessária para preservar o que sobrou das estatais.
Elas precisam ter donos, diretrizes estáveis, acionistas sensatos.
A privatização conduzida de forma inteligente e a favor do
nosso povo será a oportunidade de obtenção de recursos extremamente valiosos ao
nosso desenvolvimento. As empresas privatizadas serão base para novas
indústrias, outros empregos e serviços vitais à nação.
43.2. Dados de usinas
1 - Itaipu
Reservatório: 1460 km2
Potência total (Brasil + Paraguai):12.600 MW
2 - Furnas
Reservatório : 1.250 km2
Potência: 1.216 MW
3 - Sobradinho
Reservatório: 4.214 km2
Potência: 1.050 MW
4 - Tucuruí
Reservatório: 2.430 km2
Potência (primeira etapa): 3.300 MW
5 - Gov. Bento Munhoz da Rocha
Reservatório: 139 km2
Potência: 1674 MW
6 - Segredo
Reservatório: 81 km2
Potência: 1260 MW
43.3 Histórico
Fonte: livros da Memória da Eletricidade, salvo indicação
especial.
Alguns fatos relevantes
Final do século 19
Introdução da energia elétrica principalmente na indústria,
bondes e iluminação pública.
Criação das primeiras concessionárias, ausência total de
regulamentação.
Início do século 20
A energia elétrica ganha espaço. Cria-se a LIGHT, primeiros
conflitos por concessão. Surgem eletrodomésticos, o uso da lâmpada a filamento
se generaliza. As cidades brasileiras adotam o bonde elétrico.
Década de 30
Muito por efeito da crise de 29, da exacerbação do sentimento
nacionalista, dos prenúncios de uma nova guerra a União ganha espaço, lança o
Código de Águas, crias restrições severas às empresas estrangeiras, assume o
controle tarifário.
Década de 40
A II Guerra Mundial realça a necessidade de atuação nas
indústrias estratégicas. Grande polêmica entre os nacionalistas, esquerdistas e
liberais. Sob inspiração da TVA cria-se a Companhia Hidro Elétrica do São
Francisco, CHESF. Os investimentos em energia elétrica são abaixo dos
necessários. Ao final do seu governo, Vargas encaminha ao Congresso propostas
para a criação do Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE) e do Fundo
Federal de Eletrificação (FFE).
Missões americanas geram, em conjunto com brasileiros,
planos que serão implementados mais adiante.
Década de 50
Crises de abastecimento de energia elétrica colocam-na em
destaque. JK assume esta bandeira. Muitas empresas estatais são criadas, entre
elas a COPEL, CEMIG, FURNAS e ELETROBRÁS.
Décadas de 60 e 70
O governo militar dá grande impulso à produção de energia
elétrica. Interligam-se sistemas, grandes usinas são construídas ou iniciadas,
grandes indústrias instalam-se no Brasil. A ELETROBRÁS assume o comando do
Setor Elétrico. Ao final da década de 50, o combate à inflação atinge as
empresas de energia elétrica.
Década de 80
Abertura política, inflação elevada, investimentos enormes
sem retorno, início e paralisação de obras. Com a Constituição de 1988 a carga
fiscal sobre as estatais de energia elétrica cresce assustadoramente. Pressões
sindicais excessivas contribuem para o agravamento da situação financeira das
empresas.
Década de 90
Reordenamento do Setor de Energia Elétrica, preparação para
a privatização, Plano Real, Lei 8631, investimentos reduzidos. Aumentam os
riscos de racionamento de energia.
Algumas datas significativas
1879 - D. Pedro II concede a Thomas Edison o privilégio de
introduzir em nosso país os aparelhos elétricos e processos inventados por
Edison para a utilização da energia elétrica.
1879 - Inaugurado no Rio de Janeiro, com seis lâmpadas a
arco, a iluminação elétrica da estação central da Estrada de Ferro D. Pedro II
(atual Central do Brasil).
1881 - 16 lâmpadas a arco foram instaladas em parte do Campo
da Aclamação (Praça da República), Rio de Janeiro.
1881 - 60 lâmpadas à filamento (Edison Electric Co.) são
instaladas para iluminação da Exposição Industrial, Rio de Janeiro.
1883 - Primeira utilização da energia hidrelétrica no Brasil
em Jequitinhonha, MG, para acionamento de duas bombas de desmonte hidráulico
(lavra de diamantes).
1883 - Inaugurada a primeira linha de bondes elétricos no
Brasil em Niterói.
1883 - Inaugurado o primeiro serviço de iluminação pública
municipal do Brasil e da América Latina em Campos, RJ, com 39 lâmpadas.
1885 - Início da iluminação pública em Rio Claro (10
lâmpadas).
1886 - Em Curitiba, no Passeio Pública, funcionava a
primeira lâmpada elétrica em iluminação pública no Paraná.
1887 - Início da operação da usina hidrelétrica no Ribeirão
dos Macacos, MG, pela Compagnie des Mines d’Or du Faria. Além da mina atendia
as casas dos trabalhadores e escritórios.
1887 - Criada no RJ a Companhia de Força e Luz, operou
durante um ano chegando a manter 100 lâmpadas de iluminação pública em várias
ruas do centro da cidade. A energia era gerada por uma pequena termelétrica.
1889 - Na cidade de São Paulo entrou em operação uma termelétrica para atendimento a consumidores particulares e iluminação pública do Bairro de Água Branca.
1889 - Na cidade de São Paulo entrou em operação uma termelétrica para atendimento a consumidores particulares e iluminação pública do Bairro de Água Branca.
1889 - Entrada em operação da Usina de Marmelos - 0 (250
kW), Juiz de Fora, MG, fornecendo energia elétrica para a iluminação pública
daquela cidade. A Companhia Mineira de Eletricidade, criada neste ano, era a
responsável pela concessão.
1889 - Entrada em operação, em Curitiba, da sua primeira
usina termoelétrica.
1892 - Entrada em operação dos primeiros serviços de energia
elétrica para iluminação pública e uso residencial em Curitiba através da Cia.
Água e Luz de São Paulo.
1899 - Em 7 de abril criada em Toronto, Canadá, a São Paulo
Railway, Light and Power Company Limited com capital inicial de 6 milhões de
dólares. Em julho Campos Sales autorizava a Light a funcionar no Brasil e em
setembro os detentores da concessão a venderam a esta empresa. Em dezembro
mudou a palavra Railway para Tramway.
Primeira década - Disputa de mercado com a Cia. Docas de
Santos (Gaffrée e Guinle), jogo de influências, participação da chancelaria e
Depto. De Estado Norte Americano.
Constituição Republicana : federalista, dava ampla liberdade
aos estados.
1905 - Criação da Companhia Força e Luz Cataguazes -
Leopoldina
1912 - Criação da CPFL, Cia. Paulista de Força e Luz.
1927 - Criada a Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas
Brasileiras, CAEEB, subsidiária do grupo AMFORP, American & Foreign Power
Company.
1929 - Início da crise econômica mundial.
1930 - Início do período Vargas e atuação de Juarez Távora.
1933 - Criação do Departamento Nacional da Produção Mineral
(DNPM) com uma Diretoria de Águas, transformada em 1935 em Serviço de Águas.
1933 - Fim da cláusula - ouro.
1933 - Criação da TVA, Tennessee Valley Authority, autarquia
norte americana.
1934 - Em 10 de julho de 1934, decreto federal 26.234,
promulgado o Código de Águas (Juarez Távora). Estabelecia a distinção entre a
propriedade do solo e a propriedade das quedas d’água e outras fontes de
energia hidráulica para efeito de exploração ou aproveitamento industrial.
Consagra, assim, o regime das autorizações e concessões. Fixou em 30 anos o
prazo para concessão, podendo chegar a 50 na hipótese de se realizar
investimento vultuoso em obras e instalações. Instituição do custo histórico
para definição de remuneração e tarifas.
1937 - A Carta de 1937 proibiu explicitamente qualquer novo
aproveitamento hidráulico por companhias estrangeiras. O aproveitamento das
águas só seria concedido a brasileiros ou empresas constituídas por acionistas
brasileiros.
1938 - Decreto - Lei 852 adaptava o Código de Águas às
normas e objetivos da Carta de 1937, disciplinava a instalação de linhas de
transmissão, prorrogava o prazo de revisão dos contratos, suspendia as
atribuições anteriormente conferidas aos estados de São Paulo e Minas Gerais.
Estabelecia um prazo de cinco anos para que a freqüência fosse padronizada em
50 Hz em todo o território nacional.
1939 - Em 18 de maio Vargas criou, pelo Decreto - Lei 1285 o
Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, transformado no mesmo ano em
Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, (CNAEE), decreto 1699. Órgão diretamente subordinado à
Presidência da República foi instrumento de atuação do Governo Federal até a
criação do Ministério das Minas e Energia em 1960.
1939 - Em 14 de junho, com a crise de suprimento que se
esboçava na cidade de Campinas, o Governo Federal definiu, por meio de Decreto
- Lei 345, as regras de interligação dos sistemas elétricos e encarregou o
CNAEE de administrar o suprimento de energia em todo o país.
1941 - Decreto - Lei 3128 definiu a base de remuneração como
sendo a conta do ativo da empresa e não do passivo, o ativo seria avaliado em
função do custo histórico e a remuneração sobre o capital fixada em 10% sobre o
montante do investimento menos a depreciação (não especificada).
1941 - CSN, Cia. Siderúrgica Nacional, criada em 9 de abril
de 1941, começou a produzir em 1946.
1942 - Cia. Vale do Rio Doce
Decreto Lei 4.352 de 1 de julho de 1942
1943 - Criada a Comissão Estadual de Energia Elétrica -
CEEE, transformada em Companhia Estadual de Energia Elétrica em 1963.
1945 - CHESF, Cia. Hidro Elétrica do São Francisco, criada
em outubro de 1945 e instalada em 15 de março de 1948.
1952 - CEMIG, Centrais Elétricas de Minas Gerais S.A.,
constituída em 22 de maio .
1952 - BNDE, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
1953 - Criação da PETROBRÁS e estabelecimento do monopólio
estatal sobre o petróleo.
1953 - USELPA, Usinas Elétricas do Paranapanema, agosto.
1954 - Lei 2.308, instituindo o FFE, Fundo Federal de
Eletrificação, e o IUEE, Imposto Único sobre a Energia Elétrica, capitalizando
o FFE. Os recursos do FFE só podiam ser aplicados em empresas públicas, criadas
para a eletrificação.
1954 - COPEL, Cia. Paranaense de Energia Elétrica
1955 - CELESC, Centrais Elétricas de Santa Catarina.
1955 - CHERP, Cia. Hidrelétrica do Rio Pardo,
1957 - RFFSA, Rede Ferroviária Federal S.A. , criada pela
Lei n. 3.115 de 16 de setembro de 1957.
1957 - FURNAS, Central Elétrica de Furnas.
1960 - CEMAR e COELBA.
1961 - CELUSA, Centrais Elétricas de Urubupungá S.A.
1961 - BELSA, COSERN, ENERGIPE e outras nos anos seguintes.
1961 - ELETROBRÁS, criada pela Lei 3.980-A de 25 de abril e
instalada em 11 de junho de 1962.
1966 - CESP, Centrais Elétricas de São Paulo, constituída em
dezembro de 1966, absorvendo entre outras empresas paulistas a USELPA, a CHERP
e a CELUSA.
1973 - Tratado de Itaipu
1973 - Lei 5.899 de 5 de julho dispõe sobre a aquisição da
energia de Itaipu.
1975 - Assinado em 27 de junho o Acordo Nuclear Brasil -
Alemanha, prevendo a instalação de 8 centrais nucleares até 1990, com
capacidade de 10.400 MW.
1975 - Estabelecido processo de equalização tarifária e
contas CCC e RGG. As tarifas começam a ser afetadas por políticas de combate à
inflação.
1990 - Lei 8.031 de 12 de abril cria o Programa Nacional de
Desestatização, PND.
1992 - Decreto 572 de 22 de junho inclui no Programa
Nacional de Desestatização a ESCELSA, Espírito Santo Centrais El e a Light
Serviços de Eletricidade S/A.
1993 - Atuação de Eliseu Resende
1993 - Lei 8.631 de 4 de março, dispõe sobre a fixação dos
níveis das tarifas para o serviço público de energia elétrica, extingue o
regime de remuneração garantida, estabelece encontro de contas (CRC), cria o
Conselho de Consumidores e dá outras providências.
1993 - Decreto 774 de 18 de março regulamenta a Lei 8.631.
1993 - Decreto 915 de 6 de setembro autoriza a formação de
consórcios para geração de energia elétrica.
1993 - Decreto 1.009 de 22 de dezembro cria o SINTREL,
Sistema nacional de Transmissão Elétrica.
1994 - Portaria DNAEE, número 337, de 22 de abril,
regulamenta o SINTREL.
1995 - Decreto 1.503 de 25 de maio inclui as seguintes
empresas no PND: ELETROBRÁS, FURNAS, ELETRONORTE, ELETROSUL e CHESF.
1995 - Lei 8.987 regulamenta o artigo 175 da Constituição
Federal. Dispõe sobre o regime de
concessão e permissão da prestação de serviços públicos.
1995 - Lei 9.074 de 7 de julho estabelece normas para
outorga e prorrogação das concessões e permissões de serviços públicos e dá
outras providências.
44. Referências bibliográficas
1 - ROSA, Luiz Pinguelli, Textos para discussão, Fórum de
Ciência e Cultura e SR-5 / UFRJ, julho , 1992.
2 - COPEL, Aspectos Tarifários 94, DEF/SPF/DPTA/VTAR, 1995
3 - LUCAS LOPES, Memórias do Desenvolvimento, Memória da
Eletricidade, Programa de História Oral do CPDOC / FGV
4 - COTRIM, John R., A História de Furnas, Furnas Centrais
Elétricas, 1994.
5 - MARCONDES FERRAZ, Octavio, Um Pioneiro da Engenharia
Nacional, Programa de História Oral do CPDOC / FGV, Memória da Eletricidade.
6 - Um Século de Eletricidade no Paraná, Departamento de
História da Universidade Federal do Paraná, 1994.
7 - CALABI, A.S. - FONSECA, E.G. - SAES, F.A.M. - KINDI, E.
- LIMA, J.L. - LEME, M.I.P. - REICHSTUL, H.P., A Energia e a Economia
Brasileira, Estudos Econômicos - FIPE/PIONEIRA, 1983.
8 - LIMA, José Luiz, Políticas de Governo e Desenvolvimento
do Setor de Energia Elétrica do Código de Águas à Crise dos Anos 80
(1934-1984), Memória da Eletricidade, 1995.
9 - LOWE, Janet, O Império Secreto, Como 25 multinacionais
dominam o Mundo, Berkeley Brasil Editora, 1993.
10 - DONAHUE, John D., Privatização, fins públicos, meios
privados, Jorge Zahar Editor, 1989.
11 - DIAS, Renato Feliciano, CABRAL, Lígia Maria Martins,
CACHAPUZ, Paulo Brandi de Barros, LAMARÃO, Sérgio Tadeu de Niemeyer, Panorama
do setor de energia elétrica no Brasil, Memória da Eletricidade, 1988.
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